O direito e os povos indígenas do Brasil: uma nova perspectiva de direitos humanos

AutorCecília de Castro Algayer - Afonso Maria das Chagas
CargoUniversidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. Mestranda em Direito - Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO, Brasil. Doutor em Ciência Política
Páginas201-220
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O DIREITO E OS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL: UMA
NOVA PERSPECTIVA DE DIREITOS HUMANOS
THE LAW AND THE INDIGENOUS PEOPLES IN BRAZIL: A NEW
HUMAN RIGHTS PERSPECTIVE
Cecília de Castro AlgayerI
Afonso Maria das ChagasaII
Resumo: A relação do Estado brasileiro com os povos
indígenas tem sido historicamente marcada por um
desmazelo cuidadosamente acobertado pela lei, capaz de
permitir a tomada de suas terras, a violência sistêmica, a
exploração e o desmonte dos instrumentos e das instituições
em tese criados mesmo para a defesa dessas comunidades.
Diante desse cenário, a presente pesquisa adotou como marco
teórico a política indigenista da Constituição de 1988 para
desconstruir a epistemologia eurocêntrica da fundamentação
dos direitos humanos e buscar caminhos possíveis. Afinal,
mesmo no plano internacional, a adoção de uma série de
direitos tidos como universais não permitiu a emancipação
dos povos indígenas à condição plena de sujeitos de direito
dentro do Estado nacional, mantendo-os sob uma série de
ficções tutelares que sempre encobertou um etnocentrismo
latente. Dessa forma, pelo método dialético e com o emprego
das técnicas bibliográfica e documental, foram contrastadas
a realidade sócio-histórica dos povos indígenas do Brasil e
o discurso dos direitos humanos para análise do caráter
revolucionário do novo paradigma constitucional. Em
conclusão, evidenciou-se a potencialidade emancipatória
dos direitos humanos, compreendidos como espaços de luta
em que se buscam concretizar as reivindicações sociais –
especialmente as provindas daqueles povos que, por séculos,
sequer foram reconhecidos como pessoas. Dessa forma, por
uma ótica decolonial, concluiu-se pela abertura de uma nova
arena política pela Constituição Federal de 1988, orientada
à construção de uma sociedade pluriétnica e capaz de
ressignificar a busca por direitos humanos.
Palavras-chave: Direito indígena. Direito constitucional.
Povos indígenas.
Abstract: e history of the Brazilian State in its relationship
with indigenous peoples is marked by an indifference
carefully covered by the law, capable of allowing the
seizure of their lands, systemic violence, the exploitation
and dismantling of instruments and institutions in theory
DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v21i39.314
Recebido em: 18.07.2020
Aceito em: 17.12.2020
I Universidade Federal de Mato Grosso,
Cuiabá, MT, Brasil. Mestranda em
Direito. E-mail: cecilia.calgayer@gmail.
com
II Universidade Federal de Rondônia,
Porto Velho, RO, Brasil. Doutor em
Ciência Política. E-mail: afonso.chagas@
unir.br
202 Revista Direito e Justiça: Reflexões Sociojurídicas
Santo Ângelo | v. 21 | n. 39 | p. 201-220 | jan./abr. 2021 | DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v21i39.314
created even for the defense of these communities. In view
of this scenario, the present research adopted as a theoretical
framework the indigenous policy of the 1988 Constitution
to deconstruct the Eurocentric epistemology of the
foundation of human rights and search for possible ways.
After all, even at the international level, the adoption of a
series of rights considered to be universal did not allow the
emancipation of indigenous peoples to the full condition of
subjects of law within the national State, keeping them under
a series of tutelary fictions that always cov-ered up a latent
ethnocentrism. In this way, through the dialectical method
and the use of bibliographic and documentary techniques,
the socio-historical reality of the indigenous peoples of Brazil
and the human rights discourse were contrasted to analyze the
revolutionary character of the new constitutional paradigm.
In con-clusion, the emancipatory potential of human rights
became evident, understood as spaces of struggle in which
social demands are sought to be realized - especially those
coming from those peoples that, for centu-ries, were not even
recognized as persons. us, from a decolonial perspective, it
was concluded that a new political arena was opened by the
Federal Constitution of 1988, oriented to the construction
of a multi-ethnic society and capable of reframing the search
for human rights.
Keywords: Indigenous law. Constitucional law. Indigenous
people.
1 Considerações iniciais
Historicamente, o direito brasileiro nunca considerou os povos indígenas precisamente
como sujeitos. Pelo contrário, em mais de cinco séculos, a ordem jurídica calcada nos fundamentos
europeus que se construiu no Brasil sempre se orientou à perpetuação de uma sociedade
predominantemente individualista, patrimonialista e branca, relegando aos povos tradicionais o
impreciso e colonialista rótulo de índios, ignorando tratarem-se de etnias diversas e empurrando
para as margens da legislação as disposições que lhes eram concernentes.
Quando os europeus aportaram no Brasil, o território já era multicultural. Estima-se
a existência de cerca de quatrocentos povos diferentes, cujos conflitos e rivalidades internas
perfaziam um cenário muito menos violento do que o que estava prestes a ser imposto pelo
avanço colonizatório (PERUZZO, 2017, p. 9).
A despeito dessa diversidade, o olhar dirigido aos povos indígenas os enquadrou desde o
princípio como objetos de curiosidade e estudo, e não propriamente como pessoas (CASTRO,
2020, p. 161), resultando assim no conceito colonial de índio, uma classificação homogeneizante
e abstrata inapta a traduzir a pluralidade dos povos originários.
E, se classificar algo a partir de nossos próprios referenciais cognitivos já configura um
problema epistemológico antigo, ressuscitando todas as questões concernentes à relação sujeito-

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT