Direito, processo e inteligência artificial. Diálogos necessários ao exercício da jurisdição

AutorAntonio Pereira Gaio Junior, Fábia Antonio Silva
CargoPós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra ? POR/Advogada
Páginas60-99
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 17. Volume 24. Número 1. Janeiro-abril de 2023
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 60-99
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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DIREITO, PROCESSO E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. DIÁLOGOS
NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO1
LAW, PROCESS AND ARTIFICIAL INTELLIGENCE. DIALOGUES
NECESSARY FOR THE EXERCISE OF JURISDICTION
Antônio Pereira Gaio Júnior2
Fábia Antonio Silva3
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo detectar o impacto dos meios tecnológicos, mais especificamente,
da Inteligência Artificial, no campo de Processo Civil, sobretudo em sua forma de ser, permitindo para isso um
diálogo com os direitos fundamentais processuais, formadores do ideário de Processo Justo. Para isso, a partir de
uma pesquisa quantitativa, usando material bibliográfico para f ins de uma construção ontológica sobre o objeto,
necessária a constru ção histórica da era digital em uma sociedade complexa e como o Direito e, mais adiante, o
Processo, se relacionam em suas dinâmicas regulatórias com o fenômeno da inteligência não humana. A pesquisa
teve com resultados as objetivas limitações aos direitos fundamentais processuais quando se tem a IA a plicada ao
Processo Judicial sem a necessária transparência sobre sua utilidade e efetiva accountability no que se refere ao
seu desenvolvimento e aplicação. Pôde-se concluir ser perceptível que, pela dinâmica de um Processo que se
pretende ser Justo, há a necessidade de eliminação de incertezas quanto ao uso qualitativo dos ditos meios
tecnológicos para o aprimoramento da prestação jurisdicional.
PALAVRAS-CHAVE: Processo civil; inteligência artificial; direitos fundamen tais processuais; segurança
jurídica; efetividade; transparência.
1 Artigo recebido em 04/07/2022 e aprovado em 03/11/2022.
2 Pós-Doutor em Direito pela Universid ade de Coimbra POR. Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos
pelo Ius Gentium Conimbrigae Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-POR. Doutor em Direito pela
UGF. Mestre em Direito pela UGF. Pós -Graduado em Direito Processual pela UGF. Visiting Professor no Ius
Gentium Conimbrigae FDUC-POR. Professor Associado de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ. Coordenador da Pós-Graduação em Direito Processual
Contemporâneo UFRRJ. Membro da International Associatio n of Procedural Law -IAPL. Membro da
International Bar Association IBA. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual IIDP. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Processual IBDP. Membro da Associação de Direito e Economia Europeia
ADEE. Membro Efetivo da Comissão Permanente de Processo Civil do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB
NACIONAL. Líder do Grupo de Pesquisa Processo Civil e Desenvolvimento (UFRRJ/CNPq). Adv ogado,
Consultor Jurídico e Parecerista. Juiz de Fora/MG. E-mail: www.gaiojr.com . jgaio@terra.com.br.
3 Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Rural de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduada em
Direito Processual Contemporâneo pela Univ ersidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Mem bro do
Grupo de Pesquisa “Processo Civil e Desenvolvimento” (UFRRJ/CNPq) e do Núcleo de Pesquisas e Estudos em
Direito Internacional NEPEDI/UERJ. Juiz de Fora/MG.
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ABSTRACT: This article aims to detect the impact of technological mean s, more specifically, Artificial
Intelligence, in the field of Civil Procedure, especially in its way of being, allowing for a dialogue with fundamental
procedural rights, forming the ideals of Fair Process. For this, from quantitative research, using bibliographic
material for the purpose of an ontological construction on the object, necessary the historical constructio n of the
digital age in a complex society and how the Law and, later, the Process, are related in their regu latory dynamics
with the phenomenon of non-human intelligence. The research resulted in the objective limitations to fundamental
procedural rights when AI is applied to the Judicial Process without the necessary transparency about its usefulness
and effective accountability regarding its development and application. It can be concluded that it is noticeable
that, due to the dynamics of a Process that is intended to be Fair, there is a need to eliminate uncertainties regarding
the qualitative use of said technological means for the improvement of judicial provision.
