Do processo normativo

AutorMariam Daychoum - Rafael Véras
Páginas21-37

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Apresentamos neste texto a exposição de motivos referente ao capítulo II do anteprojeto de lei que estabelece normas de processo administrativo para as Agências reguladoras federais, a qual está estruturada em duas partes. Na primeira, serão apresentados os seguintes itens: (i) as razões pelas quais se justifica a disciplina uniforme da Análise do Impacto Regulatório - AIR no Brasil; (ii) as experiências de AIR dos Estados Unidos da América e do Reino Unido na utilização desse instrumento, considerando a sua relevância e pioneirismo; e (iii) os principais métodos de AIR apontados pela doutrina (Análise de Custo-Benefício, Análise de Custo-Efetividade e Análises Parciais). Na segunda parte, serão apresentados os fundamentos para que as agências reguladoras federais incorporem um sistema de "Gestão de Riscos", instrumento necessário à avaliação das propostas normativas de regulação e da Revisão do Estoque Regulatório vigente. Para esse fim, serão indicados os parâmetros sugeridos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE.

A situação da qualidade regulatória do país é preocupante. A burocracia empurrou o Brasil para o 179° lugar num raking global de 183 países1. Segundo dados veiculados

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pelo IMD World Competitive YearBook do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior nível de burocracia do mundo, como demonstra o gráfico abaixo:

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Essa burocratização colabora para o incremento do denominado "Custo Regulatório", assim considerado o custo internalizado pelas sociedades para fazer frente ao excesso de normas e procedimentos disciplinados pelo Poder Público. Esse custo tem origem, em especial, na profusão de normas regulatórias que: (i) criam barreiras à entrada de agentes econômicos em diversos setores da economia; (ii) diversificam e burocratizam os títulos habilitantes necessários à exploração de atividades econômicas; e (iii) instituem a sobreposição de agentes fiscalizadores sobre atividades privadas. Daí a importância de se positivarem parâmetros objetivos para que os reguladores avaliem ex ante a própria necessidade (ou desnecessidade) e os custos da edição/alteração de atos regulatórios.

Para tanto, apresenta-se um anteprojeto de lei que versa, dentre outros temas, sobre os procedimentos administrativos das agências reguladoras federais, do instrumento da "Análise do Impacto Regulatório", com vistas a subsidiar a ação do regulador, conferindo-lhe possibilidade de maiores informações sobre a necessidade e qualidade de eventual regulação proposta.

A Análise de Impacto Regulatório (AIR), segundo SALGADO e HOLPERIN, "se constitui como um procedimento de racionalização dos processos decisórios, por meio do qual se informa os tomadores de decisão quanto à melhor maneira de se

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regular - e até mesmo se regular é a opção adequada -, de modo a atender aos objetivos estabelecidos nas políticas públicas"2.

Trata-se de procedimento de avaliação da qualidade de propostas regulatórias, no qual são apresentados, ex ante e mediante a utilização de dados empíricos, os problemas a serem enfrentados pela futura regulação; as opções disponíveis à adoção de determinada medida regulatória; e as consequências da regulação3-4. Não se trata de instrumento que visa a substituir a decisão do regulador, mas de um procedimento que tem por objetivo informar a ação decisória dos reguladores5. Nessa qualidade, tal instrumento pode produzir os seguintes efeitos positivos: (i) redução do número de exigências regulatórias repetidas; (ii) previsibilidade quanto a futuras regulações; e (iii) avaliação mais informada da necessidade da própria intervenção regulatória6; daí poder-se afirmar que a AIR confere racionalidade ao processo de tomada de decisão do regulador7

Com esse propósito, são analisados os custos e benefícios do exercício da regulação, por meio do preenchimento de um relatório analítico - na forma de uma lista de verificação

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(checklist) -, que visa a orientar o exercício da regulação8. E foi com base em tais parâmetros que se buscou estabelecer, no anteprojeto de lei, o conteúdo mínimo das AIRs a serem operacionalizadas pelas Agências Reguladoras Brasileiras.

Ressalta-se que esse instituto vem sendo adotado, com relativo sucesso, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido. Nos Estados Unidos, por exemplo, a utilização da AIR é centralizada na Chefia do Poder Executivo. O procedimento de avaliação da qualidade da regulação expedida pelas agências federais é realizado em duas etapas9: primeiramente é realizada uma AIR no âmbito da própria agência reguladora setorial e, posteriormente, em consonância com o disposto na Executive

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Order nº 12.86610ocorre a supervisão desta AIR pelo Office of Information and Regulatory Affairs (OIRA)11.

