Sujeição passiva tributária na era da inteligência artificial

AutorEduardo Barboza Muniz
Ocupação do AutorMestrando em Direito Tributário na Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudo Tributários (IBET/RJ) e pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ). Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio de Janeiro (CEAT OAB/RJ). ...
Páginas75-104
SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA NA
ERA DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Eduardo Barboza Muniz*
Sumário: Introdução – 1. Inteligência articial; 1.1 Considerações iniciais; 1.2 A evolução da IA;
1.3 O que é a inteligência articial?; 1.4 Perspectivas atuais e futuras – 2. Direito e IA; 2.1 Sistema
jurídico e a Ciência da Computação; 2.2 Princípios da IA; 2.3 Direito brasileiro e a regulação da
IA; 2.4 Personalidade jurídica e IA – 3. Sujeição passiva tributária e IA; 3.1 Direito Tributário e IA;
3.2 Norma tributária e a regra matriz de incidência; 3.3 Capacidade tributária e sujeição passiva;
3.4 Capacidade tributária passiva eletrônica; 3.5 Exame crítico da proposição; 3.5.1 Questões
teóricas; 3.5.2 A falácia do ludismo?; 3.5.3 Complexidade jurídica e o ring fencing da economia
digital; 3.5.4 Regime jurídico dos impostos; 3.5.5 Teste da proporcionalidade – Considerações
nais – Referências.
INTRODUÇÃO
Em 1997, o Deep Blue, computador desenvolvido pela IBM, derrotou o
campeão mundial de xadrez Garry Kasparov.1 Em 2016, o AlphaGo, sistema de
inteligência articial apoiado pela Google, sagrou-se vitorioso em série de cinco
partidas de Go2 travadas contra uma lenda do jogo, o coreano Lee Sedol.3
Esses triunfos das máquinas sobre a humanidade foram eminentemente
simbólicos. Apesar disso, iluminaram a incrível evolução da Inteligência Articial
(IA) e do aprendizado de máquinas, tecnologias revolucionárias desenvolvidas a
partir da segunda metade do século XX.
Atualmente, os humanos interagem diariamente com sosticadas ferra-
mentas de IA. Basta constatar que a tecnologia é empregada para a organização
automática de imagens em celulares, geração de legendas para vídeos, operação
* Mestrando em Direito Tributário na Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Tribu-
tário pelo Instituto Brasileiro de Estudo Tributários (IBET/RJ) e pela Pontifícia Universidade Católica
(PUC/RJ). Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil,
seccional do Rio de Janeiro (CEAT OAB/RJ). Representante nacional da Young International Fiscal
Association. Membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário (IBDT). Sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada – Advogados.
1. LEE, Kai-fu. Inteligência articial: como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos,
nos comunicamos e vivemos. Trad. Marcelo Barbão. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019, p. 16.
2. Jogo de tabuleiro chinês.
3. LEE, Kai-fu. Op. cit., p. 16.
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EDUARDO BARBOZA MUNIZ
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de carros autônomos, tradução de idiomas, fabricação de bens, entre outras uti-
lidades, sem que haja interação humana imediata.4
O progresso tecnológico não emergiu desacompanhado de sérias preocupa-
ções. Além dos assustadores debates acerca do risco de desemprego em massa5 e
do aumento da desigualdade global,6 especialistas apontam para o surgimento de
problemas jurídicos de toda sorte que podem demandar intervenção regulatória.7
Na seara tributária, há receio de que a substituição de humanos por máquinas
em atividades econômicas diversas produza impactos na arrecadação dos Estados
Fiscais, especialmente em contexto no qual os sistemas tributários oneram mais
a renda derivada do trabalho do que a decorrente do capital.8
No presente artigo, examinar-se-á questão tributária especíca que provoca
debates na literatura especializada. Trata-se da possibilidade de atribuição de
personalidade jurídica a robôs e sistemas inteligentes com o consequente reco-
nhecimento da sua capacidade tributária passiva eletrônica (electronic ability
to pay). Essa proposta ganhou notoriedade acadêmica em artigo publicado por
Xavier Oberson9 e, desde então, tem sido discutida na comunidade cientíca.
Na primeira seção, a evolução da IA enquanto tecnologia e ciência será abor-
dada, de modo a descrever os seus conceitos básicos, as perspectivas atuais do
segmento e os riscos derivados da sua utilização. Em seguida, o estudo examinará
como o ordenamento jurídico brasileiro disciplina a inteligência articial, com a
determinação da sua natureza jurídica. Por m, será avaliado se o sistema pátrio
poderia validamente atribuir uma espécie de capacidade tributária passiva eletrônica
às máquinas, considerando, inclusive, as virtudes e problemas dessa proposição.
Em termos metodológicos, a pesquisa ora desenvolvida é de cunho docu-
mental, valendo-se do exame de acervo bibliográco, normativo e jurisprudencial.
Adotou-se como referencial metodológico o construtivismo lógico-semântico, de
modo a construir o objeto de estudo de forma progressiva, concatenada e lógica.10
4. Ibidem, p. 2.
5. How Robots Change the World. Oxford Economics. Disponível em: http://resources.oxfordeconomics.
com/how-robots-change-the-world?source=recent-releases. Acesso em: 14 fev. 2022.
6. LEE, Kai-fu. Op. cit., p. 33.
7. SCHERER, Matthew U. Regulating Articial Intelligence Systems: Risks, Challenges, Competencies, and
Strategies. Harvard Journal Of Law & Technology. n. 29, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2JeYW7Y.
Acesso em: 14 fev. 2022.
8. MAZUR, Orly. Taxing the Robots. Taxing Robots. Pepperdine Law Review, v. 46, 2019, p. 306. Disponível
em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3231660. Acesso em: 14 fev. 2022.
9. OBERSON, Xavier. Taxing Robots? From the emergence of an Electronic Ability to Pay to Tax on Robots
on the Use of Robots. World Tax Jornal. 2017, v. 9, n. 2. Disponível em: https://www.ibfd.org/sites/ibfd.
org/les/content/pdf/wtj_2017_02_int_3_SeptNewsletter.pdf. Acesso em: 14 fev. 2022.
10. CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o constructivismo lógico-semântico. In: CARVALHO, Paulo
de Barros; CARVALHO, Aurora Tomazini de (Coord.). Constructivismo lógico-semântico. 2. ed. São
Paulo: Noeses, 2020, p. 3-11.
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