Dois conceitos de legitimidade constitucional

AutorAlon Harel, Adam Shinar
CargoProfessor Doutor na Universidade Hebraica de Jerusalém onde ocupa a Cátedra Phillip P. / Professor Associado na Escola de Direito Harry Radzyner da Universidade Reichman.
Páginas50-90
Rev. direitos fundam. democ., v. 28, n. 2, p. 50-90, mai./ago. 2023.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd v28i22609
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
DOIS CONCEITOS DE LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL
TWO CONCEPTS OF CONSTITUTIONAL LEGITIMACY
1
Alon Harel
Professor Doutor na Universidade Hebraica de Jerusalém onde ocupa a
Cátedra Phillip P. Mizock e Estelle Mizock em Direito Administrativo e Penal.
na Universidade Hebraica de Jerusalém. Escreveu inúmeros artigos sobre
filosofia moral, política e jurídica. Publica artigos sobre direito e economia,
direito penal e teoria constitucional.
Adam Shinar
Professor Associado na Escola de Direito Harry Radzyner da Universidade
Reichman. Ele possui um S.J.D. (Doctor of Juridical Science) pela
Faculdade de Direito Harvard. Também possui um LL.B. (Bacharelado em
Direito) pela Universidade Hebraica de Jerusalém e um LL.M. (Mestrado em
Direito) pela Faculdade de Direito Harvard. Atuou como assessor do
Presidente da Suprema Corte de Israel e trabalhou como advogado em
várias ONGs de direitos humanos em Israel e na Índia.
RESUMO
O que legitima as constituições? Uma resposta padrão é que as
constituições são legítimas apenas se representarem o povo que governa.
Este artigo identifica duas concepções diferentes de representação. A
representação pode ser fundamentada no consentimento ou na vontade dos
cidadãos ou quando a constituição reflete a identidade “real” dos membros
da nação. Alternativamente, a constituição é por vezes considerada legítima
porque promove a justiça ou, mais genericamente, é fundada na razão.
Enquanto as constituições são tipicamente fundamentadas em
reivindicações de representação do povo e em reivindicações relativas à
justiça e à sabedoria das disposições constitucionais, estabelecemos que
existem dois tipos de constituições: constituições que são principalmente
representativas (por exemplo, a Constituição dos EUA) e constituições que
são principalmente baseadas na razão (por exemplo, a Constituição alemã).
1 Tradução para o português brasileiro realizado pela Equipe Editorial da Revista Direitos Fundamentais e
Democracia do artigo publicado originalmente em inglês na Revista “Global Constitutionalism”, Volume 12,
Issue 1, Outubro 2022, p. 80 – 105. DOI: https://doi.org/10.1017/S2045381722000156 sob uma licença
Creative Commons 4.0. A Equipe Editorial agradece aos autores pela permissão da tradução do texto. Revisão
Final: Elcio Domingues da Silva.
51
Rev. direitos fundam. democ., v. 28, n. 2, p. 50-90, mai./ago. 2023.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd v28i22609
DOIS CONCEITOS DE LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL
Também mostramos que essa distinção tem ramificações importantes sobre
como as constituições são redigidas e ratificadas e como elas operam. Uma
implicação central é que a legitimidade das constituições que fazem
reivindicações fracas de representação por exemplo, constituições que
são impostas por potências estrangeiras ainda pode ser defendida com
base na razão.
Palavras-chave: constituição; legitimidade constitucional; Constituição
alemã; ratificação; constituições baseadas na razão; representação;
constituições representativas; Constituição dos Estados Unidos.
ABSTRACT
What legitimizes constitutions? A standard answer is that constitutions are
legitimate only if they represent the governing people. This article identifies
two different conceptions of representation. Representation can be based
on the consent or will of the citizens or when the constitution reflects the
“real” identity of the nation's members. Alternatively, the constitution is
sometimes claimed to be legitimate because it promotes justice or, more
generally, is founded on reason. While constitutions are typically founded
on both claims to represent the people and claims regarding the fairness
and wisdom of constitutional provisions, we have established that there are
two types of constitutions: constitutions that are primarily representative
(e.g., the U.S. Constitution) and constitutions that are primarily based on
reason (e.g. the German Constitution). We also show that this distinction
has important ramifications for how constitutions are written and ratified and
how they operate. A central implication is that the legitimacy of constitutions
that make the weak claims to representation for example, constitutions
that are imposed by foreign powers can still be defended on the basis of
reason.
