O discurso dos direitos humanos na perpetuação da indiferença e da subordinação do sujeito racializado

AutorTatiana de Almeida Freitas Rodrigues Cardoso Squeff - Gabriel Pedro Moreira Damasceno - Lara Santos Zangerolame Taroco
CargoDoutorando em Direito Público pela UNISINOS (2020) - Doutora em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS (2018), com período sanduíche junto à University of Ottawa
Páginas181-215
Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 1, p. 181-215, jan./abr. 2022.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i12302
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
O DISCURSO DOS DIREITOS HUMANOS NA PERPETUAÇÃO DA
INDIFERENÇA E DA SUBORDINAÇÃO DO SUJEITO RACIALIZADO
THE DISCOURSE OF HUMAN RIGHTS IN THE PERPETUATION OF THE
INDIFFERENCE AND SUBORDINATION OF THE RACIALIZED SUBJECT
Gabriel Pedro Moreira Damasceno
Doutorando em Direito Público pela UNISINOS (2020). Mestre em Direito
Internacional Contemporâneo pela UFMG (2019). Especialista em Direito
Internacional pelo CEDIN (2016). Bolsista do PROEX/CAPES. Atualmente é
professor de Direito Internacional e Direito Empresarial na UNIFIPMoc.
Professor do Curso de Direito da FUNORTE e da FUNAM. Coordenador do
Núcleo de Estudos Avançados em Direitos Humanos - NEADH/FUNAM. Co-
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa Direito Internacional Crítico
- DICRÍ/UFU. Membro do Núcleo de Direitos Humanos - NDH/UNISINOS.
Tatiana de Almeida Freitas Rodrigues Cardoso Squeff
Doutora em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul UFRGS (2018), com período sanduíche junto à University of
Ottawa. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNISINOS (2012), esta com bolsa CAPES e período sanduíche junto à
University of Toronto, com bolsa DFAIT. Especialista em Língua Inglesa
pela Unilasalle, em Direito Internacional pela UFRGS - PPGD e em
Relações Internacionais Contemporâneas pela UFRGS - PPGEEI. Membro
associada da ASADIP, ILA-Brasil e ABRI. É pesquisadora do NETI/USP.
Possui aperfeiçoamento em Direito Internacional Público (Hague Academy
- 2013, 2017 e 2019 - esta com bolsa da Academia) e Privado (Hague
Acadmey - 2021 - com fomento FAU), Direito Norte-Americano (Fordham
University), Direito Humanitário (Harvard University), instituições
econômicas internacionais (New York University) e Refugiados (York
University). Pesquisadora nas áreas de Direito Internacional Público e
Privado, Direitos Humanos, Sustentabilidade, Teoria Crítica e Consumo
Internacional.
RESUMO
A presente pesquisa objetiva compreender o papel do discurso
hegemônico dos direitos humanos na produção da diferença e da
subordinação entre os sujeitos na sociedade. A hipótese com a qual
se trabalha é de que a lógica hegemônica, de matriz liberal e
182
O DISCURSO DOS DIREITOS HUMANOS NA PERPETUAÇÃO DA INDIFERENÇA
Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 27, n. 1, p. 181-215, jan./abr., de 2022.
individualista, que se vale das diferenças para extrair uma
inferioridade, relativizando e graduando a humanidade, estabelece
hierarquias e classificações entre os sujeitos, as quais sustentam
rotineiras exclusões na sociedade moderna, especialmente aquelas
pautadas na raça. Assim, ancorados no pensamento descolonial,
especialmente nas contribuições de Quijano, Dussel e Mignolo,
almeja-se identificar como a citada lógica estabelece hierarquias e
classificações sociais, a partir de um discurso racional e racista, fruto
da diferença colonial. Ao final, conclui-se que esse discurso é
seletivo, não atribuindo a todos as mesmas características, logo,
desconsiderando a sua igualdade intrínseca, culminando não apenas
na construção de uma narrativa pautada em estereótipos, como
também na própria classificação dos sujeitos, cujo reflexo está na
sustentação e na própria crença por parte dos seres marginalizados
das narrativas sobre a sua suposta inferioridade e necessidade de
subordinação, as quais sustentam, ao fim e ao cabo, o racismo no
seio da modernidade. Para tais fins, metodologicamente, realiza-se
uma pesquisa bibliográfica, a qual seguirá o método dedutivo de
abordagem e o método analítico-descritivo de análise.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Discurso. Diferença.
