Pessoas com deficiência e o seu direito fundamental à capacidade jurídica: a imprescindibilidade de compatibilizar a concretização do direito com a efetivação da proteção eventualmente necessária

AutorAna Cláudia Mendes de Figueiredo e Eugênia Augusta Gonzaga
Ocupação do AutorPós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes - RJ. Coordenadora do Comitê Jurídico e do Grupo Nacional de Autodefensoria da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. / Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Procuradora Regional da República. Autora do livro Direitos das ...
Páginas69-86
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O SEU DIREITO
FUNDAMENTAL À CAPACIDADE JURÍDICA:
A IMPRESCINDIBILIDADE DE COMPATIBILIZAR
A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO
COM A EFETIVAÇÃO DA PROTEÇÃO
EVENTUALMENTE NECESSÁRIA
Ana Cláudia Mendes de Figueiredo
Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cân-
dido Mendes – RJ. Coordenadora do Comitê Jurídico e do Grupo Nacional de Autode-
fensoria da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. Conselheira
no Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deciência e Membro do Comitê
dos Direitos das Pessoas com Deciência da OAB-DF. Advogada.
Eugênia Augusta Gonzaga
Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Procuradora Regional da República.
Autora do livro Direitos das Pessoas com Deciência, pela WVA Editora.
Sumário: 1. Introdução – 2. Síntese das alterações promovidas pela LBI em relação à capacidade
jurídica – 3. Valores e princípios fundantes do direito das pessoas com deciência à capacidade
jurídica plena – 4. Concretização, no direito interno, dos princípios e propósito da convenção;
4.1 O direito à capacidade jurídica e suas implicações; 4.1.1 A desnecessidade de curatela para o
recebimento de benefícios previdenciários ou assistenciais; 4.1.2 Autonomia e proteção: compa-
tibilidade em situações de vulnerabilidade jurídica; 5. O apego à curatela e a resistência à tomada
de decisão apoiada – 6. A imprescindibilidade do respeito aos direitos, à vontade e às preferências
da pessoa com deciência em qualquer caso; 6.1 A tomada de decisão apoiada; 6.2 A curatela – 7.
Considerações nais – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Def‌iciência (LBI) – ou Estatuto da Pessoa com Def‌iciência –, imple-
mentou importantes alterações e inovações no âmbito dos direitos das pessoas com
def‌iciência, com o f‌im de adequar o ordenamento jurídico interno às normas e aos
princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Def‌ici-
ência (CDPD) e seu Protocolo Facultativo. Tais documentos foram aprovados pelo
Congresso Nacional, mediante o Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008,
conforme o procedimento previsto no § 3º do artigo 5º da Constituição Federal – o
que torna os seus preceitos equivalentes à emenda constitucional –, e promulgados
por meio do Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009.
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A revolução havida, então, nesse âmbito, não decorreu de simples opção legislati-
va, mas da necessidade do estrito cumprimento do disposto na CDPD, especialmente
em face do seu valor de norma constitucional. Além de a Convenção impor-se no
plano interno desde 2009, ela obriga o Brasil perante a comunidade internacional,
uma vez que foi ratif‌icada, sem ressalvas, pelo país.
Entre as signif‌icativas mudanças impostas pela LBI são dignas de nota aquelas
alusivas à disciplina da capacidade das pessoas, desencadeadas pelo disposto no ar-
tigo 12 da Convenção, o qual estatui expressamente que “as pessoas com def‌iciência
gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em
todos os aspectos da vida” (item 2).
Relativamente a certas pessoas com def‌iciência – como aquelas com def‌iciência
intelectual e algumas com def‌iciência psicossocial – o novo paradigma tem encontrado
importante resistência, principalmente em razão da ideia de desamparo, decorrente
da desproteção do seu patrimônio. Essa ideia precisa ser superada, a partir da com-
preensão de que a def‌iciência hoje é uma questão de direitos humanos, bem como
a partir do entendimento de que é preciso compatibilizar a concretização do direito
ao reconhecimento da capacidade jurídica com a garantia do amparo eventualmente
necessário à preservação da dignidade dessas pessoas.
2. SÍNTESE DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LBI EM RELAÇÃO À
CAPACIDADE JURÍDICA
Foi registrado categoricamente na LBI que “A def‌iciência não afeta a plena ca-
pacidade civil da pessoa” (artigo 6º) e que “A pessoa com def‌iciência tem assegurado
o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas” (artigo 84). Desse modo, ela pode exercer todos os atos realizados
pelas pessoas em geral, como casar-se e constituir união estável, exercer o direito
de decidir sobre o número de f‌ilhos, de ter acesso a informações adequadas sobre
reprodução e planejamento familiar, de exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela
e à adoção e de testemunhar, entre outros.
O artigo 83 da mesma Lei, destinado aos serviços notariais e de registro, af‌irma
constituir discriminação em razão de def‌iciência a negativa ou a criação de óbices
ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de def‌iciência do
solicitante, devendo ser reconhecida a sua capacidade jurídica plena e garantida a
acessibilidade, notadamente a arquitetônica e a relativa à comunicação e à informação
sobre o conteúdo do documento1.
1. O acesso à informação e à comunicação deve ser assegurado por meio, por exemplo, da Língua Brasileira de
Sinais (Libras), do Braille, do texto com linguagem simples e de todas as espécies de tecnologia assistiva ou
ajuda técnica, consideradas como tais os “produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à parti-
cipação da pessoa com def‌iciência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência,
qualidade de vida e inclusão social” (LBI, art. 3º, III).
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