O direito à internação psiquiátrica no sistema de saúde brasileiro: as representações sociais do Tribunal de Justiça de São Paulo

AutorRachel Torres Salvatori, Francinele Valdivino, Carla Aparecida Arena Ventura
CargoUniversidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto/SP, Brasil. - Universidade do Estado de Minas Gerais. Frutal/MG, Brasil.
Páginas1-18
1
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0018, 2022
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.178448
Artigo Original
http://revistas.usp.br/rdisan
RESUMO
Este artigo teve como objetivo analisar as
representações sociais do Tribunal de Justiça de
São Paulo sobre o direito à inter nação psiquiátrica
no sistema de saúde brasileiro. Os dados foram
coletados do sítio eletrônico do tribunal paulista,
a partir de 184 acórdãos de ações julgadas em
segunda instância, profe ridos em razão de recursos
de apelação e publicado s no período de janeiro de
1998 a dezembro de 2012, referentes às internações
psiquiátricas pleiteadas no Sistema Único de Saúde
e no sistema de saúde suplementar. Os métodos
empregados para análise dos resultados foram a
estatística de scritiva e o discurso do sujeito colet ivo.
Aplicou-se, ainda, a Teoria das Representações
Sociais como referencial teórico de interpretação
dos discursos elaborados. No Sistema Único de
Saúde, a internação re clamada em juízo foi a
compulsória, representada, majoritariamente,
como medida de proteção d a dignidade da pessoa
com transtorno mental e, minoritariamente, como
violência contra es sa mesma dignidade. No sist ema
suplementar, a representação judicial assumiu
o enfoque consumerista, consubstanciado na
abusividade da cláusula limitativa da internação
psiquiátrica e no direito s uperior à vida. O direito à
saúde, vislumbrado nas de cisões judiciais, resumiu-
se ao direito de acesso aos serviços de saúde e
ao direito à doença. A compreensão do Poder
Judiciário, nos dois sistem as investigados, foi a do
direito à saúde como o direito ao b em de saúde
pleiteado em juízo, o que coloca muitos desafios
para os sistemas de sa úde e para o Poder Judiciário
frente à consolidação dos ideais da reforma
psiquiátrica estatuída pela Lei n. 10.216/2001.
Palavras-chave: Internação Compulsória;
Internação Psiquiátrica; Judicialização da Saúde;
Planos de Saúde; Sistema Único de Saúde.
ABSTRACT
The current research sought to present the
social representat ions of judges from the S ão
Paulo Court of Justice about the law regardin g
psychiatric admissions. Data were collected
through the court we bsite, from 184 judgments
including all the decisions published between
January 1998, and December 2012, regarding
psychiatric admissions claimed to both the
Brazilian Public Health System, and the private
insurance health system. As methods, the author
used descriptive statistics and the collective
subject speech. The Social Representations
Theory was appl ied as a theoretical framework
to interpret the colle cted speeches. Conside ring
Brazilian Public Health System, the admissions
claimed on the court were compulsory an d
judges presented the psychiatric admissions,
mostly, as a protection measure of people with
mental disorders dign ity and, at a lower degree,
as a violence against this same dignity. With
respect to the private insurance health system,
the judicial representation was related to the
consumerist appro ach, supported by the abuse
of a clause restric ting the time for psychiatric
admissions and its contr adiction with the right to
life. The right to health wa s characterized in the
decisions as the right of acc ess to health services
and the right to be ill. The co mprehension of the
judges in both investigated systems related the
right to health to the r ight to a health as a good
claimed in court, imposing many challenges to
health systems an d the Judiciary Power in order
to consolidate the principles of the psychiatr ic
reform brought by Law n. 10.216/2001.
Keyword s: Compulsory Admission; Psychiatric
Admission; Health Judicialization; Private Insurance
Health System; Brazil ian Public Health System.
Rachel Torres Salvatori1
https://orcid.org/0000-0002-1777-346X
Francinele Valdivino2
https://orcid.org/0000-0001-7690-344X
Carla Aparecida Arena Ventura1
https://orcid.org/0000-0003-0379-913X
1 Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto/SP, Brasil.
2 Universidade do Estado de Minas Gerais. Frutal/MG, Brasil.
Correspondência:
Rachel Torres Salvatori
E-mail: racsalvador@hotmail.com
Recebido: 24/11/2020
Revisado: 12/12/ 2021
Aprovado: 25/02/2022
Conito de interesses:
Os autores declaram não haver
conflito de interesses.
Contribuição dos autores:
Todos autores contribuíram
igualmente para o
desenvolvimento do artigo.
