Direito tributário e novas tecnologias

AutorRogério Vidal Gandra da Silva Martins e Roberta de Amorim Dutra
Ocupação do AutorAdvogado sócio da Advocacia Gandra Martins. Especialista em Direito Tributário. Juiz do TIT-SP. Conselheiro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP. / Advogada, sócia da Advocacia Gandra Martins. Mestranda em Direito Processual Constitucional Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pela USP e pelo CEU-IICS.
Páginas1-34
DIREITO TRIBUTÁRIO
E NOVAS TECNOLOGIAS
Rogério Vidal Gandra da Silva Martins*1
Roberta de Amorim Dutra**2
Sumário: Introdução – 1. O sistema tributário nacional e o poder de tributar – 2. O poder de
tributar e o princípio da legalidade – 3. O conceito de tributo – 4. Natureza jurídica do tributo
– 5. Espécies tributárias – 6. O papel da lei na sociedade contemporânea digital – um breve
histórico legislativo do tema – 7. As principais mudanças tecnológicas e as tentativas/dicul-
dades de normatização do sistema – 8. A mudança no conceito de sociedade: da sociedade
de indivíduos às plataformas digitais e seu impacto junto ao sistema tributário brasileiro – 9.
As tendências tecnológicas atuais e a tributação; 9.1 As imunidades tributárias sobre os livros
eletrônicos; 9.2 A questão do estabelecimento permanente; 9.3 Plataformas digitais e a Tribu-
tação do Streaming; 9.4 Tributação do Software; 9.5 Tributação do e-commerce; 9.6 Tributação
de computação em nuvem (cloud computing); 9.7 Vídeos on demand; 9.8 Moedas virtuais; 9.9
Programas de delização; 9.10 Jogos virtuais; 9.11 Impressão 3D; 9.12 Os serviços dos inuen-
ciadores digitais – 10. A grande diculdade de harmonizar a tributação e a arrecadação do
Estado à velocidade das mudanças das novas modalidades e institutos relacionados às novas
tecnologias – qual o futuro da tributação digital? – Referências.
INTRODUÇÃO
O conceito de direito na sociedade contemporânea se torna cada dia mais
envolvido com questões ligadas ao mundo tecnológico e sua interpretação, prin-
cipalmente, na nova sociedade da informação, em que estamos vivendo uma
verdadeira revolução tecnológica e novas formas de com ela interagir, no âmbito
social, haja vista as novas formas de organizações sociais que vem mudando de
maneira grandiosa, desenvolvendo, assim, um novo paradigma de sociedade
pós moderna.
O presente escrito tem por escopo revelar o signicado e essência do insti-
tuto do direito tributário, como instrumento de política econômica e sua inter-
disciplinaridade com o direito digital, revelando os inúmeros desaos dadas as
diculdades de harmonização das novas tecnologias com a evolução legislativa de
* Advogado sócio da Advocacia Gandra Martins. Especialista em Direito Tributário. Juiz do TIT-SP.
Conselheiro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP.
** Advogada, sócia da Advocacia Gandra Martins. Mestranda em Direito Processual Constitucional
Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pela USP e pelo CEU-IICS.
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tributação, assim como os desaos frente a necessidade de instituição de políticas
públicas voltadas a proteção de tais bens digitais.
Considerando que todo o sistema tributário nacional foi elaborado quando
todas as relações fáticas se situavam em estabelecimentos físicos e, atualmente, as
relações fáticas, principalmente, no campo de territorialidade da internet não se
restringe a um lugar, sendo uma extensão de tudo o que ocorre no campo virtual,
mas que geralmente gera efeitos na realidade fática da sociedade, principalmente
no campo do direito tributário, deve a norma jurídica correr atrás dos fatos, numa
velocidade jamais imaginada anteriormente em nosso ordenamento jurídico
Destaca-se, ainda, o grande desao do sistema tributário nacional diante
do surgimento das novas tecnologias de se adaptarem à nova realidade, voltada
a regulamentação de alguns conceitos sobre bens intangíveis, incorpóreos e
instantâneos, que o meio digital nos trouxe, sempre corroborados aos princípios
constitucionais de direitos fundamentais insculpidos em nossa Constituição
Tal discussão se torna imperiosa a medida em que sua importância no campo
político, jurídico e econômico, além da necessária proteção que o direito deve dar
na aplicação do uso de tais tecnologias, face aos dilemas que temos enfrentando
acerca da omissão legislativa para solucionar abusos, determinar limites, colisão
entre normas e, principalmente, resguardar os direitos fundamentais envolvidos,
dentre o de maior importância, a inviolabilidade de dados.
