Direito à saúde na área de neoplasias: entendimentos doutrinários a partir de ementas selecionadas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

AutorAndré Luis Alves de Quevedo
CargoSecretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Assessoria de Gestão e Planejamento. Porto Alegre/Rio Grande do Sul, Brasil
Páginas1-17
1
R. Dir. sanit., São Paulo v. 23, n. 1, e0002, 2023
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2023.178613
Artigo Original
http://revistas.usp.br/rdisan
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi conhecer
os entendimentos doutrinários do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em
relação ao direito à saúde, especificamente
ao tema das neoplasias. Tratou-se de estudo
empírico com abordagem qualitativa,
considerando decisõ es da corte no período de
janeiro de 2019 a março de 2020. Realizou-se,
nos meses de abril e maio de 2020, busca no
site do Tribunal de Justiça do Es tado do Rio
Grande do Sul, que resultou em 344 ementas
de processos julgados em segunda instância.
O critério de seleção do material empírico
coletado foi a saturação dos dados. Na análise,
surgiram temas sobre a saúde como direito
social, direito à vida e direito à dignidade da
pessoa humana; direito à saúd e versus as ideias
de mínimo existencial e reserva do possível;
direito à saúde versus princípios orçamentários
e financeiros; direito à saúde versus princípio da
separação dos poderes; direito à saúde versus
responsabilidade do s entes federativos; e direito
à saúde, Código de Defesa do Consumidor,
dano moral e responsabilidade civil. Os
achados do presente estudo demonstram que,
mesmo com as especifici dades das neoplasias –
como gravidade, urgência e transcendência –,
os entendimentos doutrinários não diferem
daqueles que têm sido produzidos em relação
ao tema mais amplo do direito à saúde.
Palavras-Chave: Direito à Saúde;
Judicialização da Saúde; Jurisprudência em
Saúde; Neoplasias; Políticas Públicas de Saúde.
ABSTRACT
The judicialization of health has been a growing
phenomenon in the Brazilian scenario. Thus, the
objective of the pre sent study was to understand
the doctrinal und erstandings of the Cour t of Justice
of the State of Rio Grand e do Sul in relation to the
right to health, espe cially about neoplasms. This is
an empirical study, using a qualitat ive approach,
from January 2019 to March 2020. A search was
carried out on the Co urt of Justice of the State of
Rio Grande do Sul website, in order to identify
lawsuits related to the right to health, especially
on neoplasms. Data collection was carr ied out
in April and May 2020, which resulted in 344
files of cases judged in the second instance. The
criterion for selecting the collec ted empirical
material was data saturation. Themes such as:
health as a social right, the r ight to life and the
dignity of the human pe rson; right to health versus
the idea of an existential minimum and the r eserve
of the possible; right to health versus budgetar y
and financial principle s; right to health ve rsus the
principle of separation of powers; right to health
versus the responsi bility of federative entitie s; and,
the right to health, the Co nsumer Protection Code,
moral damage and civil res ponsibility appear. The
findings of this study demonstrate that even with
the specificities of neoplasms (such as severity,
urgency and transcendence), these do not differ
from the doctrin al understandings that have b een
produced on the right t o health.
Keyword s: Right to Health; Judicialization of
Health; Jurisprudence on Health; Neoplasm;
Public Health Policy.
André Luis Alves de Quevedo1
https://orcid.org/0000-0001-9314-7578
1Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul. Assessoria de Gestão e Planejamento. Porto Alegre/Rio Grande do
Sul, Brasil
Correspondência:
André Luis Alves de Quevedo
andrequevedo_sls@hotmail.com
Recebido: 27/11/2020
Revisado: 14/06/2022
Aprovado: 0 8/08/2022
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O autor declara não haver
conflito de interesses.
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O autor é responsável por todo o
desenvolvimento do artigo.
 Esta licença
permite compartilhar — copiar
e redistribuir o material em
qualquer suporte ou formato;
adaptar — remixar, transformar,
e criar a partir do material
para qualquer fim, mesmo
que comercial.
