Falhas de mercado e falhas de governo: uma revisão da literatura sobre regulação econômica

AutorHumberto Alves de Campos
Páginas281-303

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1 Introdução

Regulação econômica12 é um tema estudado nos campos da Economia, do Direito e da Ciência Política. Cada uma dessas áreas aponta aspectos importantes deste assunto complexo. A Economia tem tradicionalmente considerado a regulação de certos tipos de indústrias ou grupos de indústrias, avaliando como os incentivos econômicos podem ser instrumentos de políticas públicas, no plano microeconômico. A Ciência Política tem se preocupado com os fenômenos políticos e governamentais para a formulação e implementação das políticas públicas.Page 282 O Direito está voltado para o conjunto de regras adotado e a efetividade de sua aplicação, bem assim para as regras dos procedimentos administrativos3.

No campo da Economia, a regulação econômica é analisada por duas óticas que se destacaram nos estudos sobre o tema. De um lado, há uma abordagem que procura definir as condições e os princípios da intervenção regulatória na atividade econômica, chamada de análise normativa como uma teoria positiva4 da regulação que define as condições e os princípios da intervenção na economia. De outro, uma abordagem positiva, que se convencionou denominar teoria econômica da regulação, que procura entender como o processo regulatório se organiza, incluindo as variáveis políticas. Esta escola, portanto, incorpora elementos da ciência política na análise da intervenção do Estado na economia.

O objetivo deste artigo é fazer uma breve abordagem do tema regulação, sob uma perspectiva econômica, apresentando os argumentos das duas abordagens acima mencionadas.

2 Regulação

Os estudos sobre regulação econômica foram realizados, originalmente, em países de língua inglesa. “Regulation” é o termo que se refere à atividade desenvolvida pelo Estado. “Regulator” é o sujeito que promove a “regulation”. A tradução mais própria para nosso vernáculo seria “regulamentação”, para a atividade, e “regulamentador”, para o sujeito. Entretanto, na terminologia consagrada no Direito brasileiro, a expressão regulamentação corresponde ao detalhamento da aplicação de uma norma de cunho abstrato e geral5.

De forma mais restrita, a regulamentação corresponde ao desempenho de atividade executiva. A Constituição Federal prevê no art. 84, inc. IV, que incumbe ao Presidente da República, dentre outras competências, “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decreto e regulamentos para sua fiel execução”. O conceito “regulation”, porém, é muito mais amplo e qualita-Page 283tivamente distinto, conduzindo à utilização da expressão “regulação” ao invés de “regulamentação”6.

A regulação pode incidir sobre qualquer objeto social, como a saúde a família, a educação, a saúde ou o trabalho. No entanto, é no âmbito da Economia que o termo vem sendo utilizado mais frequentemente no Direito brasileiro. E é no âmbito do Direito Econômico que o tema vem sendo tratado como maior profundidade7.

Em uma tentativa de chegar a um conceito conclusivo sobre o termo regulação, Alexandre Santos de Aragão afirma que:

A regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis.8

A professora Maria Sylvia Zanello Di Pietro define a regulação, no âmbito jurídico, de forma ampla, abrigando a regulação social e a regulação econômica. Assim, a “regulação constitui-se como o conjunto de regras de conduta e de controle da atividade econômica pública e privada e das atividades sociais não exclusivas do Estado, com a finalidade de proteger o interesse público”9.

A regulação, em uma visão mais restritiva, visaria exclusivamente garantir o equilíbrio do mercado, coibindo práticas distorcidas dos agentes econômicos. Isto é, a regulação teria o objetivo de corrigir as falhas de mercado, assegurando o equilíbrio interno do sistema regulado. Porém, em uma visão mais alargada, a função reguladora deveria ser mais ampla, devendo atuar naPage 284 manutenção do funcionamento do mercado, bem assim buscando introduzir objetivos de ordem geral que não seriam alcançados exclusivamente pela iniciativa privada10.

3 A justificativa para a regulação econômica: falhas de mercado

Nos termos de Posner, “regulação econômica é a expressão que se refere a todos os tipos de impostos subsídios, bem como os controle legislativo e administrativo explícitos sobre taxas, ingresso no mercado e outras facetas da atividade econômica”11.

