Equivalente em dinheiro: entre o 'como' e o 'quanto'

AutorErick Regis
Páginas119-202
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Capítulo 3
EQUIVALENTE EM DINHEIRO:
ENTRE O COMO E O QUANTO
Apresentados nos capítulos anteriores as bases e a
sistematização do remédio autônomo da execução pelo equivalente em
dinheiro, passa-se, então, à análise do instituto sob uma perspectiva
instrumental. A finalidade é compreender a utilização desse remédio
contratual em aspecto prático, como ferramenta jurídica idônea a ser
utilizada em socorro ao credor vitimado pela mitigação de seu acesso
ao bem da vida originalmente avençado contratualmente. É esse o norte
cardeal deste terceiro capítulo. Para fins didáticos, o delineamento
proposto se divide em duas premissas, que se tangenciam ao longo deste
tópico. A primeira premissa está relacionada diretamente ao “como” e
ao “quanto”. Ser̃o, nessa toada, propostos meios para a definição do
equivalente em dinheiro. Serão sugeridos, ademais, parâmetros amplos
e gerais, que podem ser utilizados pelas partes, por um terceiro
especialista no mercado em que se enquadra o objeto prestacional cujo
valor deverá ser definido, por um juiz, ou por um perito. Esses critérios
poderão ser aplicados em concreto, caso, porventura, não constem dos
termos contratuais o montante respectivo, ajustado in prius pelos
contratantes, ou critérios específicos para a sua definição.
A segunda premissa, a seu turno, está diretamente relacionada
ao delineamento processual da execução pelo equivalente em dinheiro.
É dizer: pretende-se também apresentar ao leitor, de maneira bastante
objetiva, ao longo da abordagem proposta, aspectos processuais
diretamente relacionados ao cumprimento pelo equivalente em
dinheiro.
Em resumo, a análise proposta neste terceiro capítulo tem o
objetivo de apresentar possíveis métodos para a definição do
equivalente em dinheiro, a partir de meios e parâ metros de
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quantificação, envolvendo, ainda, noções acerca dos veículos
processuais disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro para o
acesso efetivo ao valor equivalente, a fim de atribuir materialidade ao
remédio da execução pelo equivalente em dinheiro, objeto desta obra.
Nessa toada, acredita-se ser possível definir o valor equivalente
tendo por base: (i) a conjugação entre a autonomia privada dos
contratantes tão relevante para essa temática, imbricada com a
disciplina das obrigações e dos contratos188 , (ii) a interpretação de
normas do Código Civil de 2002 e (iii) uma análise baseada nas normas
previstas no Código de Processo Civil de 2015.
Essas são algumas das fontes que devem nortear os contratantes
na busca pela quantificação do equivalente em dinheiro, que pode se
basear em regras contratualmente previstas, assim definidas pelas
próprias partes contratantes, ou pela via heterônoma, por um terceiro
não diretamente eleito pelas partes.
No primeiro caso, faz-se alusão à possibilidade de que o
equivalente em dinheiro seja definido contratualmente a bem dizer,
tanto o valor propriamente dito, quanto o modus operandi para a sua
definição , em sede de gestão positiva e negativa dos riscos que
integram a álea normal do contrato, baseando-se em cláusulas
específicas, inseridas no instrumento contratual especificamente com
essa finalidade, à luz da autonomia privada.
No segundo caso, faz-se alusão à tramitação de processo
judicial, em fase específica de liquidação ou de cumprimento de
sentença ou em processo executivo autônomo, a depender do caso
concreto e da existência, validade, eficácia e da natureza do título
188 Giovanni Ettore Nanni reconhece a necessidade de se “integrar o regime da obrigação
com o do contrato, no qual aquela constitui o momento executivo. Representa a relação por
meio da qual se realiza o programa contratual. Adimplir a obrigação contratual quer dizer
executar o contrato; não cumprir ou cumprir inexatamente a obrigação contratual representa
não executar ou executar inexatamente o contrato. (...) o inadimplemento é disciplina geral
que prescinde do tipo e da fonte da obrigação. De outra parte, a fonte concorre para integrar
seja a disciplina da obrigação ou a do inadimplemento. O estudo do inadimplemento deve
levar em consideração a fonte obrigacional. E deve ser dito particularmente para as
obrigações con tratuais, cuja tutela prevê remédios apropriados e que se juntam àqueles
comuns a todas as obrigações” (NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento a bsoluto e
resolução contratua l: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p.
399).
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executivo , visando-se à definição do equivalente em dinheiro por um
perito, mediante estudo técnico especializado, ou por arbitramento, pelo
juiz. Por fim, após a apresentação dos meios sugeridos para a
definição do equivalente em dinheiro, em conclusão, serão, então,
apresentados os mencionados parâmetros gerais para a apuração desse
numerário, os quais podem ser usados em contextos variados e por
sujeitos diversos, dada a sua natureza genérica.
3.1. Gestão positiva e negativa de riscos contratuais e definição
do equivalente em dinheiro
Como é de conhecimento, a liberdade individual é garantida
pela Constituição Federal de 1988 como verdadeira base do Estado
Democrático de Direito, representando um direito fundamental. Nessa
linha, potencializada pelo necessário atendimento a um valor social, a
“livre iniciativa” representa um dos fundamentos da República (art. 1º,
inciso IV). O art. 170 da Constituição Federal, a seu turno, estabelece
que a “ordem econômica” é fundada na “livre iniciativa”, reconhecendo
e chancelando a “propriedade privada” (inciso II), e tutelando o
necessário atendimento à sua função social (artigos 5º, inciso XXIII, e
170, inciso III).189 Quanto ao mais, entre os objetivos fundamentais da
República, também se faz alusão à liberdade, em sentido amplo
incluindo a liberdade de contratar190 e a liberdade contratual ,
189 Nesse sentido: “No que tange especificamente à seara contratual, a inclus̃o dos
institutos de direito civil na ordem constitucional integra-se à esfera de irradiação dos
princípios constitucionais no espaço de liberdade individual, exigindo a construção de uma
nova ordem pública coerente com os fundamentos (art. 1º, CF) e com os objetivos
fundamentais (art. 3º, CF) da República (...)” (DE AQUINO JR. Geraldo Fraz̃o. O direito
contratua l e a marcha da constitucionalizaçã o entre ouriços e raposas. In: Transformações
no d ireito privado nos 30 anos da Constituiçã o: estudos em homenagem a Luiz Edson
Fachin. EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; CORTIANO JUNIOR, Eroulths (Coord s.). Belo
Horizonte: Fórum, 2019, p. 419-439).
190 Colhe-se a liç̃o de Eduardo Espinola: “Destarte, a liberdad e de contratar é mais ampla
e mais restrita, em obediência aos fatores sociais, econômicos e jurídicos, que atuam em
caráter transitório; mas o acordo de vontades é sempre indispensável, deve existir em
qualquer emergência: é ele o fator preponderante, o elemento essencial do contrato”
(ESPINOLA, Eduardo. Dos contr atos nominados no dir eito civil brasileiro, 2 ª ed. Rio de
Janeiro: Conquista, 1956, p. 11).

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