Tributação dos negócios digitais: desafios e perspectivas

AutorHermano A. C. Notaroberto Barbosa e Matheus Bertholo Piconez
Ocupação do AutorDoutor em direito pela Universidade de Paris (Panthéon-Assas), professor convidado de cursos de graduação e pós-graduação (UERJ, FGV, PUC-Rio), diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), coordenador da comissão de tributação e finanças da Câmara de Comércio e Indústria França-Brasil (CCIFB-RJ), advogado. / LL.M. em Direito ...
Páginas35-74
TRIBUTAÇÃO DOS NEGÓCIOS DIGITAIS:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Hermano A. C. Notaroberto Barbosa*
Matheus Bertholo Piconez**
Sumário: Considerações iniciais – PARTE 1: Tributação dos negócios digitais e seus desaos;
1.1 Economia digital e seus impactos no direito tributário; 1.2 Denição da residência e domi-
cílio scal nos negócios digitais; 1.3 Orientações internacionais previstas no Projeto BEPS; 1.4
Residência ou fonte como critérios de tributação; 1.5 Negócios digitais e tributação indireta no
Brasil – PARTE 2: Tributação dos negócios digitais em perspectiva; 2.1 Tributação de software,
serviços em nuvem e outros bens digitais pelo ICMS ou ISS; 2.2 Cide sobre remessas sobre
remuneração de software as service (SaaS); 2.3 Internet das coisas; 2.4 Criptoativos, tokens não
fungíveis (“NFT”) e tributação no metaverso; 2.5 Preços de transferência; 2.6 Tributação sobre
serviços de streaming; 2.7 Tributação sobre serviços de publicidade online; 2.8 Impressões em
3D – Considerações nais.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O crescimento da importância da economia digital em relação àquela dos
negócios tradicionais é fenômeno conhecido e facilmente perceptível. Hoje, a
maior empresa de transporte urbano de passageiros do mundo, Uber, não pos-
sui a frota própria de veículos; a maior empresa de mídia do mundo, Facebook
(Meta), não cria qualquer conteúdo; alguns dos maiores varejistas do mundo,
Alibaba e Amazon, não possuem lojas físicas e estoque ou obtém parcela sig-
nicativa de sua renda como marketplace, desconectada de qualquer estoque;
o maior provedor de acomodação do mundo, Airbnb, não possui imóveis em
seu patrimônio.1
* Doutor em direito pela Universidade de Paris (Panthéon-Assas), professor convidado de cursos de
graduação e pós-graduação (UERJ, FGV, PUC-Rio), diretor da Associação Brasileira de Direito Finan-
ceiro (ABDF), coordenador da comissão de tributação e nanças da Câmara de Comércio e Indústria
França-Brasil (CCIFB-RJ), advogado.
** LL.M. em Direito Tributário Internacional pela Levin College of Law – University of Florida), professor
de planejamento tributário, tributação internacional e comércio exterior no Ibmec-RJ e Ibmec-Online,
advogado.
1. Airbnb, Uber and the rest: the rise of the platform business. Disponível em: https://businesschief.eu/
technology/airbnb-uber-and-rest-rise-platform-business (último acesso em: 08 ago. 2022).
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HERMANO A. C. NOTAROBERTO BARBOSA E MATHEUS BERTHOLO PICONEZ
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Durante as últimas décadas, ou mesmo anos, houve uma grande mudança
nos negócios tradicionais, em que o componente físico e local era muito relevante.
No nal do século XX, apesar da grande internacionalização das sociedades e da
forte presença de multinacionais, a economia ainda podia ser caracterizada como
“real”. Nelas, as trocas físicas de mercadorias predominavam. Com o decorrer do
tempo, vericou-se um grande aumento no uxo de informações, a ponto de uma
parcela muito relevante da economia ter passado a se alicerçar em bens intangíveis
e conteúdo digital e imaterial.
Segundo Wolfgang Homann-Riem, em sua teoria geral do direito digital:
O termo ‘digitalização’ refere-se inicialmente apenas às tecnologias da informação especí-
cas que processam dados digitais e às infraestruturas (software e hardware) criadas para as
tecnologias digitais. No entanto, o termo também representa a mudança fundamental nas
condições de vida desencadeada pela sua utilização em todo o mundo. Permite a utilização
de sistemas ciberfísicos para novos processos de produção em rede e sua utilização em todo
o mundo. Permite a utilização de sistemas ciberfísicos para novos processos de produção em
rede e automatizados (por exemplo, na indústria 4.0), alterações na forma como as pessoas
vivem as suas vidas (por exemplo, na ‘casa inteligente’), a criação e utilização de redes sociais
(como o Google ou o Facebook e outros novos serviços de comunicação (por exemplo,
mensagens instantâneas), bem como novos sistemas de vigilância por empresas privadas e
agências governamentais.
Os processos de mudança e adaptação afetam fundamentalmente todas as partes da socie-
dade. A digitalização permite uma multiplicidade e variedade de novos modelos de negócio,
bem como a sua utilização para criar valor. Isso muda as oportunidades de relações de inu-
ência e poder. Referimo-nos à transformação digital que está transformando a economia, a
sociedade, a cultura e muito mais. Afetam indivíduos que atuam proativamente, mas tam-
bém estão envolvidos passivamente nessas mudanças (indivíduos, cientistas, funcionários),
empresas econômicas, associações e outras comunidades, bem como autoridades estatais
ou interestaduais.2
Com efeito, embora a expressão economia digital venha sendo utilizada
desde a década de 1990, ela não é objeto de denição unívoca, quanto mais jurí-
dica. A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”)
considera que “economia digital” é um termo geralmente utilizado para descrever
os mercados que se concentram em tecnologias digitais, que visam facilitar o co-
mércio de bens e serviços através do comércio eletrônico. Portanto, ela não pode
ser caracterizada como uma parte separada da economia dominante.3
2. HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Teoria geral do direito digital. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p.
1-2.
3. OECD, Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy – Action 1: 2015 Final Report, OECD/
G20 Base Erosion and Profit Shifting Project (OECD 2015). Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/addressing-the-tax-challenges-of-the-digital-economy-action-1-2015-nal-report-
-9789264241046-en.htm (último acesso em: 28 jul. 2022).
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Ainda assim, a economia digital pode ser caracterizada por um conjunto de
características que a distingue da tradicional, tais como:4
Mobilidade. A economia digital possibilita uma maior mobilidade, em
especial por conta da importância dos intangíveis. Os direitos associados
são facilmente transmitidos entre diferentes jurisdições, o que permite
uma redução de custos transacionais, maior competitividade com relação
a mercados locais e facilidade no intercâmbio de produtos;
Efeitos de rede. A massicação do acesso em rede permitiu a criação de
modelos de negócios multifacetados, em que grandes grupos de pessoas
interagem em plataformas, reduzindo custos marginais de produtos e
preços. Isso implica em aspectos positivos e negativos. De um lado, entre
tantos exemplos possíveis, plataformas digitais e integração dos sistemas
de pagamentos ampliaram e democratizaram os acessos a informação e
serviços nanceiros. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias potenciali-
zaram temas carentes de constante preocupação como vulnerabilidade
da privacidade e proteção de dados pessoais, uso abusivo de propaganda
digital, com ou sem divulgação, entre outros; e
Uso das informações. A informação como bem de valor é uma caracterís-
tica fundamental da economia digital. A grande capacidade de coleta, de
armazenamento e de tratamento de informações sobre clientes e hábitos
de consumo geraram o conceito de “big data” 5 que benecia tanto os
setores privado6 como público,7 mudando a forma como determinados
negócios geram valor.
Na tentativa de se analisar a intersecção entre direito e tecnologia, Arthur
Cockeld e Jason Pridmore propuseram uma teoria sintética para analisar situ-
ações em que as mudanças tecnológicas poderiam ameaçar interesses e valores
tutelados pelo direito. Na visão deles, para determinar se uma mudança tecno-
lógica prejudica os interesses tradicionais protegidos pelo direito, dever-se-ia:
4. Cf. European commission – Directorate-General Taxation and Customs Union – Expert Group on
Taxation of the Digital Economy. Working Paper: Digital Economy – Facts & Figures, p. 3-4. Dispo-
nível em: https://ec.europa.eu/taxation_customs/sites/taxation/les/resources/documents/taxation/
gen_info/good_governance_matters/digital/2014-03-13_fact_gures.pdf (último acesso em: 27 jul.
2022).
5. Ver CUKIER, Kenneth. MAYER-SCHONBERGER, Viktor. Big Data: A Revolution that Will Trans-
form How We Live, Work and ink, Boston/New York, Eamon Dolan/Houghton Miin Harcourt,
2013; MANYIKA, James. CHUI, Michael. BROWN, Brad. Big Data: e New Frontier for Innovation,
Competition and Productivity, Mc Kinsey Global Institute, 2011.
6. ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. São Paulo: Intrínseca, 2021, 800 p.
7. IFA, Cahiers de Droit Fiscal v. 106 A/B general report, subject 2 (big data), IFA, 2022. Uma das dimensões
do big data scal é examinada e criticada por um dos autores em Barbosa, Hermano A. C. Notaroberto.
Les échanges internationaux de renseignements scaux. Paris, L’Harmattan, 2021, p. 130 e 510-511.
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