O papel do ministério público na tutela dos interesses das populações indígenas

AutorRoberta de Angelis Scaramucci
CargoMestranda em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos pela Instituição Toledo de Ensino - Bauru-SP
Páginas120-135

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Recebido em 03|09|2009 | Aprovado em 20|10|2009

I Introdução

A questão que envolve os povos indígenas no Brasil, foi tratada de maneira inovadora pela Constituição Federal de 1988, aos índios fora delegado capítulo próprio, sendo dois artigos (artigos 231 e 232), onde o maior cuidado fixou-se em torno do fato da necessidade da preservação do modo de vida dos indígenas.

Sua diversidade cultural vasta, indubitavelmente nos remete a questão de importância muito maior, senão o patrimônio histórico e cultural nacional, e desta feita, estes interesses possuem natureza difusa, e assim devem ser tutelados.

Ademais, do trato constitucional especialmente focado na tradicionalidade da vida indígena, a Constituição de 1988, também inovou no que diz respeito a ampliação das atribuição do Ministério Público, que como bem se nota ao longo dos tempo teve evolução considerável na defesa dos interesses do povo, e também das classes marginalizadas, em prol da tão desejada igualdade.

A esse respeito importante se fez, a defi nição e designação de atuação do Ministério Público na defesa dos interesses dos povos indígenas, não só pela sua natureza difusa, mas também por dicção expressa, dos artigos 129, inciso V, que traz como função institucional do Ministério Público a defesa em juízo dos interesses dos povos indígenas, e ainda o artigo 232, que impõe a esta instituição a atribuição de intervir em todos os atos dos processos que sejam partes, os índios, suas comunidades e organizações.

Este artigo pretende mostrar a evolução do Ministério Público, até as consideráveis e importantes atribuições concedidas pela Constituição, e o papel atuante que esta instituição vem exercendo em prol da defesa dos interesses do povo, das minorias e principalmente dos povos indígenas.

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II Origem Histórica do Ministério Público

O vocábulo Ministério, vem do latim "Ministerium", e este de "Minister", que signifi ca EXECUTOR.

Para José Marcelo Vigliar1: "A origem histórica da instituição está associada à própria evolução do Estado Moderno."

Porém, a origem do Ministério Público (como hoje concebido) ainda não é estipulada com certeza e unanimidade pela doutrina.

Na Roma Antiga por exemplo existiam instituições que cumpriam algumas atribuições semelhantes ao do Ministério Público, como os CENSORES, que surgiram por volta de 435 a.c, e tinha por função examinar a fundo a vida das pessoas e descobrir o que poderia ser repreensível.

Os QUESTORES que eram altos funcionários imperiais a quem originalmente era atribuída a função de recebimento de multas e guarda do tesouro, e apuração dos crimes de homicídio.

O DEFENSOR CIVITATIS, que tinha por função básica o respeito da ordem pública, cabendo-lhe defender as classes inferiores de eventuais abusos dos funcionários imperiais e dos agentes municipais.

E os PROCURATORES CAESARIS e o ADVOCATUS FISC, que eram responsáveis pela gestão dos domínios imperiais e pelo recebimento das receitas do império, se encarregavam de realizar o confisco dos bens dos cidadãos condenados.

Para Hugo Nigro Mazzilli2, as maiores similitudes com o Ministério Público, encontraramse com os procuradores do rei da França, na Ordenação de e Felipe IV em 1302.

O Ministério Público surgiu como reação ao absolutismo, constituído por alguns precedentes históricos, como a superação da vingança privada, a entrega da ação penal a um órgão público tendente à imparcialidade, a distinção entre Juiz e acusador, tutela dos interesses da coletividade e não só daquele do fisco soberano e a execução rápida e certa das sentenças dos juízes.

O surgimento do Ministério Público na França pode ser localizado na junção das funções de advogado do rei, aqueles com atribuições exclusivamente cíveis, e os procuradores do rei, que a par de suas atribuições financeiras, tinham função judicial de natureza criminal, ambos tinha sua atividade voltada para a defesa do poder e dos interesses do soberano.

Porém, a definição de Ministério Público, tal qual se vê hoje em dia, apenas se deu nos Códigos Napoleônicos, após a Revolução Francesa de 1789.

João Francisco Sauwen Filho3, citando a obra do francês Roger Perrot ("Institutions Judiciaires", PARIS), informa que foi a partir de quando passaram a se dedicar exclusivamente

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aos interesses do soberano, deixando de servir a cliente particular que os membros da instituição passaram a postar-se sobre um estrado nos tribunais, o que nos remonta a conceituação do PARQUET, que até hoje é designadora do próprio Ministério Público.

