A litigância de má-fé na justiça do trabalho após a reforma trabalhista

AutorLeonel Maschietto
Páginas205-214

Page 205

Leonel Maschietto1

Introdução

A previsão expressa do instituto da litigância de má-fé na CLT é aspiração antiga da comunidade juslaboralista, donde, inclusive já tivemos oportunidade de nos manifestarmos de forma mais aprofundada sobre essa questão2.

O anseio é por demais justificado.

O judiciário trabalhista há tempos vem sendo criticado, principalmente pela morosidade de sua prestação jurisdicional, que é plenamente justificada ante a complexidade da sua natureza.

O elevado número de atos processuais, um dos principais causadores da morosidade judiciária, são garantias efetivamente legais, contra os quais nada se pode fazer, já que são atos de caráter meramente subjetivo de cada parte.

É que os mais amplos meios de prova, a pluralidade do grau de jurisdição entre outros fundamentos do direito processual, podem tornar o processo mais moroso, contudo, exclamam e requerem a prudência, vigilância e atenção dos juízes para conterem os eventuais abusos dessas conquistas.

Esses abusos são traduzidos pelos atos de litigância de má-fé e pela ausência de lealdade processual entre as partes e, por vezes, por seus procuradores.

Assim, a recente inserção trazida pela Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista) objetiva maior rigidez dos magistrados trabalhistas na repressão aos atos de má-fé das partes e também forçará o melhor preparo e aperfeiçoamento técnico de parcela considerável dos operadores do direito, evitando-se assim a já reconhecida disseminação dos atos especulatórios e de má-fé e, por conseguinte, a efetiva ponderação na quantidade de processos distribuídos perante a Justiça do Trabalho.

Como informou em seu parecer o Deputado Rogério Marinho3, relator do Projeto de Lei da Reforma Trabalhista, foram incorporadas “normas que desestimulam a litigância de má-fé”.

E ainda, segundo ele, “a ideia contida nesses dispositivos é a de impedir as ações temerárias, ou seja, aquelas reclamações ajuizadas ainda que sem fundamentação fática e legal, baseada apenas no fato de que não há ônus para as partes e para os advogados, contribuindo, ainda, para o congestionamento da Justiça do Trabalho”.

Conceito de boa-fé processual

A boa-fé é também um princípio norteador do direito processual do trabalho, embora alguns entendam ser princípio apenas do direito material, posição esta que não comungamos, já que o processo é o que dá amparo ao direito material, e para tal não prescinde dos mesmos princípios do direito do trabalho4.

Nas palavras de Alfredo J. Ruprecht5 os princípios do Direito do Trabalho são normas que inspiram a disciplina, tendo como objeto fazer que sejam concretamente aplicados os fins do Direito do Trabalho.

E estes fins ao nosso ver, tanto podem residir no campo do direito material, quanto no processual.

Conceituar boa-fé não se faz tarefa fácil, principal-mente por se tratar de questão do ramo metafísico cuja existência varia de acordo com os juízos de valor de cada comunidade jurídica.

Page 206

Na definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira6, a boa-fé nada mais é do que a certeza de agir com amparo da lei, ou sem ofensa a ela, com ausência de intenção. É a ausência de intenção dolosa. É sinceridade, lisura.

Primeiramente se faz necessário apontar as duas vertentes da boa-fé: a subjetiva e a objetiva.

boa-fé subjetiva, envolve conteúdo psicológico, confundindo-se com o instituto da lealdade e fundamentada na própria consciência do indivíduo, que teria sua íntima e particular convicção, certa ou errada, acerca do Direito;

boa-fé objetiva, instituto que engloba toda gama de valores morais da sociedade, adicionados à objetividade da atenta avaliação e estudo das relações sociais.

Vicente Greco Filho7 sustenta que o Código partiu da ideia de que as partes em conflito, além do interesse material da declaração de seus direitos, exercem também importante função de colaboração com a justiça no sentido da reta aplicação da ordem jurídica. Todos devem colaborar com a administração da justiça, fazendo valer suas razões, mas sem o emprego de subterfúgios ou atitudes antiéticas.

Américo Plá Rodriguez8 nomeia boa-fé como “boa-fé-lealdade”, e a define como sendo a conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu dever. Pressupõe uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico, porquanto contém implícita a plena consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos.

Para De Plácido e Silva9, sempre se teve boa-fé no sentido de expressar a intenção pura, isenta de dolo ou engano, com que a pessoa realiza o negócio ou executa o ato, certa de que está agindo na conformidade do direito, consequentemente, protegida pelos preceitos legais. Dessa forma, quem age de boa-fé está capacitado de que o ato de que é agente ou do qual participa, está sendo dentro do justo e do legal.