O segundo aspecto característico da AIR nos EUA está relacionado à existência de um sistema dual de avaliação regulatória, composto pelas seguintes fases: a primeira se caracteriza por uma Avaliação Preliminar, por meio da qual se identificam quais atos das agências reguladoras, dada a sua repercussão econômica - neste particular, de pelo menos US$ 100 milhões por ano -, serão submetidos à AIR. Trata-se de uma espécie de "filtro". A segunda se caracteriza por uma Avaliação Completa, a qual só será realizada nas regulações que produzam impactos econômicos relevantes, adotando-se o método de Análise de Custo-Benefício - ACB.

No Reino Unido, o procedimento de AIR é realizado à semelhança do desenvolvido nos EUA. Num primeiro momento, a AIR é realizada pela agência setorial, sendo, posteriormente, encaminhada à supervisão do Better Regulation Executive (BRE). O BRE tem as seguintes funções: (i) emitir diretrizes para conduzir as avaliações de impacto; (ii) revisar as avaliações de impacto realizadas pelas agências; e (iii) emitir um relatório anual ao Parlamento sobre a AIR desenvolvida pelas agências12.

Quanto às etapas deste procedimento, o Reino Unido, assim como os EUA, adota um regime dual de avaliação regulatória. Na primeira fase, são selecionadas as propostas que serão submetidas à AIR, considerando-se: (i) o incremento de custos desta regulação para os negócios; (ii) se os custos suportados pelo setor público superam 5 milhões de euros; e

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(iii) se a regulação propiciará uma redistribuição de recursos13.

Na segunda fase, é realizada a AIR das normas selecionadas.

A doutrina costuma apontar a existência de três métodos para implementação da AIR, quais sejam: Análise de Custo-Benefício, Análise de Custo-Efetividade e Análises Parciais.

A Análise de Custo-Benefício (ACB) é o método por meio do qual "o regulador deve levar em consideração todos os custos e os benefícios envolvidos na regulação por ele proposta, inclusive aqueles que não podem ser aferidos economicamente"14.

Por meio deste método, são avaliados os custos, diretos e indiretos, das propostas de regulação, tais como os custos de execução e de monitoramento de determinada regulação, além da aferição do fluxo de efeitos futuros trazidos para o valor presente de determinada proposta regulatória. Destarte, caso esses custos e benefícios sejam monetizáveis, o nível adequado de regulação será aquele em que o benefício gerado será superior ao custo de determinada regulação, gerando um benefício líquido.

O método da Análise de Custo-Efetividade (ACE), por sua vez, "consiste em uma ferramenta que compara políticas, programas e projetos, a fim de identificar o mais adequado para alcançar um resultado pré-definido pelo menor custo"15. Isto é, tal método "não se aplica para determinar quais metas devem ser atingidas, mas, uma vez determinadas, compara quais meios são menos custosos para atingi-las"16. Ao contrário da ACB, na qual se discute, inclusive, quais os objetivos a serem atingidos, na ACE, já existe uma decisão prévia, legislativa ou administrativa,

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fixando um objetivo, restando a análise do melhor meio para atingi-lo. Em termos objetivos: enquanto a ACB ajuda a decidir "o que fazer", a ACE ajuda a resolver "como fazer"17.

Quanto à amplitude, a AIR pode ser global ou parcial. A primeira modalidade (global) está relacionada à mensuração de todos os impactos macroeconômicos e multissetoriais da regulação; a segunda (parcial) analisa os impactos da regulação para determinado setor da economia ou da sociedade18. A justificativa da realização de análises parciais está no fato de que a regulação pode acarretar impactos desproporcionais em alguns grupos específicos da economia, o que pode justificar um procedimento de AIR segmentado19. Em alguns casos, a AIR parcial tem sido adotada como uma ferramenta adicional a uma AIR mais ampla, principalmente nos casos em que os impactos sobre algum setor ou grupo necessitem de uma análise mais aprofundada20.

Um dos principais indicadores para a avaliação da qualidade de determinada proposta regulatória é a redução dos custos de compliance, assim considerados, de acordo com a definição da OCDE, "custos despendidos pelas empresas para atender às etapas burocráticas do regulador"21. Esse indicador se justifica, na medida em que, não raras vezes, o valor dos custos de compliance poderá ser tão elevado que a melhor decisão poderá ser a de não expedir determinada norma regulatória22.

Essa vertente da avaliação da qualidade da regulação, à luz do ordenamento jurídico pátrio, tem fundamento no princípio da liberdade de iniciativa, o qual visa interditar a expedição de regulações estatais que inviabilizem o exercício de atividades

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econômicas23. Além disso, em âmbito federal, o vetusto Decreto n° 83.740, de 18 de junho de 1979, que institui o Programa Nacional de Desburocratização - PND, em seu artigo 3°, b e d, estipula o dever de o Governo Federal reduzir sua interferência no exercício das atividades empresariais24.

Não obstante, tal instrumento só será eficaz se os resultados dele advindos forem periodicamente controlados. Daí porque a OCDE recomenda que...

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