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Right to health in the area of neoplasms: doctrinal understanding
from selected files of the Court of Justice of the State of Rio
Grande Do Sul
2
Direito à saúde na área de neoplasias: entendimentos doutrinários a partir de ementas selecionadas do TJRS Quevedo A. L. A.
R. Dir. sanit., São Paulo v. 23, n. 1, e0002, 2023
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Com a positivação do direito à saúde na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 (CF/88) (BRASIL, 1988), estabeleceu-se a garantia do acesso às ações
e aos serviços de saúde de forma universal aos cidadãos brasileiros. Nesse sentido,
ao Poder Executivo coube propor, controlar e executar políticas públicas de saúde.
Quando este não efetiva seu papel, os cidadãos tendem a recorrer ao Poder Judiciário
para a concretização de seus direitos.
Em uma sociedade que se encontrava atingida por um sistema de organização econômica
fundamentado no modelo capitalista; em um contexto plural, que massificava a população,
aumentava desigualdades sociais, reorganizava o acesso a bens e consumos, em um
território com inúmeras riquezas naturais e culturais; garantir saúde para todos, sem
relação de classe, de forma que todos fossem incluídos e atingidos sensivelmente
pela oferta de ações e serviços de saúde, contemplava os princípios constitutivos do
novo sistema público de saúde que se desenhava. Ademais, considerando-se que a
população brasileira figurava (e figura) entre as maiores populações mundiais, ofertar
um sistema público de saúde universal, integral e equitativo coloca-se na esteira dos
desafios constitucionais para o direito à saúde.
Ressalta-se que a judicialização da saúde tem sido estudada ora focando a perspectiva
dos direitos dos usuários (individual), ora na perspectiva do sistema de saúde (coletiva),
mas poucos estudos fazem interface entre essas duas perspectivas – o que tem especial
relevância de ser problematizado.
Marques (2016) contribui para a discussão sobre o direito à saúde e o processo de
judicialização das políticas públicas no Brasil ao refletir se a garantia proposta pelo direito
à saúde está relacionada diretamente às políticas públicas ou se pode ser acessada
de forma independente pelos cidadãos. A autora afirma, ainda, que este debate vem
sendo travado tanto dentro quanto fora dos processos judiciais.
No setor público, uma das gêneses do aumento da judicialização da saúde sinalizada é o
subfinanciamento do sistema. Na constituição do Sistema Único de Saúde (SUS), o artigo
35 da Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990b) definiu que os recursos para a implementação
das políticas públicas de saúde previstas na supracitada lei infraconstitucional viriam do
orçamento da seguridade social. No entanto, sabe-se que esse aporte financeiro nunca
foi suficiente para a efetivação de um sistema público de saúde universal (MENDES;
LOUVISON, 2015; VIEIRA, 2020).
Balestero (2011) traz que a falha na prestação da atenção à saúde pelo SUS caracter iza
uma violação ao direito fundamental à saúde. Assim, a população acaba buscando o
Poder Judiciário para coagir a administração pública a cumprir o dever constitucional
que lhe é imposto. Tal fenômeno pode ser entendido, segundo a autora, como
judicialização das políticas públicas de saúde. Ainda, de acordo com Pepe et al. ( 2010,
p. 2406), a judicialização da saúde é um fenômeno multifacetado, que “expõe limites
e possibilidades institucionais estatais e instiga a produção de respostas efetivas pelos
agentes públicos, do setor saúde e do sistema de justiça”.
Nessa linha, um estudo sobre 782 decisões judiciais relacionadas à exclusão de cobertura
de planos de saúde, julgadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo (TJSP) entre os anos de 2009 e 2010, identificou que os dois grupos de
doenças mais citados nas decisões analisadas (câncer e doenças cardiovasculares) são
as principais causas de morbimortalidade nesse Estado (SCHEFFER, 2013).
Mesmo considerando o alto custo dos tratamentos das neoplasias malignas, o direito à
saúde dos usuários “supera a questão orçamentária, levando-se em conta a denominada
densidade suficiente do direito fundamental, mais conhecida na doutrina por mínimo
existencial” (ROCHA, 2013, p. 36).

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