Até o começo dos anos 60, a teoria dominante sobre a regulação era aquela denominada como “análise normativa como uma teoria positiva” (NPT). Essa teoria considera que as falhas de mercado são as razões que levam à regulação de determinada atividade econômica. Uma vez adotadas medidas regulatórias, supõese que os agentes reguladores diminuem ou eliminam as ineficiências geradas pelas falhas de mercado. No início dos anos 60, a falha de mercado mais popular era o monopólio natural12, seguido, a distância, pelas externalidades13.

A análise normativa da regulação “vê a formulação e a implementação de políticas como um problema técnico, ou mesmo como um problema de controle de engenharia”14. Mesmo ao tentar incluir limitações de informação, externalida-Page 285des, risco, etc. a abordagem normativa é uma simplificação que abstrai as instituições políticas e econômicas. Os adeptos dessa abordagem argumentam que suas análises sugerem políticas que levariam a bons resultados se implementadas de acordo com usas recomendações e sem alterações pelo processo político15.

Dessa forma, a abordagem normativa procura fundamentar quando a regulação deve surgir e que forma ela deveria tomar para maximizar o bem-estar social. Essa análise, portanto, proveria uma explicação técnica para instrumentalizar uma regulação voltada para o interesse público.

A abordagem normativa está alinhada com uma linha de pensamento que está baseada na teoria do interesse público, segundo a qual a regulação é instituída com o propósito de defender o interesse público contra perdas de bem-estar associadas às falhas de mercado. Essa teoria pressupõe que os legisladores e reguladores são maximizadores do bem-estar social, buscando corrigir problemas de falhas de mercado16. Nesse sentido, a regulação econômica refere-se àquelas intervenções cujo propósito é melhorar o funcionamento do mercado, isto é, onde existam falhas de mercado17.

A lógica econômica tradicional para a regulação de falhas de mercado diz respeito aos problemas e à maximização da eficiência em mercados caracterizados por monopólios ou oligopólios18. Monopólios são comumente associados com ine-Page 286ficiências, estáticas e dinâmicas. Do ponto de vista estático, os monopólios criam ineficiências, cobrando preços muito acima dos seus custos marginais que se traduzem em lucros extraordinários. Em termos dinâmicos, os monopolistas não têm incentivos para investir em inovação tecnológica e melhora de seus produtos ou serviços o que restringe os ganhos de produtividade da economia.

A questão da externalidade também sempre foi relevante na regulação econômica. A externalidade surge quando as empresas ou indivíduos realizam ações que levam em consideração somente os benefícios e os custos privados, e não os custos e benefícios sociais. O benefício privado corresponde somente ao benefício do indivíduo que consome o bem ou serviço. O benefício social leva em consideração o impacto desse consumo para todos os indivíduos da sociedade19.

Quando o benefício social é maior do que o benefício privado, a externalidade é definida como positiva. Um exemplo é de um indivíduo que cuida do jardim da sua casa, beneficiando não somente ele mesmo, mas outros moradores da vizinhança. A externalidade negativa, contrariamente, é caracterizada quando os custos dos produtores ou vendedores, chamados de custos privados, não são totalmente internalizados20. Esses custos, então, são distribuídos e absorvidos pela sociedade. A degradação ambiental é um tipo de externalidade negativa na medida em que o subproduto gerado pela atividade econômica, ao ser consumido pela sociedade de forma forçada, provoca a deterioração dos fatores de produção dos demais agentes econômicos e a perda de bem-estar dos indivíduos21.

Com a expansão da atuação do Estado na economia, surgiram outras justificativas para a regulação econômica. Além das tradicionais falhas relacionadas aos monopólios e às externalidades, questões como assimetrias de informação e insuficiente provisão de bens públicos foram acrescentados como justificativas para a atuação regulatória do Estado.

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Em relação à assimetria de informação, é importante apontar que os modelos de competição de mercado se apoiam no pressuposto da informação perfeita em que os consumidores, ao tomarem sua decisão, sabem tudo o que precisam saber sobre a qualidade de um produto, preço da concorrência etc. Tal pressuposto não é realista porque obter informações tem custos, os produtos podem ser complexos ou seus efeitos somente serem sentidos no longo prazo ou, ainda, há efeitos colaterais desconhecidos22.

A assimetria de informação também permite o surgimento do risco moral e da seleção adversa. O risco moral ocorre quando as ações das partes do contrato não são diretamente observáveis e não podem ser objeto de negociação e não podem ser incorporadas ao contrato23, portanto, é um problema de ação oculta. A seleção adversa se refere à situação na qual um lado do mercado não pode observar a...

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