Entendemos que a velocidade das transformações digitais ultrapassa a ve-
locidade das inovações jurídicas, entretanto, necessário se faz criar um processo
legislativo com conteúdo amplo, porém exível que possa atender aos diversos
resultados que as relações digitais possam criar.
1. O SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E O PODER DE TRIBUTAR
Em nosso País, a Constituição Federal é o ponto de partida para se estudar
o sistema tributário nacional.
Sistema, segundo Roque Carrazza, seria a “reunião ordenada de várias partes
que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas
explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios,
e o sistema é tanto mais perfeito quanto em menor número existam”.1
Em nosso ordenamento jurídico brasileiro, o sistema é composto pela Consti-
tuição Federal, leis complementares e leis ordinárias e decretos regulamentadores.
1. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros,
2019. p. 47-48.
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A Constituição Federal é responsável pela denição das hipóteses de inci-
dência dos tributos, classicação dos tributos, repartição de competências e as
limitações ao poder de tributar.
Vale dizer, é a Constituição Federal que indica quais situações ou negócios
jurídicos poderão ser tributados e a partir dela é que o legislador infraconstitucio-
nal poderá retirar elementos cotidianos, que dependam ou não do poder público,
para instituir ou não cobrar determinado tributo.
O legislador constitucional também delimitou a repartição de competências
de cada ente Federativo: União, Estados e Municípios, além de tratar da parcela
de participação que cada um desses entes terá sobre os tributos arrecadados.
Os importantes limites sobre o sistema tributário nacional que a Constituição
Federal impõe sobre a atividade estatal de arrecadar tributos são traduzidos nos
princípios informadores do direito tributário, tais como o princípio da legalidade
e da legalidade estrita, que devido à sua importância para o estudo em comento,
será destacado mais adiante.
O princípio Federativo2 versa sobre a forma de organização do Estado brasi-
leiro, delega as competências tributárias, dene a arrecadação de cada ente tribu-
tante e, consequentemente, a repartição de receitas. Já, a supremacia do interesse
público signica que dada a rigidez do sistema constitucional existente, a repar-
tição de competências existente está relacionada à vontade do povo pertencente
ao território tutelado por aquela legislação. Assim como o princípio federativo, o
princípio republicano também encontra previsão no capítulo inaugural da Carta
2. A Federação constitui uma das pedras fundamentais do edifício jurídico (expressamente consagrada no
primeiro artigo da Constituição Federal, e reiterada em inúmeras outras disposições constitucionais), com
ampla aplicação no que concerne às normas de imposição tributária. Sua magnitude é ressaltada no art.
60, § 4º, da mesma Constituição, que proíbe ao Congresso Nacional sobre eventual proposta tendente a
aboli-la, vedando sua indissolubilidade. Compreende a associação de Estados, implicando conguração
jurídica de um novo Estado (federal), sendo que as características básicas do regime federativo podem ser
assentadas na forma seguinte: “1. esquema de constituição rígida; 2. um poder constitucional próprio nos
Estados; 3. Existência de um território próprio; 4. Existência de um povo próprio; 5. Os poderes derivam
da sua constituição compatibilizada com a repartição de competências que está na Constituição Federal;
6. Representação proporcional da vontade do povo dos Estados, paritariamente nesse órgão; 7. Corte
constitucional que assegure a supremacia da Constituição Federal”. (...) Em razão da autonomia, existe
absoluta igualdade entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e nenhum tipo de hierarquia,
mas apenas a xação de competências distintas. O princípio federativo, conjugado com a autonomia
municipal, apresenta profundas e substanciais implicações no âmbito tributário, tendo em vista o plano
eminentemente normativo, e as diferenciadas competências conferidas às referidas pessoas políticas, a
saber: a) o Código Tributário Nacional (caracterizado como lei complementar) dispõe sobre normas ge-
rais de Direito Tributário, sendo aplicado indistintamente na elaboração das normas tributárias federais,
estaduais, distritais e municipais; b) as leis federais, conquanto fruto de atuação do mesmo órgão editor das
leis nacionais (Congresso Nacional), e instituidoras de tributos de sua competência exclusiva, não podem
determinar, ordenar ou impor seus comandos na elaboração de leis estaduais, distritais e municipais, o
mesmo ocorrendo com estas que não podem intervir no âmbito federal” (MELO, José Eduardo Soares
de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 2010. p. 14-16).
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