Copyright: Esta licença permite
que outros remixem, adaptem
e criem a partir do seu trabalho
para fins não comerciais, desde
que atribuam a você o devido
crédito e que licenciem as novas
criações sob termos idênticos.
O direito à internação psiquiátrica
no sistema de saúde brasileiro:
as representações sociais do Tribunal de
Justiça de São Paulo1
The right to psychiatric admission in the Brazilian health system:
the São Paulo Court of Justice’ social representations
2
O direito à internação psiquiátrica no sistema de saúde brasileiro: as representações sociais do Tribunal de Justiça de São Paulo
Salvatori R. T., Valdivino F., Ventura C. A. A.
R. Dir. sanit., São Paulo v.22n2, e0018, 2022
Introdução
Segundo Ministério da Saúde (MS, 2004), em publicação de 2004 não atualizada
após essa data, 3% da população brasileira sofrem com transtornos mentais severos
e persistentes e precisam de cuidados contínuos em saúde mental, enquanto outros
9% precisam de atendimento eventual. Estimativas um pouco mais recentes mostram
que os transtornos depressivos e ansiosos representam a quinta e a sexta causas de
anos de vida vividos com incapacidade (GBD 2016…, 2018). Contudo, somente a
minoria das pessoas com transtornos mentais recebe o tratamento elementar (OMS,
2001). Tal constatação remete à discussão dos impactos que o transtorno mental e
sua abordagem podem trazer para os países.
Aduz-se do texto da Lei n. 10.216/2001 (BRASIL, 2001), que redireciona o modelo de
atenção em saúde mental no Brasil, a intenção do legislador de priorizar o tratamento
das pessoas com transtornos mentais na comunidade, fora da instituição hospitalar,
sendo a internação psiquiátrica a última alternativa para o tratamento. Esta Lei também
prevê a modalidade de internação compulsória, determinada por um juiz. Há algumas
evidências de que famílias de indivíduos acometidos por transtornos mentais têm
buscado, com não rara frequência, a internação dessas pessoas por via judicial, como
uma tentativa de eliminar os problemas advindos desses transtornos (FORTES, 2010;
SCISLESKI; MARASCHIN, 2008; FORTES, 2010).
A problemática da judicialização da saúde, na qual se coloca também a internação
psiquiátrica, tem suscitado o Poder Judiciário a investigar essas questões com mais
profundidade. Com essa finalidade, foram criados, por meio da Portaria n. 25/2011
(CNJ, 2011a) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), comitês executivos de saúde
estaduais em 14 estados.
Na primeira reunião do Comitê Executivo de Saúde do Estado de São Paulo (COEXES)
(CNJ, 2011b), em 18 de maio de 2011, foi levantada a questão do crescimento das
demandas por internação psiquiátrica pela via judicial em casos de transtorno mental
e de dependência química. Foram evidenciadas situações nas quais não houvera
avaliação por perícia médica precedente à ordem judicial de internação, sendo
apontado que tais condutas causaram prejuízos ao paciente, que se viu privado de
sua liberdade quando a internação não era o tratamento mais adequado, além de
importantes impactos negativos para o sistema de saúde, que teve seus recursos
consumidos em uma terapêutica que não traria os resultados esperados e, como
consequência, reduzida sua capacidade de internação dos pacientes que realmente
necessitavam dela (CNJ, 2011b).
Dessa forma, com a finalidade de estudar o posicionamento adotado pelo Poder
Judiciário nas demandas por internação psiquiátrica, realizou-se esta pesquisa, cujo
objetivo geral foi conhecer as representações sociais do Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP) sobre o direito à internação psiquiátrica. Como objetivos específicos,
foram estabelecidos: (i) caracterizar as demandas judiciais relacionadas à internação
psiquiátrica submetidas ao TJSP; (ii) identificar como as demandas judiciais relacionadas
à internação psiquiátrica são sustentadas pela parte apelante em juízo; (iii) identificar
como as demandas judiciais relacionadas à internação psiquiátrica são defendidas
pela parte apelada em juízo; e (iv) identificar as representações sociais presentes nos
posicionamentos de segunda instância do TJSP na jurisprudência acumulada sobre as
demandas judiciais relativas à internação psiquiátrica.
Uma importante razão para a pesquisa abranger o estado de São Paulo foi o fato de
esta ser a unidade da Federação que concentra o maior número de leitos psiquiátricos
(MS) e operadoras e beneficiários de planos de saúde, constituindo-se, portanto,
em um locus onde a ocorrência de tais demandas judiciais tende a ser maior. Além
disso, o TJSP é a instância competente para julgar em segunda instância os recursos
das ações judiciais com demandas relativas à internação psiquiátrica e possui toda

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