KEYWORDS: Civil procedure; artificial intelligence; fundamental procedural rights; legal certainty;
effectiveness; transparency.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade da informação, diante da complexidade das relações sociais vêm, de modo
avassalador, construindo novas formas de otimização e interação nas vontades de seu tecido
social.
Com o Direito como núcleo regulador das relações jurídicas na sociedade, não é
diferente e isso implica em uma série de reflexões no modo de ser das Instituições que se
pretendam garantidoras do respeito aos direitos e garantias do cidadão comum, como o é o
Poder Judiciário.
A partir do estabelecimento de novas formas de exercitar a jurisdição, como se dá com
o uso da tecnologia empregada no ato de iniciar, desenvolver e realizar o Processo Judicial,
enquanto instrumento de exercício e garantia de direitos, têm-se a premente necessidade de
refletir criticamente, o modelo que vem sendo posto ao destinatário da prestação do Serviço
Público da Justiça, sobretudo quanto aos riscos, avanços e retrocessos à permanente conquista
de um Processo Justo em um Estado Constitucional de Direito.
2. EVENTOS PRECURSORES À ERA DA REVOLUÇÃO DIGITAL
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A criação de um equipamento que pudesse pensar como um homem não é uma ideia
precipuamente moderna. Ao longo dos séculos, acreditou-se na possibilidade da criação de
ferramentas que aumentassem a capacidade intelectual humana, bem como na criação de
dispositivos que se igualassem aos aspectos mais mecânicos do modo de pensar do homem.4
O ábaco, apetrecho de cálculo, por exemplo, foi um engenho utilizado por mercadores
há mais de 2.000 anos. 5 No Egito antigo e na Babilônia existiam calculadores profissionais,
eram os escribas para os egípcios e logísticos para os gregos.6 Aliás, o termo “computador” tem
surgimento antes da invenção da máquina, referindo-se a aquela pessoa que fazia cálculos.7
Comprovando as tentativas mais arcaicas em desenvolver mecanismos capazes de
calcular, em 1901, um primitivo computador analógico e planetário foi descoberto em um velho
barco grego na ilha de Antikythera. O artefato, utilizado pelos gregos antigos, calculava datas
e previa fenômenos astronômicos, sendo considerado notável, uma vez que o mecanismo
utilizado era altamente avançado para o seu tempo.8
Filósofos antigos também se empreenderam por esse caminho. Aristóteles, em seu
tempo, já considerava trocar a mão-de-obra humana por objetos autônomos e específicos. O
francês Blaise Pascal construiu em 1642 um engenho mecânico capaz de somar e subtrair
números de oito algarismos.9 Gottfried Leibniz é outro exemplo de filósofo que já se debruçava
sobre a ideia de, por intermédio de equipamentos, liberar o homem das tarefas repetitivas e de
simples execução, construindo em 1677 sua máquina de calcular.10
É sabido que as Revoluções Industriais impactaram fortemente a sociedade. Com a
Primeira Revolução Industrial as atividades que eram preponderantemente artesanais foram
perdendo espaço diante da evolução tecnológica que começara a ocorrer. Em meios às
mudanças, o telégrafo elétrico surgiu como a primeira tecnologia que permitiu a transmissão de
4 FONSECA FILHO, Cléuzio. História da computação: O Caminho do Pensamento e da Tecnologia. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2007, p. 85.
5 PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital. 5. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com as Leis n. 12.735 e 12.737,
de 2012. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 32.
6 FONSECA FILHO, Cléuzio. Ob. cit., p.36.
7 Idem, p. 36-37.
8 Idem, 85.
9 PINHEIRO, Patrícia Peck. Ob. cit., p. 32.
10 FONSECA FILHO, Cléuzio. Ob. cit., p. 86.

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