Subordinação. Racismo.
ABSTRACT
This research seeks to understand the role of the hegemonic
discourse of human rights in the production of difference and
subordination between subjects in society. The hypothesis with
which we work is that the hegemonic logic, of liberal and individualist
matrix, which uses differences to extract inferiority, relativizing and
grading humanity, establishes hierarchies and classifications among
subjects, which sustain routine exclusions in modern society,
especially those based on race. Thus, anchored in decolonial
thinking, especially in the contributions of Quijano, Dussel and
Mignolo, the aim is to identify how the aforementioned logic
establishes hierarchies and social classifications, based on a rational
and racist discourse, the result of colonial difference. In the end, it is
concluded that this discourse is selective, not attributing to all the
same characteristics, therefore, disregarding their intrinsic equality,
culminating not only in the construction of a narrative based on
stereotypes, but also in the classification of the subjects, that reflects
in the support and in the very belief on the part of those marginalized
of the the narratives about their supposed inferiority and need for
subordination, which sustain, in the end, racism in modern times. For
such purposes, methodologically speaking, a bibliographical
research is carried out, following the deductive method of approach
and the analytical-descriptive method of analysis.
Key-words: Human Rights. Discourse. Difference. Subordination.
Racism.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O estruturalismo surgiu na contestação da possibilidade de domínio do sujeito
autônomo e autoconsciente sobre a verdade e o conhecimento, sugerindo-se a
substituição por uma concepção de sujeito como simples portador de estruturas e,
GABRIEL PEDRO MOREIRA DAMASCENO/ TATIANA DE ALMEIDA FREITAS
RODRIGUES CARDOSO SQUEFF
183
Revista de Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 27, n. 1, p. 181-215, jan./abr., de 2022.
deste modo, condicionado pelo contexto e pelo seu entorno. Assim, o estruturalismo
deu lugar à ruptura ainda mais radical com a filosofia da subjetividade provocada pelo
pós-estruturalismo.
O novo conjunto de pensadores rejeita as metanarrativas universalizantes da
filosofia moderna, realçando as suas oposições binárias como produtoras de
hierarquias, adotando uma concepção de sujeito dependente de seu sistema
linguístico, portanto, discursivamente construído e posicionado em seu contexto. O
sujeito não é uma abstração, ou seja, a compreensão do outro não pode ser uma
relação ontológica de atribuição de significado, porque o outro existe antes do eu o
significar. Trata-se de alguém concreto, que tem corpo, gênero, raça, lugar.
Nesses termos, o pensamento pós-estruturalista põe em xeque as filosofias
do sujeito que não consideram as condições externas de suas próprias
possibilidades, colocando em destaque o papel central da linguagem e do discurso
na construção da “verdade”, dos significados, do conhecimento; ademais,
denunciando os privilégios de determinados modos de pensar e a hierarquização de
categorias em detrimento de outras, onde ocorreu a prevalência da identidade sob a
diferença.
Neste sentido, um novo ângulo para compreender o sujeito e a diferença
surgiu a partir das teorias pós-coloniais, que emergiram nos anos 80 do século XX.
O pós-colonialismo entende que a dominação ocidental se tornou possível em virtude
do discurso colonial, que, ao representar o outro, identifica-o como sujeito
degenerado por meio de estratégias de inferiorização, subalternização e
desumanização. Nesse campo, o colonialismo deixa de ser entendido apenas como
processo de ocupação e controle político-econômico de territórios para assumir,
como prática hegemônica, a dimensão de um discurso sobre a representação do
outro.
Memmi (2007), em ‘O retrato de colonizado e o retrato do colonizador’, aborda
como o outro é representado como degenerado e habita a zona da não existência.
Por sua vez, Bhabha (1998, p. 111) apresenta como características do discurso
colonial: a estereotipação, a ambivalência e a mímica, as quais são manejadas, no
âmbito do discurso colonial com o objetivo de “apresentar o colonizado como uma
população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a
conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução”.
Nesse passo, considerando esses pressupostos teóricos, bem como a

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT