Considerações finais
Autor | Willians Franklin Lira dos Santos |
Ocupação do Autor | Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Especialista em Direito pela UFPR e pela PUCPR |
Páginas | 155-164 |
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A bem do encerramento desta reflexão vão colacionadas adiante as principais conclusões que se construíram no desenvolvimento do trabalho.
A crescente complexidade das relações humanas na sociedade contemporânea tem-se refletido em um questionamento no sentido de reavaliar, numa perspectiva geral, a própria validade do estatuto epistemológico de cada ramo do saber.
O Direito, a exemplo do que sucedeu com as demais ciências humanas, com as quais partilha sua origem, por força do racionalismo e das filosofias liberais do século XVII, acabou por sofrer uma leitura matematizada em sua metodologia, o que já indica grave risco de afastamento da realidade que deveria descrever e regular.
A noção de ciência centrada no objeto e não no sujeito, que calha muito bem às ciências naturais, pouco convém às ciências sociais e, dentre elas, muito menos ao direito, enquanto regulador e disciplinador de condutas, operacionalizadas, em regra, pelo direito processual.
Em razão dessa conjuntura o direito acabou por se transformar em um sistema de conceitos desvinculado da realidade. Nesse contexto, insere-se o processo profundamente marcado pelo paradigma liberal-individual, residindo aí a principal fonte de sua crise de efetividade.
O pensamento de Thomas Kuhn bem visualiza esse fenômeno, na proporção em que desenvolve a noção de paradigma, via do qual representa os modelos de racionalidade que se impõem em cada época e como, de tempos em tempos, a crise do paradigma anterior conduz à transição entre um modelo e outro, o que ocorre sempre que um paradigma já esgotou sua capacidade enquanto tal.
Essa problematização, ainda mais incisiva em Michel Foucault, concernente às condições de gênese e permanência no processo de constituição de um paradigma científico, permite descortinar as razões fundantes do paradigma e de sua sobrevivência, ponto cujo discernimento revela-se imperioso para o estudo de tema em franca transição.
O Direito, sobretudo o processual, cruza os umbrais do positivismo em busca de uma resposta mais plural e concorde com a realidade. Sob o mesmo pálio, o direito processual reconhece a falibilidade de seus métodos na medida em que não encontra soluções efetivas aos conflitos que lhe são propostos, sobretudo quando se pensa na solução individual de conflitos entre capital e trabalho, que ressoam tensões históricas.
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As ciências humanas, quadro maior onde se insere o Direito, herdaram das ciências naturais o desejo de se constituir como ciência propriamente dita, muito embora não fosse assim admitida em sua gênese, exatamente porque seu objeto não se identificava com o método científico das ciências naturais.
Assim, o método empírico, em razão de sua decantada objetividade, foi invocado para conferir imparcialidade na observação dos fatos pelo juiz. A exacerbação desse raciocínio, que de fato ocorreu no paradigma positivista, importa em admitir que o direito limita-se ao ordenamento positivo e que sua interpretação é meramente subsuntiva.
Tal metodologia foi, aos poucos, tornando-se discriminatória no sentido de estabelecer o que poderia ser um conhecimento válido, e marginalizando as formas de conhecimento que não se "encaixavam" no modelo mecanicista.
Assim, sacrificou-se a pluralidade e a diferença em nome da regularidade, a solidariedade em nome da neutralidade científica, as experiências conquistadas pelo senso comum em nome das normas científicas; havendo desperdício da experiência de grupos sociais, justamente daqueles menos favorecidos na pirâmide social; fenômeno esse que, na contemporaneidade, culmina na exclusão, quase segregacionista, de grupos inteiros.
As ciências tornaram-se um poder à parte, e muitas vezes muito mais forte do que as outras formas de poder burocraticamente constituídas como tal, sobretudo as prescritivas (como o Direito e a Psicologia) e as de formação (como a Pedagogia).
A relação entre o cientificismo e o capitalismo na sociedade moderna é descortinada no pensamento de Michel Foucault. Esse regime necessita de vários saberes sobre o homem, e sem eles encontraria dificuldades para se implantar e permanecer enquanto sistema. Em outros modos de produção semelhantes, em que também há um forte poder estabelecido, verificou-se que foi necessário o domínio sobre o corpo, como é o caso da escravidão e da vassalagem, antecedentes históricos do trabalho assalariado.
Por entre esse pano de fundo está também a gênese da oposição do binômio capital/trabalho e a preponderância do capital sobre o labor assalariado, que pode encontrar força de resistência no agrupamento organizado e político no espaço público, politicamente, e no espaço da tutela metaindividual, processualmente.
As ideias de Hannah Arendt sobre esfera pública e privada se apresentam como bom ponto de partida para uma reflexão sob viés filosófico da questão do coletivo, num primeiro momento associada à ideia de esfera pública.
Segundo essa pensadora, o estatuto da opinião acabou por se elevar ao mais alto grau quando se tornou assunto corrente desde o sistema filosófico platônico.
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Isso inverteu a hierarquia predominante das formas de discurso que percorreram toda a tradição filosófica desde Platão, na qual a doxa nunca fora admitida como um instrumento de acesso à verdade.
Essa virada é especialmente relevante porque na doxa reside o gérmen da consciência coletiva, além de caracterizar a esfera pública.
O encurtamento do espaço público marca a crise do individualismo, herança do liberalismo, e pode ser caracterizado na gênese da crise que se reflete também na jurisdição estatal, sendo razoável sustentar a validade deste elo entre processo e democracia, sob o viés do espaço público.
As vertentes alternativas à crise do paradigma liberal-individual têm índole pluralista, pois propõem a abertura do sistema, de modo a que o sistema jurídico torne-se mais aberto e adaptável a qualquer situação concreta que se lhe submeta.
A Constituição da...
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