Keywords: constitution; constitutional legitimacy; German constitution;
ratification; constitutions based on reason; representation; representative
constitutions; United States Constitution.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É comum supor que a legitimidade das constituições depende do fato de serem
representativas (ou expressivas) do povo que governa. Numerosos estudiosos reiteram
esta observação e argumentam que as constituições devem expressar o caráter distintivo
de vontade, identidade, caráter e os valores da nação que governam.2 A representatividade
das constituições é considerada um pré-requisito para sua legitimidade.3 Por que
2 Veja, por exemplo, David Law, ‘I mposed Cons titutions and Romantic Constitutions’, em Richard Albert,
Xenofonte Contiades e Alkmene Fotiadou (eds), A Lei e a Legitimidade das Constituições Impostas
(Routledge, Londres, 2019) 38. Ver também Vicki C Jackson, Constitutional Engagement in a Transnational
Era (Oxford University Press, Oxford, 2010) 155 (caracterizando constituições como formas de autoexpressão
nacional).
3 O conceito de “representatividade” pode ser interpretado de várias maneiras. Veja, por exemplo, Jed
Rubenfeld, Freedom, and Time: A Theory of Constitutional Self-Government (Yale University Press, New
Haven, CT, 2001); Michael W McConell, 'Textualism and the Dead Hand of the Past' (1998) 66 George
Washington Law Review 1127.
52
Rev. direitos fundam. democ., v. 28, n. 2, p. 50-90, mai./ago. 2023.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd v28i22609
ADAM SHINAR / ALON HAREL
deveríamos ser vinculados a uma Constituição que não é a nossa uma Constituição que
não reflete o que queremos, o que julgamos ser verdade ou quem somos?4 No entanto, ao
mesmo tempo, muitos teóricos argumentam que Constituições podem reivindicar
legitimidade com base no fato de que promovem a justiça ou, mais geralmente, sob o
fundamento de que são baseadas na razão5. Nesses casos, a legitimidade da Constituição
é fundamentada no fato de que é justa, correta, legítima, eficiente e assim por diante.
Enquanto a maioria das constituições reivindica legitimidade por ambos os motivos,
estabelecemos que algumas constituições são mais representativas, enquanto outras são
mais baseadas na razão, e que a distinção tem ramificações importantes sobre as maneiras
pelas quais diferentes constituições evoluem e operam. Antes de descrevermos
brevemente as duas formas pelas quais as constituições podem ganhar legitimidade,
vamos admitir desde o início que nossa discussão se concentra principalmente em
constituições liberais no norte global. É necessário, portanto, qualificar nossa descrição e
afirmar que se trata de uma investigação de dois conceitos liberais de legitimidade
constitucional.
Usamos o termo “representatividade” de forma ampla. Por “constituição
representativa”, queremos dizer uma constituição que ganha sua legitimidade pelo fato de
ser um reflexo de quem os cidadãos são ou o que eles desejam ou julgam ser verdade. Há,
portanto, uma íntima relação entre os cidadãos e a constituição, então pode-se argumentar
que, em essência, ser governado pela constituição é o mesmo que ser governado pelos
cidadãos eles mesmos. Talvez a manifestação mais clara dessa visão esteja no Preâmbulo
da Constituição dos EUA, que afirma: ‘We, the People...’ Estas três palavras foram
interpretadas de modo a transmitir a convicção de que a legitimidade da Constituição dos
EUA repousa sobre o fato de que ela nada mais é do que uma reencarnação da vontade
“real” ou “genuína” do povo americano.6
4 Na teoria democrática, frequentemente afirma-se que a representação tem valor instrumental e,
particularmente, valor epistêmico. Ver David Estlund, Democratic Authority: A Philosophical Framework
(Princeton University Press, Princeton, NJ, 2009). Em contraste, argumentos instrumentalistas desse tipo
normalmente não podem ser encontrados na teoria constitucional.
5 Veja também Joseph Raz, ‘On the Authority and the Interpretation of Constitutions: Some Preliminaries,’ em
Larry Alexander (ed), Constitutionalism: Philosophical Foundations (Cambridge University Press, Cambridge,
1998) 152
6 Para uma versão clássica dessa ideia, veja Bruce A Ackerman, We the People: Foundations (Harvard
University Press, Cambridge, MA, 1993). Como alguns teóricos têm argumentado, a legitimidade
representativa é a forma padrão de legitimidade especialmente no século XX. Veja, por exemplo, Matthias
Hartwig, ‘What Legitimises a National Constitution? On the Importance of international Embedding,’ em Armin
Von Bogdandy e Pál Sonnevend (eds), Constitutional Crisis in the European Constitutional Area: Theory, Law
and Politics in Hungary and Romania (Beck/Hart/Nomos, Nova York, 2015) 311.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT