Editorial

AutorSueli Gandolfi Dallari
Páginas7-10
Editorial
R. Dir. sanit., São Paulo v.16 n.2, p. 7-10, jul./out. 2015
DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v16i2p7-10
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Caros leitores,
Desculpem-me insistir: é necessário perceber a crescente tendência de aproxima-
ção das normas sanitárias entre os diferentes Estados. Isso é verdade – e já discutimos aqui
mesmo – no que respeita às normas internacionais, que são interiorizadas em constituições
nacionais; à existência de regras jurídicas semelhantes originadas de diversos movimentos
sociais em diferentes Estados; ao uso de normas internacionais por administrações nacio-
nais; e às decisões judiciais que, cuidando especicamente da demanda popular por garan-
tia do direito à saúde, empregam regras e princípios internacionais ou estrangeiros. Quero
agora examinar um caso curioso que se refere à chamada disciplina ética das pesquisas que
envolvem seres humanos. A China oferece um referencial muito interessante a respeito, pois,
ao mesmo tempo em que evidencia a disputa de paradigmas na matéria, preocupa-se em
integrar o universo dos Estados que desenvolvem pesquisa clínica de qualidade.
A tradição milenar chinesa incorporou os princípios éticos de Confúcio (551-479 a.C.),
que implicavam, por exemplo, valorizar fortemente a vida; comportar-se dignamente; respei-
tar os costumes locais; praticar a medicina honestamente; respeitar as conquistas acadêmicas
dos outros1. Na cultura confucionista, o ensino da ética é integrado com a política, formando
uma unidade em que cada princípio ético é adaptado às necessidades políticas. O âmago desse
sistema é a bondade, implicando que, para praticá-la, você deve fazer para os outros o que
deseja para si mesmo e ser tolerante, nunca fazendo para os outros o que você não deseja que
eles façam para você. Nada muito diferente dos grandes valores ocidentais e de suas máximas.
Entretanto, a regulação ética das pesquisas clínicas vem mudando de maneira notável nas
últimas décadas, devido à necessidade dos pareceres éticos tanto nos estudos colaborativos
internacionais (promovidos por organizações cientícas ou pela indústria farmacêutica), como
nos periódicos cientícos internacionais. Esses novos padrões têm sido adotados também
internamente, pelas agências chinesas de fomento à pesquisa. E, curiosamente, a disputa de
paradigmas é vericável no próprio Estado. Assim, os chineses ressentem-se da mudança de
foco – que na ética tradicional privilegiava a harmonia social face aos interesses individuais –
para a autonomia individual. Wang e Henderson2 argumentam que a ética tradicional focaliza
a relação e a responsabilidade de uma pessoa para trabalhar pelo bem de outras, e não a ade-
rência a princípios gerais. Mais importante ainda, eles chamam a atenção para a imprescindível
necessidade de empregar uma visão ética mais ampla quando do exame das questões, “encora-
jando a consideração dos aspectos éticos de toda a pesquisa, do nanciamento à disseminação
dos achados, capturando assim as inuências subjacentes às mudanças econômicas e sociais,
1 ZHAOJIANG, Guo. Chinese Confucian culture and the medical ethical tradition. Journal of medical ethics, v. 21,
n. 4, p. 239-246, 1995. Disponível em: 6720/>.
2 WANG, R.; HENDERSON, G. E. Medical research ethics in China. Lancet, v. 372, n. 9653, p. 1867-1868, 2008.
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(08)61353-7.

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