Dos deveres conjugais à plena comunhão de vidas
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DOS DEVERES CONJUGAIS À PLENA
COMUNHÃO DE VIDAS
A evolução vivenciada pela sociedade, como não poderia deixar de ser, pode
também ser notada nos casamento. De fato, a construção da vida a dois para toda
a eternidade não parece mais ser, necessariamente, buscada incessantemente por
todos os casais.
Não se pode olvidar que a própria alteração de paradigma quanto à igual-
dade de gênero e a importância da existência de equilíbrio entre o par conjugal
trouxe grande mudança à construção da conjugalidade e de suas nuances, o que
pode constatar, inclusive, com o aumento da procura dos casais pela realização
de ajustes pré-nupciais.
De acordo com dados fornecidos pela Central Notarial de Serviços Eletrô-
nicos (Censec),1 na década compreendida entre 2006 e 2016 houve um aumento
de 110% no número de pactos antenupciais lavrados pelos brasileiros, o que
demonstra, ainda que de maneira insipiente, ter passado a existir uma maior
consciência quanto ao matrimônio, suas consequências e as possibilidades de
ajustes individuais por pacto prévio.
Desse modo, a simples adesão a deveres previamente estabelecidos passa
por uma reformulação com a compreensão dos casais quanto a necessidade da
busca plena da comunhão de vidas, circunstância que vai muito além do mero
cumprimento de regras prévias.
3.1 BREVES NOTAS ACERCA DA CONJUGALIDADE
Compreende-se por conjugalidade o conjunto de elementos pessoais exis-
tenciais que compõe o negócio jurídico casamento. É a conjugalidade, portanto,
a parcela subjetiva ligada aos casamentos, moldada de acordo com a convivência
cotidiana e a construção diária que, de fato, constitui a vida conjugal.
1. Disponível em: https://censec.org.br/. Acesso em: 20 out. 2022.
CONTRATO PARACONJUGAL • Silvia Felipe Marzagão
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A simples leitura da denição supraindicada demonstra que a conjugalidade
é elemento individual, ligado à intimidade e às particularidades de cada casal, não
podendo ser generalizada ou tomada como igual em todos os pares conjugais.
Será no exercício da conjugalidade, assim, que os cônjuges moldarão suas
expectativas e não olvidarão esforços para a busca da comunhão plena de vidas
de cada casamento se fundará, de modo que a autonomia privada e a privacidade
de cada casal reste preservada, até mesmo em conformidade com o disposto no
art. 1.513 CC que consagra o princípio da liberdade no direito de família.
3.2 O FIM DA DISCUSSÃO DA CULPA COMO CATALISADOR PARA
NOVAS FORMAS DE MODULAÇÃO E AJUSTE DA CONJUGALIDADE
Absolutamente louvável a transformação pela qual passou – e ainda passa
– o direito de família nas três últimas décadas. E, diante dessa transformação, as
questões afetas ao casamento e a conjugalidade como um todo, como não poderia
deixar de ser, também se modicaram sobremaneira. Se, há alguns anos, a simples
existência do divórcio poderia ser entendida como o m da família,2 atualmente
se fala na possibilidade de decretação de divórcio de maneira impositiva, sem
qualquer possibilidade de empecilho ou dicultador,3 ausentes os impactos nas
relações de parentalidade ou de solidariedade conjugal pós ruptura.
Signicativo passo para essa transformação foi a inovação legislativa trazida
pela Emenda Constitucional 66/2010, que nos leva a considerar a ausência de
culpabilidade pelo m do amor conjugal, alçando os deveres conjugais em deveres
jurídicos sem implicação obrigacional.
2. “A medicação prescrita nesses termos tem o sabor de eutanásia; e o paciente ainda não está em seus
estertores; o remédio, como pretenso mal necessário, supera o próprio mal que se pretende sanar; o
rompimento do vínculo como tributo à preservação do dever de delidade não reete por si a melhor
solução, na medida em que degenera em derivações abusivas, com estímulo aos expedientes extra-
matrimoniais, depauperando mais ainda o combalido organismo familiar.” (CAHALI, Yussef Said.
Divórcio e separação. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 27).
3. Marília Xavier e Willian Soares Pugliese defendem que do divórcio judicial, por ser direito potestativo,
não depende de anuência do outro cônjuge à sua concessão, armando que se não houver acordo entre
os cônjuges, a manifestação de vontade deve ser formulada como petição inicial ao Poder Judiciário,
sendo o “pedido” de divórcio meio pelo qual o cônjuge exerce o direito potestativo de por m ao ca-
samento. De fato, eles sustentam que o requerimento gera a sujeição do outro cônjuge, que nada pode
opor contra o pedido de divórcio propriamente dito. (XAVIER, Marília Pedroso; PUGLIESE, Willian.
Divórcio liminar. Indaiatuba: Foco, 2022. p. 28). No mesmo sentido do defendido pelos autores, há
projeto de lei proposto pelo Senador Rodrigo Pacheco que prevê o acréscimo do Art. 733-A ao Código
Civil com a seguinte redação de caput: Art. 733-A. Na falta de anuência de um dos cônjuges, poderá
o outro requerer a averbação do divórcio no Cartório do Registro Civil em que lançado o assento de
casamento, quando não houver nascituro ou lhos incapazes e observados os demais requisitos legais.
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