Dos mecanismos de participação e de prestação de contas

AutorMariam Daychoum - Rafael Véras
Páginas132-139

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Seguindo uma tendência mundial, decorrente, sobretudo, do fenômeno da globalização, os presentes dispositivos do anteprojeto de lei em comento têm o objetivo de uniformizar, no âmbito das Agências Reguladoras Federais, os parâmetros de participação dos agentes regulados na edição das normas regulatórias (rulemaking).

Essa proposta se justifica, considerando a mudança de paradigmas por que vem passando o Direito Administrativo nos últimos anos. Atualmente, a Administração Pública passa a atuar de forma a promover maior diálogo com os particulares, ao invés de impor unilateralmente a sua vontade. Trata-se da consagração do princípio da consensualidade administrativa1. Nas palavras de ESTORNINHO trata-se da passagem "da Administração autoritária à Administração soberana consensual, instituindo-se uma administração negociada (ou contratual), em que o acordo substitui os tradicionais atos administrativos unilaterais de autoridade,

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exigindo uma atuação ativa do particular"2.

Por conseguinte, a Administração Pública passa a buscar diálogo com os destinatários da decisão administrativa. Isto porque, como ensina MOREIRA NETO, "A democracia tradicionalmente praticada, como exclusivamente representativa, que se exerce pela participação mínima do sufrágio eletivo de mandatários populares para o desempenho de cargos políticos - e, no caso brasileiro, de legisladores e de governantes nos seus três níveis federativos - se tem mostrado insuficiente como instrumento de legitimação de condutas públicas, estimulandose, assim, cada vez mais intensamente, o seu exercício por outras formas de participação política, que se ampliam e confluem no conceito de democracia participativa."3.

Destarte, o denominado procedimento participativo passa a se configurar como uma manifestação da Democracia Participativa4, sob um aspecto de participação administrativa procedimental5.

Os objetivos da participação procedimental, na visão de DUARTE, passam pela otimização de três princípios jurídicos centrais: (i) princípio democrático: a participação implica uma racionalização da decisão mediante a obtenção de informação pelo administrado e o controle popular da ação administrativa (transparência); (ii) princípio do Estado de Direito: há uma previsibilidade do administrado em relação à decisão administrativa que será tomada, possibilitando a sua intervenção e defesa no procedimento administrativo em tempo útil; e (iii) princípio do Estado Social: é um meio

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de realização do bem comum, funcionando como importante instrumento de autodeterminação e emancipação dos indivíduos e grupos sociais6.

No Direito alienígena, o princípio da participação administrativa está consagrado nas Constituições espanhola (arts. 9º.2 e 105)7, portuguesa (art. 267, I)8e italiana (art. 3º)9, bem como na Constituição da União Europeia (art. I-47)10.

Especialmente para o exercício da função regulatória, a participação processualizada tem a função de possibilitar a aferição das repercussões de determinada proposta normativa nos diversos setores regulados. Partindo-se da necessidade de levar à sociedade a matéria objeto de regulação, o que se busca é a valoração dos diversos interesses atingidos; daí porque se entende que a participação é pressuposto de legitimidade

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do ato emanado dos agentes reguladores. Nesse sentido, PEREIRA DA SILVA assevera que a "a Participação é não apenas consubstanciada no instituto do contraditório, mas destinada à ‘ponderação de interesses’, sendo o seu escopo principal a composição material dos interesses"11.

Daí porque se costuma afirmar que, no âmbito da regulação, a participação dos agentes regulados tem duas funções: (i) conferir legitimidade para agentes não eleitos; e (ii) possibilitar o controle de eficiência do exercício da regulação12.

Mas não é só. Moncada, ao tratar do direito de participação, tece considerações sobre o princípio do hard look, assim considerado como a obrigação de decidir de acordo com o input fornecido, constante do Record, diminuindo a autonomia da Administração13. Afinal, de nada adiantaria o mero ato formal de audiência pública e coleta de opinião se as contribuições oferecidas não fossem consideradas.

Ressalta-se que, nas leis que instituíram as agências reguladoras federais, já existe previsão expressa da consagração

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do princípio da participação, seja por meio da realização de Consultas Públicas, ou de Audiências Públicas. O art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.427/96 (Lei de criação da ANEEL), prevê a obrigatoriedade de realização de audiência pública prévia para os processos decisórios que afetarem os direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores; o artigo 42 da Lei nº 9.472/97 (Lei de criação da ANATEL) prevê que as minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca; o artigo 19 da Lei n° 9.478/97 (Lei de criação da ANP) exige a realização de audiência pública para iniciativas de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação de direito dos agentes econômicos ou de consumidores e usuários de bens e serviços da indústria do petróleo, dentre outras14.

Por tais razões, o presente projeto tem por objeto uniformizar a disciplina das Consultas e das Audiências Públicas.

A Consulta Pública consiste em um mecanismo de participação dos agentes que podem ter os seus interesses afetados por determinada proposta de regulação, os quais se manifestam por meio de peças formais, que serão parte integrante de um processo administrativo.15Diferentemente, na Audiência Pública, a participação dos interessados ocorre oralmente em reunião presenciais realizadas no órgão ou entidades administrativas. As principais diferenças entre os instrumentos da "Consulta Pública" e a...

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