Distribuição do ônus da prova no direito processual do trabalho

AutorMaria Ivone Fortunato Laraia
Páginas196-204

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Maria Ivone Fortunato Laraia1

Introdução

A Lei n. 13.467 de 13 de julho de 2017, que altera a Consolidação da Leis do Trabalho – CLT, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho, traz, sem qualquer sombra de dúvida, profundas mudanças na legislação trabalhista. Conhecida como a Lei da Reforma Trabalhista, introduz e altera vários artigos da Consolidação das Leis do Trabalho tanto em relação ao Direito Material do Trabalho, quanto em relação ao Processo do Trabalho.

Causadora de grandes polêmicas, mencionada lei é considerada por muitos como geradora da precarização das condições de trabalho e responsável por restringir o acesso dos trabalhadores ao judiciário e por outros, em sentido contrário, é muito elogiada, sob o argumento de que será responsável pela criação de inúmeros postos de trabalho e pela pacificação social porque reduzirá consideravelmente as ações trabalhistas.

Dentre as alterações trazidas pela reforma, a nova redação dada ao art. 818 da CLT, atualiza a regra da distribuição do ônus da prova, quando traz expressamente a regulamentação da distribuição estática e dinâmica do ônus da prova e certamente trará impactos positivos no Processo do Trabalho.

Pretende-se, com este estudo, fazer uma análise do ônus da prova no direito processual trabalhista, diante da alteração legislativa que deu uma nova redação ao art. 818 da CLT, bem como verificar a sua aplicação nos Tribunais Trabalhistas.

Provas e ônus da prova

As provas são meios pelos quais se pretende a demons-tração da verdade dos fatos alegados no processo. Ensina Nelson Nery Junior2 que provas são:

Meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e verificação de um fato jurídico.

Será a partir da verdade alcançada através da prova produzida que o julgador formará a sua convicção e deferirá, ou não, os direitos pleiteados. Na visão de Osvaldo Alfredo Gozaini3:

Con esta tendência se concreta la idea de uma sola versión para la verdade. Carnelutti elimina el mito de la verdade formal, para centrarla em los hechos que con la prueba se determinan. No se refiere al tipo de circunstancias que deben probarse, ni a la apreciación que sobre ellas se há de realizar, porque estas cuestiones dependen del sistema legal imperante. Com esta regla, el objeto de la prueba persigue la seguridade de encontrar em los relatos y afirmaciones una verdade única que permita llegar a la sentencia componiendo la litis com justicia y razón.

O princípio do devido processo legal, baseado no enunciado “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV da CF/1988), acrescido do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV da CF/1988), do contraditório e da plena defesa (art. 5º, LV da CF/1988), além dos princípios da efetividade e da duração razoável do processo, constituem as garantias processuais necessárias para sua correta interpretação e solução. Segundo José Afonso da Silva4:

O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude

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de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em ‘processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais”, conforme autorizada lição de Frederico Marques.

No Processo do Trabalho, o fundamento legal das provas está previsto nos arts. 818 a 830 da CLT. Todavia, até a reforma trabalhista, a doutrina e a jurisprudência complementavam mencionados dispositivos, com fundamento nos arts. 769 da CLT e 372 do CPC, com as disposições previstas para o tema no Código de Processo Civil.

Nos termos do art. 369 do CPC, a prova pode ser produzida por todos os instrumentos previstos em lei, desde que moralmente legítimos e não sejam por ela vedados, assegurando o princípio da atipicidade da prova. Habitual-mente utilizamos como meio de prova, a prova documental, a confissão das partes, a prova testemunhal, perícias e inspeção judicial. Todavia, outros meios de prova podem ser criados para influir eficazmente na convicção do juiz, ainda que não especificado no CPC ou utilizado habitual-mente com essa finalidade.

O objeto da prova são os fatos que se funda o pedido ou a defesa, eis que o Juiz conhece o direito (juria novit curia), todavia algumas exceções são verificadas quando a alegação se funda em direito municipal, estadual, estrangeiro e consuetudinário, os quais devem ter o teor e a vigência provados pela parte, se assim determinar o Juiz (art. 375 do CPC). O mesmo ocorre em relação às Convenções Coletivas de Trabalho, aos Acordos Coletivos de Trabalho, às Convenções da OIT não ratificadas e aos regulamentos de empresa.

