Honorários advocatícios: impedimento de acesso à justiça ou avanço social?

AutorIratelma Cristiane Martins Mendes
Páginas188-195

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Iratelma Cristiane Martins Mendes1

Introdução

Atualmente estamos experimentando uma significativa alteração nas relações processuais do trabalho.

A nova ordem com assento na Lei n. 13.467/2017, em nosso sentir, promoveu a ruptura de paradigmas causando um impacto social de tamanha grandeza, que conduz os estudiosos e operados do Direito do Trabalho, à profunda reflexão.

Nessa matiz é que vamos abordar o instituto dos honorários de sucumbência introduzido no art. 791, A, da CLT: impedimento de acesso à Justiça ou avanço social?

Levaremos em consideração o perfil da Justiça do Trabalho, inserida no Poder Judiciário na Constituição Federal de 1946, a qual destina-se a elevar e equalizar os direitos sociais individuais e coletivos do trabalhador. Portanto, seu viés é de Justiça Social!

Notadamente, nossa Justiça do Trabalho desenvolve um papel no âmbito processual diferenciado do processo comum, como é sabido, o processo do trabalho é das partes, face o regrativo inserto no art. 791, da CLTJus Postulandi – enquanto o processo comum é destinado aos advogados, como regra.

Todavia, essa característica peculiar do processo do trabalho não afasta a indispensabilidade de atuação do advogado na defesa dos interesses das partes, ao contrário, é de absoluta necessidade de sua atuação; dada as especificidades do processo do trabalho que mesmo sendo pautado no princípio da simplicidade dos atos e oralidade, rege-se por normas revestidas de tecnicidade.

Nesse diapasão, vamos nos valer do novel instituto – honorários advocatícios – e seu impacto no âmbito social e processual do trabalho.

Do direito fundamental do homem – acesso à justiça ou inafastabilidade do controle jurisdicional

Iniciamos esse debate apresentando um questionamento de Bobbio2:

É preciso desconfiar de quem defende uma concepção antiindividualista da sociedade. Através do antiindividualismo, passaram mais ou menos todas as doutrinas reacionárias. Burke dizia: “Os indivíduos desparecem como sombras; só a comunidade é fixa e estável”. De Maistre dizia: “Submeter o governo à discussão individual significa destruí-lo”. Lammenais dizia: “O individualismo, destruindo a ideia de obediência e de dever, destrói o poder e a lei”. Não seria muito difícil encontrar citações análoga na esquerda antidemocrática. Ao contrário, não existe nenhuma Constituição democrática, a começar pela Constituição republicana da Itália, que não pressuponha a existência de indivíduos singulares que tem direitos enquanto tais. E como seria possível dizer que eles são “invioláveis” se não houvesse o pressuposto de que, axiologicamente, o indivíduo é superior à sociedade de que faz parte?

Em reflexão ao questionamento de Norberto Bobbio, atraindo uma visão ampliada do homem em sociedade, não há possibilidades de não individualizar a pessoa humana no cerne social, eis que, sujeito de direito.

Nesse contexto, é que os direitos individuais e sociais foram paulatinamente sendo inserido no bojo das Constituições Democráticas, como direito fundamental do homem. Não podemos nos furtar de fazer uma breve análise dos direitos humanos e inserir a questão de acessibilidade ao Poder Judiciário, como fonte primeira de um Estado Democrático de Direito.

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Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Interamericana de Direito Humanos, ao fazer a apresentação da obra de Flávia Piovesan3, estudo aprofundado dos direitos humanos e constitucional internacional, cita que:

[...] ao final de cinco décadas de extraordinária evolução, o direito internacional dos direitos humanos afirma-se hoje, com inegável vigor, como um ramo autônomo do direito, dotado de especificidade própria.

Trata-se essencialmente de um direito de proteção, marcado por uma lógica própria, e voltado à salvaguarda dos direitos dos seres humanos e não dos Estados.”

No mesmo sentido, Márcia Brandão Zollinger:

[...]na perspectiva funcional, o tipo de Estado de Direito (se liberal ou social) é determinada pelo alcance e significado que a respectiva Carta Constitucional confira aos direitos fundamentais, enquanto o conteúdo dos direitos fundamentais é condicionado pelo tipo de Estado de Direito que os formulam.

No Brasil, a Constituição de 1988, considerada “constituição cidadã”, elenca garantias mínimas individuais e coletivas do indivíduo; sendo um Estado Democrático de Direito, conforme se extrai do art. 1º.

