Direitos Básicos do Consumidor e Considerações Sobre o Recall - Arts.6º - 10 do CDC

AutorFabio Schwartz
Ocupação do AutorDefensor Público no Rio de Janeiro; Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento; Doutorando em Direito pela Universidade Federal Fluminense
Páginas111-158
TÓPICO III
Direitos Básicos do Consumidor e Considerações
Sobre o Recall – Arts.6º – 10 do CDC
1. INTRODUÇÃO
Os direitos básicos do consumidor se encontram alinhados no
art. 6º do CDC, o qual funciona como verdadeiro índice do Códi-
go, posto que tais disposições são os fundamentos de todos os pre-
ceitos que se seguem.
O art. 6º configura verdadeiro esteio para o Código, erigido
como um alicerce, sobre o qual são encaixadas as demais disposi-
ções, instrumentalizando os objetivos previstos no art. 4º.
Por óbvio, existem outros direitos, além dos elencados no refe-
rido artigo, que poderão ser usados quando da defesa do consumi-
dor, conforme preceitua o art. 7º do mesmo diploma legal.
Assim é que diversas fontes de direito podem dialogar com a lei
consumerista (ver item 6.1 do tópico I), desde que tal técnica se
afigure necessária a uma proteção mais ampla e eficaz do consumi-
dor, seja complementarmente, seja subsidiariamente ou até mes-
mo através de aplicação conjunta com o CDC.
A seguir estudaremos os direitos básicos em espécie, tecendo
os comentários pertinentes a cada um, bem como trazendo a visão
da jurisprudência pátria acerca do tema.
2. DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR EM ESPÉCIE
2.1. Direito à vida, saúde e segurança do consumidor (art. 6º, in-
ciso I, do CDC)
A tríade – direito à vida, à saúde e à segurança – aliada aos de-
mais direitos sociais previstos na Constituição Federal constituem
111
o chamado piso vital mínimo, sem o qual não se pode falar em dig-
nidade da pessoa humana, preservada como fundamento da Repú-
blica Federativa do Brasil, conforme o art. 1º da Carta Magna.
O Código visa, em última análise, atender a tal cânone Consti-
tucional, na medida em que vivemos, sem sombra de dúvida, numa
sociedade de riscos. A produção altamente massificada, aliada ao
assombroso avanço da tecnologia, torna irrefutável a ideia de que
muitos produtos e serviços serão efetivamente perigosos e danosos
aos consumidores.
A própria exigência cada vez maior dos consumidores por novi-
dades e a competição voraz dos fornecedores, em nível internacio-
nal, tem feito com que o tempo de lançamento entre um modelo e
outro seja dramaticamente reduzido, o que encolhe, por conse-
quência, o tempo de estudo e pesquisas atinentes à funcionalidade
dos produtos.
Com isso, aumentam sensivelmente as possibilidades de pro-
dutos viciados no mercado, não sendo outros os motivos pelos
quais temos observado um número cada vez maior de recalls, ou
seja, de chamamento dos produtos de volta à linha de montagem
para correção de eventuais falhas.
Daí por que tais direitos, instituídos pelo inciso I do art. 6º, se
destacam como os mais importantes e mais básicos do CDC. Deles
decorre o dever de segurança e cuidado dos fornecedores para
com os consumidores, quando da colocação de seus produtos e ser-
viços no mercado de consumo. Assim é que o sistema atual impõe
aos fornecedores um dever de qualidade dos produtos e serviços
(ver item 2.5 do tópico II) e assegura a todos os consumidores um
direito de proteção (princípio da confiança, art. 4º, V, do CDC).
A despeito da problemática acima narrada, por óbvio que não
existe produto totalmente seguro. Alguns, inclusive, são inseguros
pela própria natureza, como uma faca, por exemplo. O direito,
portanto, só atua quando a insegurança ultrapassa o patamar da
normalidade e da previsibilidade do risco (em relação ao consumi-
dor).
Antônio Herman Benjamin,127 trabalhando o conceito de segu-
rança no direito do consumidor, através da observação do direito
112
127 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Manual (...), op. cit., p. 115.
francês, ensina que os produtos e serviços, quanto à sua segurança,
podem ser divididos em grupos os quais denominou de produtos e
serviços com: a) periculosidade inerente; b) periculosidade adqui-
rida; e c) periculosidade exagerada.
No quadro abaixo dissecamos os conceitos referidos:
Periculosidade inerente: alguns bens de consumo trazem um risco
intrínseco, porém, este risco é normal e previsível para o consumidor.
Não o surpreende, portanto. Exemplos de produtos com periculosida-
de inerente: faca, navalha, pesticida etc. Tais produtos não podem ser
considerados defeituosos, desde que haja a devida informação quanto
aos riscos que carreiam.
Periculosidade adquirida: os produtos tornam-se perigosos em
decorrência de um “defeito” que se manifesta em momento posterior
à sua colocação no mercado de consumo. O risco é imprevisível, logo é
impossível qualquer advertência prévia do fornecedor.
São três as modalidades de periculosidade adquirida: 1) defeitos
de fabricação (exemplo: veículo que sai de fábrica com fissuras nas
pastilhas de freio, que se parte depois de pouco tempo de uso); 2) de-
feitos e concepção ou projeto (exemplo: carrinho de bebê que oferece
risco de esmagamento do dedo da criança); e 3) defeito de comercia-
lização – informação, instrução e conservação – (exemplo: produto
alimentício que não informa que contém glúten em sua fórmula, ofe-
recendo risco às pessoas portadoras de doença celíaca).
Periculosidade exagerada: a periculosidade é inerente, só que a in-
formação adequada não produz mitigação dos riscos. O potencial de
risco é tão grande que eventuais informações prestadas não arrefecem
os riscos de acidentes. Por isso não podem ser comercializados. Tais
produtos são considerados defeituosos por ficção. Exemplo: brinque-
do que apresente grande possibilidade de sufocar uma criança. Nesse
caso, os riscos não compensam os benefícios.
Os produtos com periculosidade adquirida (e os de periculosi-
dade exagerada, quando indevidamente comercializados) são os
que carreiam o chamado vício de qualidade por inadequação, bem
como vício de qualidade por insegurança, dando ensejo à responsa-
bilização civil, seja pelo vício, seja pelo fato do produto ou serviço,
conforme estudaremos adiante em tópico próprio.
113

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT