Direito da antidiscriminação e deficiência: critérios proibidos de discriminação, hiv/aids e o 'dilema da diferença'

AutorRoger Raupp Rios
Ocupação do AutorPós-Doutor pela Universidade de Paris. Doutor e Mestre em Direito (UFRGS), com estágio de pesquisa na Universidade do Texas - Austin e na Universidade Columbia - NYC. Pós-Graduação em Direito (Mestrado/Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Desembargador Federal - TRF4.
Páginas185-200
DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO
E DEFICIÊNCIA: CRITÉRIOS PROIBIDOS DE
DISCRIMINAÇÃO, HIV/AIDS E O “DILEMA DA
DIFERENÇA”
Roger Raupp Rios
Pós-Doutor pela Universidade de Paris. Doutor e Mestre em Direito (UFRGS), com
estágio de pesquisa na Universidade do Texas – Austin e na Universidade Columbia
– NYC. Pós-Graduação em Direito (Mestrado/Doutorado) da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (UNISINOS). Desembargador Federal – TRF4. E-mail: roger.raupp.
rios@gmail.com.
Sumário: 1. Introdução – 2. Elementos fundamentais do direito da antidiscriminação e discriminação
por deciência – 2.1 Conceito jurídico de discriminação – 2.2 Modalidades de discriminação – 2.3
Critérios proibidos de discriminação – 2.4 Proibição de discriminação por motivo de deciência – 2.5
Discriminação por deciência e deveres de adaptação – 2.6 Deciência: concepções biomédica
e social – 2.7 Interseccionalidade e deciência – 3. Direito da antidiscriminação e o dilema da
diferença: condição sorológica positiva assintomática para HIV e proteção por deciência – 3.1
A epidemia de HIV/AIDS e modelo social no contexto brasileiro – 3.2 Assintomatologia para HIV/
AIDS e o “dilema da diferença” – 4. Considerações nais – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O direito constitucional brasileiro e o direito internacional dos direitos huma-
nos têm, dentre seus conteúdos fundamentais, a af‌irmação do direito de igualdade
como mandamento de proibição de discriminação. Formulado e compreendido, na
arena internacional, a partir das violações perpetradas pelos regimes totalitários,
assim como, na ordem interna, respondendo à violência praticada pela ditadura
militar que se estabeleceu no período da Guerra Fria, a proibição de discriminação
ordenada pelo direito de igualdade, no direito brasileiro e no direito internacional,
almeja afastar toda e qualquer diferenciação injusta, em especial práticas e regimes
de subordinação contra indivíduos e grupos histórica e socialmente injustiçados e
vítimas de preconceito e discriminação.
Sem ignorar, muito menos menosprezar o rico e intenso debate (KYMLICKA,
1995) desenvolvido em diversos campos (político, social, f‌ilosóf‌ico, histórico etc.),
é de se salientar que este esforço de efetivação do mandamento antidiscriminatório
resultou, na esfera jurídica, na formulação de legislação e jurisprudência específ‌i-
cas. A litigância, a sistematização e a pesquisa acadêmica nestes campos acabaram
por demarcar domínios do conhecimento e da prática jurídicas, conhecido como
“direito da antidiscriminação”. Com efeito, enquanto a compreensão tradicional do
princípio da igualdade expõe o conteúdo e a extensão dessa cláusula constitucional
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de modo estático, por meio da enunciação de suas respectivas dimensões formal e
material, o conceito de discriminação aponta para a reprovação jurídica das violações
do princípio isonômico, atentando para os prejuízos injustos experimentados pelos
destinatários de tratamentos desiguais. A discriminação enfrentada pelo direito da
antidiscriminação é tomada por uma perspectiva jurídica mais substantiva que formal:
importa enfrentar a desigualdade prejudicial e injusta, pois nem sempre a adoção de
tratamentos distintos se revela maléf‌ica, sendo mesmo tantas vezes exigida, como
alerta a dimensão material do princípio da igualdade (o de tratar igualmente os iguais
e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades).
Nesta ref‌lexão, busca-se apresentar, ainda que de modo sucinto, os elementos
fundamentais do direito da antidiscriminação, com ênfase na proibição de discri-
minação por def‌iciência (parte 1); a seguir, mediante o exame da proteção social
requerida em demandas por pessoas vivendo com HIV/AIDS de modo assintomático,
propõe-se demonstrar a complexidade e a riqueza da concretização do direito da
antidiscriminação.
2. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO E
DISCRIMINAÇÃO POR DEFICIÊNCIA
Os elementos fundamentais no direito da antidiscriminação são o conceito
jurídico de discriminação, as modalidades de discriminação, os critérios proibidos
de discriminação, as perspectivas da antidiferenciação e da antissubordinação e as
respostas jurídicas disponíveis (de cunho legislativo, políticas públicas e ações af‌ir-
mativas) (RIOS, 2008). Para os f‌ins deste artigo, serão referidos o conceito jurídico
de discriminação, suas modalidades e critérios proibidos de discriminação, tomando
como caso exemplar a proibição de discriminação por motivo de def‌iciência.
2.1 Conceito jurídico de discriminação
O conceito de discriminação merece algumas considerações no sentido de tor-
nar mais clara sua compreensão e de facilitar sua concretização no campo jurídico.
Diferentemente do preconceito, que designa percepções mentais e internas negativas
em desfavor de indivíduos e grupos socialmente inferiorizados, discriminação é a
materialização de atitudes arbitrárias, acarretando violações de direitos. O termo
preconceito é utilizado de maneira mais frequente nos domínios da psicologia e das
ciências sociais, enquanto o termo discriminação é mais difundido no vocabulário
jurídico.
Nesse sentido, a partir da análise conjunta da Convenção Internacional sobre
a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e da Convenção sobre a
Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, o conceito jurídico
de discriminação é “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha
o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício
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