Os direitos dos trabalhadores, dos trabalhadores migrantes e dos sindicatos, ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos

AutorPaulo Pinto de Albuquerque
CargoJurista, advogado português e Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa
Páginas263-279
REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 19 — N. 63
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Os direitos dos trabalhadores, dos
trabalhadores migrantes e dos
sindicatos, ao abrigo da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos(1)
Paulo Pinto de Albuquerque(*)
Resumo:
A Corte Europeia de Direitos Humanos (doravante, a “Corte”) tem contribuído imensa-
mente para a proteção dos direitos sociais em geral e dos direitos trabalhistas em particular.
Quero destacar quatro áreas especícas que demonstram a riqueza da jurisprudência nessa
área. Em primeiro lugar, tratarei questões individuais relacionadas aos direitos gerais dos
trabalhadores, cobrindo demissões injustas, direito à vida privada e familiar, liberdade
de religião e liberdade de expressão. A seguir, discutirei o fortalecimento dos direitos dos
trabalhadores migrantes por meio da Convenção. Em terceiro lugar, voltarei aos direitos
sindicais em relação à liberdade de associação. Por m, espelhando o cenário econômico
da década passada, utilizarei a jurisprudência para demonstrar de que forma medidas de
austeridade podem impactar os direitos humanos e como a Corte tem respondido a essa
questão crítica.
Os direitos sociais, em particular os direitos trabalhistas, têm sido beneciados ao serem
considerados na jurisprudência da Corte, porque tal jurisprudência deniu limites e cir-
cunscreveu a discricionariedade irrestrita do Estado ao lidar com esses direitos. No entanto,
uma tendência também é perceptível. Enquanto a proteção dos direitos e liberdades dos
trabalhadores se desenvolveu inicialmente, validada em certos casos históricos da Corte,
não consigo deixar de sentir uma tendência regressiva, que trata as leis trabalhistas de
forma hesitante, com a ampliação do escopo da margem de apreciação dos governos e,
essencialmente, com a limitação da ecácia da Corte ao considerar os direitos trabalhistas.
Essa tendência regressiva não deve ser vista como irreversível. Destacarei de que maneira
a consideração genuína dos princípios do so law permite que a Corte adote uma postura
progressista e favorável aos direitos trabalhistas e como ela pode continuar ajudando na
proteção dos direitos dos trabalhadores.
(1) Este texto corresponde ao discurso proferido por ocasião da outorga de meu Doutorado Honorário na Edge Hill Univer-
sity, em 6 de dezembro de 2019. Estes são os meus pontos de vista e não vinculam a Corte Europeia de Direitos Humanos.
(*) Jurista, advogado português e Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa. Juiz
do Tribunal Europeu de Direitos Humanos de 2011 a 2020. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Internacional e da
Academia Brasileira de Direitos Humanos.
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REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 19 — N. 63
Palavras-chave:
Corte Europeia de Direitos Humanos — Liberdade de associação — Liberdade de
expressão — Liberdade de pensamento, consciência e religião — Direitos humanos —
Trabalhadores migrantes — Restrições de recursos — Direito ao respeito pela vida privada
e familiar — Sindicatos — Trabalhadores.
Índice dos Temas:
I. Direitos dos trabalhadores
I.I. Direito de proteção dos trabalhadores contra suspensão e demissão do emprego
I.II. Direito dos trabalhadores à vida privada e familiar
I.III. Liberdade de religião dos trabalhadores
I.IV. Liberdade de expressão dos trabalhadores
II. Direitos dos trabalhadores migrantes
III. Direitos sindicais
IV. Medidas de austeridade e direitos dos trabalhadores
V. Conclusão: Tendências regressivas na jurisprudência da Corte e o caminho a seguir
I. Direitos dos trabalhadores
No centro da integração dos direitos traba-
lhistas à esfera da Convenção, está o princípio
da indivisibilidade dos direitos humanos, con-
forme reiterado pela Declaração de Viena em
1993.(2)Indivisibilidade exige uma “abordagem
integrada da interpretação”(3), com o objetivo
de “integrar certos direitos socioeconômicos
em documentos de direitos civis e políticos.(4)
(2) Ver Assembleia Geral das Nações Unidas, Declaração
e Programa de Ação de Viena, 12 de julho de 1993, A/
CONF.157/23, que diz: “Todos os direitos humanos são uni-
versais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.
(...) ”Da mesma forma, a Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia reconhece a fundação da União baseada
em “valores indivisíveis e universais da dignidade humana,
liberdade, igualdade e solidariedade; (...)”, ver União Euro-
peia, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
26 de outubro de 2012, 2012/C326/02.
(3) V Mantouvalou, ‘Labour Rights in the European Conven-
tion on Human Rights: An Intellectual Justication for an
Integrated Approach to Interpretation’ (2013) 13(3) HRLR 1.
(4) Mantouvalou, ‘Labour Rights in the European Conven-
tion on Human Rights: An Intellectual Justication for an
Integrated Approach to Interpretation’ (2013) 13(3) HRLR
1, e Franz Ebert e Martin Oelz, “Bridging the gap between
labour rights and human rights: the role of ILO law in re-
gional human rights courts”, ILO, DP/212/2012.
A leitura da Convenção, com seu foco principal
nos direitos civis e políticos como instrumento
capaz de abranger os direitos sociais, baseia-
-se no seu caráter evolutivo, que funciona
como “instrumento vivo(5)e garante direitos
“práticos e ecazes”, em oposição a “teóricos e
ilusórios”.(6)A doutrina do “instrumento vivo”
é sustentada por princípios interpretativos,
não apenas relacionados ao surgimento de
um consenso europeu(7), mas também pela
genuína consideração de instrumentos de so
law que sustentam a legitimidade do processo
decisório da Corte(8). O uso dos princípios
do so law é particularmente importante nos
casos em que a Corte se depara com a falta de
um consenso europeu. Além disso, a jurispru-
dência de Estrasburgo tem como característica
distinta impor obrigações positivas às Partes
Contratantes da Convenção, das quais pode
(5) Tyrer v Reino Unido (1978) 2 E.H.R.R. 1
(6) Airey v Irlanda (1979-80) 2 E.H.R.R. 305 em [24], 9 de
outubro de 1979.
(7) Glor v Suíça (App. n. 3444/04), sentença de 30 de abril
de 2009 em [75].
(8) Shtukaturov v Rússia (2012) 54 E.H.R.R. 27 em [95].
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