Fiscalização e processo administrativo sancionador

AutorDanielle Duarte - Luis Lopes Martins
Páginas38-51

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1. Introdução

O presente capítulo tem por objetivo apresentar os motivos ensejadores da estruturação da primeira parte do capítulo III do anteprojeto de lei de processo administrativo para as agências reguladoras federais, que trata da Fiscalização e do Processo Administrativo Sancionador.

O capítulo foi estruturado em sete seções, nas quais se pretendeu conferir meios de atuação regulatória que favoreçam o atendimento de cada um dos princípios constitucionais1? norteadores das atividades desempenhadas pela Administração Pública, bem como sua ponderação no caso concreto, além de buscar a uniformização de procedimentos e prazos entre as diferentes agências reguladoras federais.

No que se refere às ações concretas de monitoramento e controle das condutas dos agentes de cada mercado regulado, prima-se pela elaboração de uma matriz de risco que permita a avaliação de comportamentos proporcional à complexidade, escala e natureza das operações empreendidas pelo agente regulado, de modo a otimizar o implemento de políticas fiscalizatórias preventivas e orientadoras, que resultem em maior efetividade e eficácia da atuação regulatória.

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Desta forma, o trabalho será estruturado em duas partes, nas quais serão abordados os motivos gerais de pontos específicos do capítulo que poderiam ensejar maiores dúvidas. A Parte I estará adstrita às etapas de controle e monitoramento atinente à fase não litigiosa do processo. A Parte II abrangerá aspectos concernentes à etapa litigiosa.

2. Parte I - Etapa pré-litigiosa2

Esta seção abordará os motivos gerais de quatro pontos específicos que se pretendeu contemplar no anteprojeto de lei que, eventualmente, possam ensejar maiores dúvidas: (i) uniformização da utilização do vocábulo "representações", ao se tratar de comunicações recepcionadas pela área competente da agência reguladora em face de condutas praticadas por agentes de cada mercado regulado; (ii) do registro e tratamento dessas comunicações, com o fim de melhor aproveitamento e gestão dessas informações, levando-se em conta, sobretudo, a globalização da economia; (iii) do inquérito administrativo, com o intuito de disponibilizar um procedimento de apuração pré-processual, evitando a abertura desnecessária de processos administrativos; e (iv) da reparação voluntária e eficaz, como instrumento para promover o alinhamento de condutas dos mercados supervisionados às respectivas políticas regulatórias.

O primeiro tópico se refere basicamente a um dos modos pelos quais se inicia a ação fiscalizadora: a representação. A escolha do vocábulo visou dirimir eventuais dúvidas interpretativas decorrentes de seus vários sentidos.

É cediço que os vocábulos "representação"3e "representar" são utilizados, no ordenamento jurídico pátrio em, pelo menos, duas diferentes acepções: ora como (i) o ato

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de apresentar a outrem uma reclamação em virtude de suposta violação de direitos ou exercício abusivo deste, ou, ainda, para (ii) designar aquele que exerce, em nome de terceiros, a função de mandatário, procurador ou agente, papel este que pode ser desempenhado por pessoa natural ou entidade de caráter associativo4.

Na primeira acepção, o ato pode ser praticado ainda que a suposta irregularidade decorra de violação de direito próprio ou não, em virtude de ser parte legitimada para tanto5.

Nessa hipótese, a representação está relacionada, por assim dizer, ao objeto ou conduta que, submetidos ao controle social, o direito pretende censurar. A segunda acepção decorrerá da condição de atuar perante a agência reguladora em nome de outrem, sendo exercida mediante determinação legal ou por vontade do interessado6.

Nesse sentido, o substantivo "representação", utilizado no projeto, é considerado no primeiro sentido das acepções apresentadas. Pode ter origem: (i) externa, na hipótese de ser formulada por (i.a) usuário ou consumidor dos serviços ofertados pelos agentes do mercado regulado, na condição de pessoa natural ou jurídica; ou por (i.b) terceiros na condição de representante daqueles; ou, ainda, (ii) interna, quando formulada por servidor que, ao tomar conhecimento de suposta irregularidade, der ciência à autoridade competente.

No que concerne ao aproveitamento das informações obtidas com base nas representações recepcionadas, extrai-se do §2º do artigo 15 do projeto que a agência reguladora deverá providenciar seu registro e tratamento, tendo em vista que a convergência econômica decorrente de um sistema global cada vez mais integrado demanda uma ação fiscalizatória da autoridade reguladora que conjugue uma sistemática de aferição

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e prevenção de riscos nos mercados sujeitos à sua supervisão por meio da adoção de princípios básicos7, que privilegiem um ambiente regulatório que minimize os efeitos das falhas de mercado inerentes à liberdade de iniciativa na exploração de atividades econômicas em cada setor regulado8, não estando, portanto, adstrita a uma ação fiscalizatória baseada no simples cumprimento de regras, de modo a assegurar a efetividade da aplicação de medidas que favoreçam o desenvolvimento desses setores.

Não se deve olvidar que a adoção de medidas que viabilizem maior estabilidade regulatória dos mercados supervisionados é um relevante indicador na avaliação de desempenho de países empreendida por organismos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Nesse sentido, é premente que a autoridade reguladora leve em consideração, sempre que possível, na avaliação de perfil de riscos de cada agente dos mercados supervisionados, a proporcionalidade da natureza, escala e complexidade das operações desenvolvidas, por meio de um processo contínuo de acompanhamento e controle.

Com isso, mostra-se relevante o aproveitamento e a gestão de informações disponíveis sobre os agentes supervisionados que possibilitem a identificação de áreas sensíveis que possam demandar uma ação fiscalizatória específica. Sejam tais informações obtidas por meio de (i) envio periódico de dados pelos agentes regulados à autoridade reguladora competente, (ii) representações formuladas pelos usuários/consumidores dos serviços ou produtos desses agentes, ou, ainda, por meio de entidades públicas ou privadas

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no interesse daqueles, além (iii) daquelas obtidas diretamente pelas equipes de fiscalização no exercício de suas atribuições.

O registro e o processamento dessas informações pelas agências reguladoras contribuem para a formação de uma base de dados das ações empreendidas pelos agentes regulados no desenvolvimento de suas atividades, possibilitando, destarte, a adoção de políticas fiscalizatórias de modo proporcional aos riscos apresentados por cada um desses agentes, além de oportunizar a imposição de que sejam implementadas estruturas de governança e controles internos que protejam os interesses dos consumidores e usuários de produtos e serviços ofertados nos setores regulados, o que não poderia ser obtido com a adoção de medidas fiscalizatórias unidirecionais baseadas exclusivamente na análise de cumprimento de regras.

Nesse sentido, alinhado com a proposta de aproveitamento qualitativo desses dados pela agência reguladora, o projeto optou pela adoção do inquérito administrativo, que foi objeto de disposição na seção II do capítulo III. A natureza inquisitorial de que se qualifica esse procedimento pré-processual tem por escopo conferir meios necessários à coleta de informações destinadas à formação do convencimento da autoridade competente para a propositura de processo administrativo sancionador quanto ao cometimento de condutas ensejadoras de infração administrativa, razão pela qual não há que se falar que a apuração em sede investigativa configure gravame equivalente à sanção9.

Tem-se, destarte, o intuito de disponibilizar instrumental para que a autoridade reguladora, na seara de suas competências, possa averiguar informações decorrentes de representações formuladas por quaisquer interessados, desde que devidamente fundamentadas, quando os indícios não forem suficientes para a instauração do processo administrativo, sendo possível, também, sua instauração de ofício nessas condições.

A possibilidade de investigação sigilosa tem por escopo...

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