Fatos notórios, afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, admitidos, no processo, como incontroversos (confissão real) e em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade, não precisam ser provados.

Em regra, é vedada a produção de prova ilícitas no processo, conforme previsto no art. 5º, LVI da CF/1988. No Processo do Trabalho, onde verificamos o princípio da proteção e a dificuldade na produção de algumas provas, a regra da vedação da utilização de provas ilícitas foi abran-dada. A jurisprudência trabalhista, em algumas situações, quando se depara com a alegação de que a prova foi obtida de modo ilícito, se socorre do princípio da proporcionali-dade (art. 8º do CPC de 2015) ou do princípio da ponderação, segundo o qual, os interesses devem ser sopesados, a fim de que a decisão proferida seja a mais justa para o caso concreto. Em relação ao tema da proibição da prova ilícita, Nelson Nery Junior5 afirma que:

A jurisprudência de nossos tribunais tem enveredado corretamente para a tese intermediária, encontrando a medida ideal para a aplicação do princípio da proporcionalidade, quando proclama que, “não se cuidando de interceptação de conversa telefônica ou de outro meio ilegal ou moralmente ilícito, mas simplesmente de reprodução de conversa mantida pelas partes e gravada por uma delas, há de ser esta gravação admitida como prova em juízo, a teor do CPC/1973 383 (CPC 422), independendo a admissibilidade da referida prova do conhecimento de sua formação pela outra parte.

O ônus da prova é um encargo atribuído pela lei às partes envolvidas no processo, que gera consequências na obtenção da pretensão posta em juízo. Nelson Nery Junior6 define ônus de provar da seguinte forma:

A palavra vem do latim, onus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte.

Entendemos que o ônus da prova não é uma penali-dade, uma obrigação ou um dever, mas sim uma faculdade da parte em praticar determinado ato que, quando não praticado, gera como consequência, a preclusão. Quando um fato é alegado, é necessário prova-lo, razão pela qual, em regra, quem alega têm o ônus de provar suas alegações (art. 818 da CLT). Para cada fato alegado pela parte surge um ônus de prova-lo. Apesar da existência do ônus da prova, uma vez produzida, a prova pertence ao processo e poderá ser utilizada indistintamente, conforme esclarecido por Leonardo Tibo Barbosa Lima7:

O ônus da prova surge, portanto, a cada alegação feita pelas partes. Todavia, a sua incumbência pode alterar durante o processo, antes ou depois da produção de prova. Entretanto, o Juiz só deve decidir com base

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no ônus da prova quando não tiver sido produzida a prova sobre um fato, porque, caso a prova tenha sido produzida, ela será do processo e não da parte, pelo princípio da aquisição (art. 371 do CPC de 2015). Dessa forma, se o ônus de provar determinado fato for de

“A”, mas a prova for feita por “B”, o Juiz conhecerá da prova normalmente, sem qualquer empecilho.

Sendo assim, em um primeiro momento, o que se pretende é saber se o resultado da instrução processual foi completo ou não. Sendo completo o resultado, haverá o convencimento do juiz, e pouco importa saber quem produziu a prova ou de quem era o ônus probatório. Todavia, sendo incompleto o resultado da prova na instrução processual, pela ausência de provas, nasce o problema de saber quem tinha o ônus de produzi-la e não o fez. O ônus da prova, quando não houver provas no processo, será analisado pelo juiz que julgará de forma contrária àquele que detinha o ônus, todavia, dele não se desincumbiu.

Ônus da prova no direito processual civil

O art. 373 do Código de Processo Civil Brasileiro de 2015, que prevê a distribuição do ônus da prova, tem parentesco com os arts. 2.697 e 2.698 do Código Civil italiano. Nos termos do art. 2.697 e 2.698 do Código Civil italiano “Chi vuol far valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento. Chi...

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