A tributação da inteligência artificial entre novos impostos e incentivos adicionais

AutorAnna Carolina Pinho
Ocupação do AutorDoutoranda em Direito Internacional Econômico e Estudos Europeus e Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal. Pós-Graduada em Direito Administrativo e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Candido Mendes, Rio...
Páginas105-140
A TRIBUTAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
ENTRE NOVOS IMPOSTOS
E INCENTIVOS ADICIONAIS
Anna Carolina Pinho*1
Sumário: 1. Enquadrando a pergunta – 2. A delimitação do fenómeno das inteligências
articiais. Possíveis implicações legais – 3. Impacto da inteligência articial no mercado de
trabalho. Perspectivas para o uso de alavancagem scal e previdenciária – 4. As propostas
para a introdução de taxas de robôs e taxação na web5. O imposto do robô também à luz
das restrições constitucionais – 6. Perspectivas para o aprimoramento da inteligência articial
em função facilitadora.
1. ENQUADRANDO A PERGUNTA
As profundas mudanças que acompanham a história da humanidade pa-
recem depender em grande parte da força imparável do conhecimento e da
inovação. Seguindo algumas grandes descobertas como a roda, o ferro, o motor,
a eletricidade, o telefone, a televisão, a economia e as organizações sociais foram
profundamente repensadas, assim como as estruturas jurídicas e os instrumentos
de proteção dos direitos individuais.
De fato, as últimas décadas do século XX e o início do novo milênio parecem
ser caracterizados por uma modicação sem igual na história da humanidade;
o avanço da rede, das tecnologias digitais e da inteligência articial na vida coti-
diana, nos mercados nanceiro e virtual, nas instituições políticas e determinou
novas formas de gestão de dados individuais e coletivos (big data), de gestão de
processos e atividades econômicas. Os novos modelos de organização social,
além de ensejarem amplas transformações dos processos de produção de riqueza
(transição do industrialismo para o informacionalismo), determinaram uma
nova forma de pensar e perceber o mercado “real, não mais apreciado como
um lugar de troca física de direitos de propriedade de acordo com a interação de
forças espontâneas como oferta e demanda, mas um lugar aberto, sem fronteiras
* Doutoranda em Direito Internacional Econômico e Estudos Europeus e Mestre em Direito Internacional
pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal. Pós-Graduada em Direito Administrativo
e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Bacharel pela Faculdade
de Direito da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, Brasil.Advogada no Brasil e em Portugal.
annapinholaw@gmail.com.
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e sempre conectado no qual se pode aceder e trocar facilmente e livremente infor-
mações de qualquer tipo, bens compartilhados e direitos de fruição1 (a chamada
economia compartilhada2), dando origem a novas categorias jurídicas (bens
digitais) e novos interesses dignos de proteção (em primeiro lugar proteção de
dados e a chamada privacidade). Como destaca o economista Jeremy Riin em
seu livro “A revolução da nova economia,3 a rede progressivamente substitui os
mercados e os substitui por acessos, entendidos como a possibilidade de uso de
serviços, cultura, informação, relacionamento, riqueza: para conectar e passar
a existir e não ser excluído dela; ser de alguma forma atores dessa realidade que
substituiu o ativo intangível pelo imaterial, o uso momentâneo da compra, a
relação prestador-usuário do serviço com o tradicional comprador-vendedor.
Nesta perspectiva, o acesso aberto é contrastado com o acesso sob demanda ou
acesso limitado e reservado em que os contratos privados e as regras públicas
estabelecem condições, limites e formas de proteção.
Internet; contração do termo inglês redes interconectadas, entendida como
uma forma de armazenamento e gerenciamento de dados por meio de nuvens
virtuais através de um provedor e a inteligência articial, entendidos como um
conjunto de metodologias e técnicas para o projeto de sistemas de hardware e
sistemas de programas de soware capazes de fornecer ao computador desem-
penhos comparáveis aos da inteligência humana, que abrem cenários dignos
de serem investigados não apenas por meio de técnicas cognitivas de natureza
computacional, mas também através das lentes do direito, da economia e da
scalidade.
Ao mesmo tempo, a robótica4 e as inteligências artificiais determinam
profundas mudanças nos modelos de produção e prestação de serviços (com
1. Sobre a relação entre revolução digital, economia real e direito, ver GALLO. Il futuro non è un vicolo
cieco. Lo Stato tra globalizzazione, deentramento ed economia digitale, Palermo, 2029, 21.
2. Sobre as questões tributárias da economia compartilhada, cf. SCHIAVOLIN. La tassazione della sharing
econoimy attuata con piattaforme digitali. Riv. Guardia di nanza, 2029, 12600, segundo o qual esta
expressão signica “o conjunto de acordos entre consumidores com os quais um compartilha um de
seus bens para uso temporário pelo outro ou usa suas habilidades para prestar-lhe um serviço, como
alternativa ao recurso ao mercado com a intermediação de cadeias produtivas ou de distribuição. Sobre
a relação entre economia compartilhada e tributação, ver também BUCCICO. Modelli scali per la
sharing economy. In: Di SABATO, LEPORE. Sharing economy. Proli giuridici, Napoli, 1918; ALLENA.
e web fax and the taxation of the sharing economy. Challenges for Italy in European taxation, 2017, 7.
3. RIFCKIN, L’era dell’accesso. La rivoluzione della new economy, trad. it., Milano, 2001.
4. Ver, CARROZZA, I robot e noi, Bologna, 2017, 20, segundo o qual la quarta rivoluzione industriale
potrà agire in due direzioni: a) un impatto sul mondo manifatturiero perché la produzione di beni e
servizi grazie ai robot, all’intelligenza articiale, alle tecnologie di comunicazione, al cloud potrà essere
completamente riformata e modicata, b) la trasformazione della società perché avverrà l’ingresso
dei robot 4.0 in mezzo a noi. La prima tendenza avrà eetti dirompenti, perché la combinazione delle
potenzialità siche e meccaniche di un robot con un sistema cognitivo di intelligenza articiale, il re-
lativo sistema di controllo e l’esperienza percettiva condivisi sul cloud, possono superare alcuni limiti
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produção automatizada e interligada), no repensar da relação homem-máquina
e máquina-máquina (a chamada indústria 4.0),5 na organização do trabalho6 e
até mesmo na vida doméstica e no cotidiano.7 Internet, nuvem, tecnologias de
comunicação, inteligências articiais e robôs, mais do que meras ferramentas ou
formas de uso de ferramentas (como smartphones, tablets, computadores etc.),
expressam plenamente sua adequação para posar como situações geradoras de
manifestações de riqueza atribuíveis às categorias tradicionais (renda, consumo,
redução de custos etc.) e completamente novas (pense no valor do domínio da
informação, difícil de medir segundo parâmetros tradicionais, ou das facilidades
que a socialização da robótica implica). Através da robótica, das conexões ubíquas
e da disponibilidade de um número praticamente innito de identidades de TI
(especialmente com o novo protocolo IPv6), operadores econômicos e particu-
lares realizam atividades econômicas e sociais, fazem pessoas se comunicarem
digitalmente e, acima de tudo, obtêm renda e economias ao mesmo tempo que
os usuários oferecem e usam informações, experiências, documentação, conhe-
cimento e, de maneira mais geral, comunicam-se entre si, permitindo que os
indivíduos, bem como os senhores da rede, obtenham benefícios e utilidades ou
obtenham economia de custos.8
sostanziali dei robot per renderli veramente capaci di svolgere compiti sici – come la navigazione in
ambienti non strutturati e la manipolazione di oggetti – e in grado di eettuare al tempo stesso compiti
cognitivi, per esempio, il riconoscimento degli oggetti stessi, la loro selezione e la comprensione della
loro funzionalità, secondo le speciche funzionali di un determinato compito.
5. Sobre o assunto, URICCHIO, Antonio. La scalità dell’innovazione nel modello industria 4.0. Rass.
trib., 2017, 1041.1
6. HARRISON, JAUMANDREU, MAIRESSE, Does Innovation Stimulate Employment? A rmlevel
Analisys Using Comparable Micro-data from Four European Countries, International Journal of In-
dustrial Organization, 2014, 29. FREY, OSBORN E, e Future of Employment: How Susceptible are
Jobs to Computerisation. Working Paper Oxford Martin School, 2013. Sul tema, già qualche anno prima,
RIFKIN, La Fine del Lavoro, Il Declino della Forza Lavoro Globale e l’Avvento dell’Era Post-Mercato,
Milano, 1995.
7. O ter mo Indústria 4.0, cunhado em 2012 por um grupo de acadêmicos e gestores alemães, é hoje
comumente usado para designar as medidas dos governos europeus para apoiar os processos de trans-
formação econômica na transição para a quarta revolução industrial. Declinou de acordo com quatro
diretrizes principais: investimentos inovadores: infraestruturas capacitadoras; habilidades e pesquisa;
conscientização e governança, o plano foi adotado por muitos países europeus (França e Alemanha
em primeiro lugar). Mesmo nosso país, com plena consciência de repensar a relação homem-máquina
e máquina-máquina, introduziu, por meio de um plano nacional da indústria 4.0, incentivos scais
(deduções, créditos tributários, hiper e super depreciação) e medidas de apoio ao empreendimento
capital, a m de estimular os investimentos privados em pesquisa e inovação (segundo estimativas de
mais de 10 bilhões em gastos privados). BELTRAMETTI, GUARNACCI, INTINI, LAFORGIA, La
fabbrica connessa, La manifattura italiana attraverso industria 4.0., Milano, 2017, 28, segundo a qual
com a quarta revolução industrial todos os elementos que têm a ver com as operações de fabricação
(fornecedores, fábricas, distribuidores e os próprios produtos) estão digitalmente conectados entre si,
dando origem a uma cadeia de valor altamente integrada.
8. Basta pensar, por exemplo, nos empresários que, ao apresentarem seus produtos na web, podem atingir
um número maior de consumidores, obtendo, por um lado, maiores receitas e, por outro, economia
nos custos de publicidade, exibição das mercadorias em locais físicos, por conta de funcionários (es-
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