O foco desse estudo, correlato ao tema proposto, é o direito fundamental do acesso à Justiça ou a Inafastabilidade do Controle Jurisdicional previsto no art. 5º, XXXV, da CRFB/88, in verbis: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Emerge da intervenção do Estado na solução de conflitos, afastando a autotutela ou a realização de “justiça”com as próprias mãos.

Nelson Nery Junior4, preleciona:

Embora o destinatário principal esta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão...isto quer dizer que todos tem aces-so à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito...estando contemplados não só os direitos individuais, como também os difusos e coletivos.

Mauro Schiavi5 ao tratar do tema, atesta:

O acesso à justiça não deve ser entendido e inter-pretado apenas como o direito a ter uma demanda apreciada por um juiz imparcial, mas sim como acesso à ordem jurídica justa, composto por princípios e regras justas e razoável que possibilitem ao cidadão, tanto no polo ativo, como no passivo de uma demanda, ter aces-so a um conjunto de regras processuais que sejam aptas a possibilitar o ingresso da demanda em juízo, bem como a possibilidade de influir na convicção do juízo de recorrer da decisão, bem como de materializar, em prazo razoável, o direito concedido na sentença.

Notadamente, a Lei n. 13.467/2017, em vários aspectos afronta os preceitos fundamentais do homem. E nessa ótica partimos da premissa de que aos operadores do direito compete analisar as novas regras à luz da Constituição Federal.

Nos valemos das lições de Souto Maior6, preleciona:

O movimento de acesso à justiça apresenta-se sob dois prismas: o primeiro ressalta a necessidade de se repensar o próprio direito; o segundo preocupa-se com as reformas que precisam ser introduzidas no ordenamento jurídico, para a satisfação do novo direito, pois pouco ou quase nada vale uma bela declaração de direitos sem remédios e mecanismos específicos que lhe deem efetividade.

Tércio Sampaio7, expande sua reflexão nos direitos humanos positivados, e nos traz:

“Positivação” e “decisão”são termos correlatos. “Decisão” é tomada aqui em um sentido lato, que ultrapassa os limites da decisão legislativa, abarcando também, entre outras, a decisão judiciária, na medida em que esta pode ter também uma qualidade positivante, quando, p. ex., decide sobre regras costumeiras. Toda decisão implica, além disso, motivos decisórios, premissas de valor que se referem a condições sociais e nelas se realizam. O que caracteriza o direito positivado é, nesse sentido, o fato de que essas premissas da decisão jurídica só podem ser pressupostos como direito válido quando se decide sobre elas. Daí, se entender por “positivação”do direito o fenômeno segundo o qual “todas as valorações, normas e expectativa de comportamento na sociedade tem de ser filtradas através de processos decisórios antes de poder adquirir a validez jurídica” Toda norma implica, nesses termos, a sua posição no sentido de uma “interferência decisória do Poder.

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Nos filiando a essa análise de positivação dos direitos do homem, sua elevação dentro do sistema jurídico e político do país, podemos afirmar que estamos vivenciando um momento de larga ruptura na história do direito do trabalho no Brasil. É certo que a legislação deve amoldar-se à evolução do homem e alterações sociais, o que é denominado fonte material do direito. Todavia, a mudança sistêmica processual deve atender e observar garantias mínimas insertas no rol dos direitos fundamentais, o que não foi observado detidamente pelo legislador infraconstitucional quando da elaboração e promulgação da Lei n. 13.467/2017.

Dos honorários advocatícios no processo do trabalho – justiça gratuita – decaimento mínimo da pretensão – análise com processo comum

O acesso à justiça, conforme já discorrido no item anterior, é consagrado como patamar mínimo civilizatório (palavras de Mauricio Godinho Delgado), com assento no art. 5º da CRFB/88, XXXV e também referendado no art. 3º do CPC, assim redigido: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

Em comentários ao art. 3º, do CPC, Marinoni8 os traz:

Direito à tutela adequada e efetiva. Ao proibir a justiça de mão própria e afirmar que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF), nossa Constituição afirma a existência de direito à tutela jurisdicional adequada e efetiva. Ao reproduzir semelhante dispositivo, o art. 3º, caput, funciona como uma cláusula de destaque desse compromisso do novo Código. Obviamente, a proibição da autotutela só pode acarretar o dever do Estado Constitucional de prestar tutela jurisdicional idônea aos direitos. Pensar de forma diversa significa esvaziar não só o direito à tutela jurisdicional (plano do direito processual), mas também o próprio direito material, isto é, o direito à tutela do direito (plano do direito material). É por essa razão que o direito à tutela jurisdicional...

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