Seguindo a citação, o autor oferece-nos a conceituação de parquet, " local onde o membro da instituição atuava, de pé, no recinto dos Tribunais, um exíguo espaço assoalhado, limitado por uma balaustra. O nome parquet certamente deriva do piso taqueado."

Foi na França no ano de 1790, que se dividiu as funções do Ministério Público, conservadas até os dias de hoje, a de "dominus litis", isto é, o titular da ação penal e a de " custos legis", ou fiscal da lei, aquele que zela pelo cumprimento das normas jurídicas.

Vale salientar que na Itália e em Portugal, também existiu a figura dos procuradores do rei, nos moldes franceses. Dois fatores impuseram tal fi gura, a necessidade de defesa dos interesses do rei perante os Tribunais e a necessidade de cometer a um agente do rei, a promoção da acuação penal.

Figura importantíssima para própria evolução das atribuições do Ministério Público é a do OMBUDSMAN, do qual Hugo Nigro Mazzilli4 informa que em diversos países encontramos a prestigiada figura do ombudsman, criado em 1809 na Suécia, como forma de permitir ao parlamento controlar a observância das leis e disposições por todos os funcionários públicos civis ou militares e pelos magistrados. Hoje a figura do ombudsman ainda se faz presente, e desempenha funções semelhantes ao nosso Ministério Público, trata-se de um órgão investigatório que depende, fundamentalmente das queixas do público em geral ou de sua própria iniciativa.

O ombudsman é, ainda, um órgão destinado a exercer o controle sobre as atividades da administração e depois defender os interesses coletivos diversos.

II O Ministério Público no Brasil até a Constituição Federal de 1988

Foi em 1690, com a criação do Tribunal da Relação da Bahia, que se criou no Brasil a fi gura do Promotor de justiça, o chamado procurador da Coroa e da Fazenda.

Com a Proclamação da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, ocorreu um conflito entre radicais e conservadores. Nesse cenário a Assembléia Constituinte foi convocada e representou um elemento decisivo no processo de independência, que culminou com a promulgação da Constituição de 1824, que, porém não fez nenhuma menção expressa ao Ministério Público, apenas aludindo que a acusação de crimes fi caria a carga do Procurador da Coroa e da Soberania Nacional.

O Código de Processo Criminal de 1841 (Lei 261), dedicava capítulo próprio a instituição, intitulado - Dos Promotores Públicos, porém tal disposição não trazia nenhuma atribuição de função aos promotores, apenas indicava os meios de nomeação e remuneração.

Foi apenas em 1890, que Ministério Público começou a ser tratado como uma instituição no Brasil, sob a lavra do então Ministro da Justiça, Manuel Ferraz de Campos Salles, criou-se o cargo de Procurador Geral.

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Mesmo sob a infl uência de anseios de alguma inovação nas atribuições da instituição, a constituição Republicana de 1891 não fez qualquer menção ao Ministério Público. A Constituição de 1891 limitou-se a dispor que o Procurador Geral da República seria escolhido entre os Ministros do STF e sua única função era a propositura da revisão criminal em favor do réu. (artigo 81 § 1º).

Em 1916, o Código Civil da época, trouxe inúmeras atribuições ao Ministério Púbico, entre elas um grande avanço, a defesa dos interesses dos menores (artigo 394, da Lei 3.071/16).

A Constituição Brasileira de 1934, promulgada em 16 de julho pela Assembléia Nacional Constituinte, foi redigida "para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico", segundo o próprio preâmbulo. Foi conseqüência direta da Revolução Constitucionalista de 1932, quando a Força Pública de São Paulo lutou contra as forças do Exército Brasileiro.

Foi a primeira Constituição a tratar expressamente e defi nitivamente institucionalizar o Ministério Público brasileiro, em capítulo próprio. Este avanço na história política do País, e institucional para o Ministério Público, não durou muito tempo, e em 1937, com a outorga de uma nova Constituição, sob o regime ditatorial de Getúlio Vargas, a menção a instituição limitou-se a vaga referência ao Procurador Geral da República e a criação do chamado quinto constitucional.

Em 1939, o então Código de Processo Civil (Decreto Lei 1.608), acometeu ao Ministério Público a função de parte ou órgão interveniente, nos feitos civis que houvesse interesse de incapazes.

Com o advento do Código de Processo Penal em 1941, o Ministério Público conquistou o poder de requisição de inquérito policial e diligências, e efetivando a regra de sua titularidade na promoção da ação penal pública, e ainda e inovando, a tarefa de promover e fiscalizar a execução da lei.

A Constituição democrática de 1946 previu a organização do Ministério Público, garantindo aos seus membros estabilidade e inamovibilidade relativa Ainda a Carta de 46...

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