Rui Stoco10 define a boa-fé fazendo uma divisão contendo dois sentidos. O primeiro ele define como “a boa-fé-lealdade”, traduzindo-se pela honestidade, a lealdade e a probidade com a qual a pessoa condiciona o seu comportamento. O segundo sentido, citando Gorphe, é definido como “a boa-fé-crença”, que se apresenta como a convicção na pessoa de que se comporta conforme o direito.

Numa definição bem mais completa, Maria Helena Diniz11 assim ensina:

“BOA-FÉ: 1.

  1. estado de espírito em que uma pessoa, ao praticar ato comissivo ou omissivo, está convicta de que age de conformidade com a lei;

  2. convicção errônea da existência de um direito ou da validade de um ato ou negócio jurídico. Trata-se da ignorância desculpável de um vício do negócio ou da nulidade de um ato, o que vem atenuar o rigor da lei, acomodando-a à situação e fazendo com que se deem soluções diferentes conforme a pessoa esteja ou aja de boa-fé, considerando a boa-fé do sujeito, acres-cida de outros elementos, como produtora de efeitos jurídicos na seara das obrigações, das coisas, no direito de família a até mesmo no direito das sucessões;

  3. lealdade ou honestidade no comportamento, considerando-se os interesses alheios, e na celebração e execução dos negócios jurídicos;

  4. propósito de não prejudicar direitos alheios”.

Entendemos que o conceito jurídico da boa-fé de fato é sensitivo e deve expressar a forma como uma sociedade baliza seu senso comum de justiça, lealdade, honestidade, sinceridade, valorização da honra e acima de tudo respeito ao semelhante, seja na vida cotidiana, seja nas relações jurídicas.

Norberto Bobbio12 em brilhante lição, assevera que a nossa vida se desenvolve em um mundo de normas. Acre-ditamos ser livres, mas na realidade, estamos envoltos em uma rede muito espessa de regras de conduta que, desde o nascimento até a morte, dirigem nesta ou naquela direção as nossas ações. A maior parte destas regras já se tornaram tão habituais que não nos apercebemos mais da sua presença. Porém, se observarmos um pouco, de fora, o desenvolvimento da vida de um homem através da atividade educadora exercida pelos seus pais, pelos seus professores e assim por diante, nos daremos conta que ele se desenvolve guiado por regras de conduta.

A litigância de má-fé no direito brasileiro antes da reforma trabalhista

O atual Código de Processo Civil (aprovado pela Lei Federal n. 13.105 de 16 de março de 2015) não foi o primeiro instrumento legal a reprimir os atos desleais e a litigância de má-fé.

Page 207

Dispensaremos maiores pormenores sobre a evolução histórica legal e trataremos diretamente da atual legislação processual repressora da litigância de má-fé e dos atos desleais.

Convém apenas salientar o preceituado por Valentino Aparecido de Andrade13, no sentido de que as modificações e alterações ocorridas já lá no Código de Processo Civil de 1973 fez o instituto da litigância de má-fé experimentar um importante aperfeiçoamento em sua estrutura legal, com o objetivo de dotá-la de mecanismos que exercem um controle ético-jurídico dos atos praticados no processo e buscar assegurar uma maior efetividade à prestação jurisdicional, como revela, por exemplo, a Lei Federal n. 10.358/2001.

Esse néctar dessa boa experiência também deverá ser degustado pela recente previsão legal do instituto da litigância de má-fé agora na CLT, pois ainda que o CPC já trata da matéria e sua aplicação deveria ser subsidiária na Justiça do Trabalho, a questão é que não era unânime o entendimento de que referidos dispositivos legais eram de aplicação pacífica e imediata.

Conforme bem salientam Vólia Bomfim Cassar e Leonardo Dias Borges14 o TST-Tribunal Superior do Trabalho vinha acolhendo a tese da compatibilidade da litigância de má-fé ao processo do trabalho ou da penalidade pelo dano processual. Apesar disso, a aplicação da punição era tímida, em face da vulnerabilidade do trabalhador e do ius postulandi, até então cabível no processo do trabalho.

Homero Batista Mateus da Silva15 pontua que houve resistências iniciais à aplicação do conceito de litigância de má-fé ao processo do trabalho, dado o silêncio da CLT e o caráter excepcional das normas regentes dessa matéria, com caráter restritivo de direitos e que, como todo processo de aplicação subsidiária, a transposição do CPC ao processo do trabalho foi moderada e raramente aplicada ao trabalhador.

Bem, o atual Código de Processo Civil dedicou o Capítulo II a tratar “dos deveres das partes e de seus procuradores”.

A Seção I (arts. 77 e 78) cuida dos deveres das partes, a Seção II (arts. 79, 80 e 81) da definição de litigante de má-fé e da responsabilidade das partes por dano processual e na Seção III das despesas, dos honorários advocatícios e das multas, mais especificamente o art. 96 que prevê que o valor das sanções impostas ao litigante de má-fé reverterá em benefício da parte contrária.

Começamos pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT