Fascismo pelos olhos de Pachukanis/Fascism through Pachukanis eyes.

AutorHansen, Thiago

A ascensão de lÃÂderes do chamado "populismo de direita" no inÃÂcio do século XXI criou as condições concretas para um novo surto de estudos sobre o fascismo, o autoritarismo e suas relações com as instituições e com o pensamento jurÃÂdico. Personagens como Viktor Órban, Rodrigo Duterte, Donald Trump e Jair Bolsonaro foram responsáveis por uma nova guinada nas práticas polÃÂticas que recolocaram o fascismo - e o neofascismo - no centro das reflexões das ciências humanas e sociais. Na imprensa, importantes historiadores especialistas debateram a racionalidade e a conveniência de se nominar "fascista" as práticas e os lÃÂderes acima mencionados (1).

Nesse bojo, foi remobilizada a montanha bibliográfica produzida no século XX sobre esse que foi uma das ideologias e práticas polÃÂticas mais marcantes dos novecentos. Foram resgatadas e reformadas análises de tradição marxista, como os textos de Enzo Traverso ou de Fernando Rosas, também foram publicadas, traduzidas e discutidas as compreensões mais tipológicas do fascismo, como aquelas realizadas por Michael Mann. Novos textos, como os de Federico Fichelstein ganharam espaço nas livrarias, e mesmo o fascismo brasileiro - o integralismo - que andava desaparecido do debate público ganhou novas publicações em grandes editoras com o objetivo de atingir um público não especialista, como é o caso dos livros de Leandro Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, e também o livro de Pedro Dória.

Em suma, o fascismo voltou infelizmente àmoda, seja nas suas práticas polÃÂticas que assolam o Brasil e muitos paÃÂses do mundo, mas seja também - e nesse sentido é um reflexo positivo - na academia como um objeto de estudo, pesquisa e revisitação. É dentro deste contexto mais amplo que foi publicado no Brasil, e pela primeira vez em português, em fins do conturbado ano de 2020, Fascismo, de Evguiéni B. Pachukanis (1891-1937). Trata-se de uma coletânea de textos, escritos pelo mais importante jurista soviético, sobre as caracterÃÂsticas jurÃÂdicas, polÃÂticas, sociais e econômicas desse fenómeno que marcou de forma incontornável o turbulento século XX.

Traduzidos diretamente do russo pela competente Paula Vaz de Almeida, e acompanhado de um detalhado e instrutivo prefácio do professor Alysson Leandro Mascara, o livro reúne quatro textos produzidos em perÃÂodos diferentes, com objetivos diversos, mas todos versando sobre o fascismo. Em um arco temporal que vai de 1926 a 1933, os artigos ali reunidos podem tanto instruir o leitor sobre a condição histórica do fascismo quanto servir ao historiador do direito como uma fonte luminar sobre a história do pensamento jurÃÂdico marxista no inÃÂcio dos novecentos.

Um fato patente já destaca sua relevância: trata-se de uma análise sobre o fascismo, feita no calor do momento, dentro da tradição marxista, que àépoca contava com outros pioneiros tais como Leon Trotsky e Clara Zetkin, e levada a cabo por um jurista que, àquela altura, havia acabado de terminar de escrever seu livro mais importante, Teoria Geral do Direito e Marxismo (1924). A condição de jurista não deve criar expectativas tecnicistas no leitor, sendo seus escritos muito distantes de um compilado de detalhes legislativos, modificações pequenas ou minúcias jurÃÂdicas mais estreitas. Antes disso, Pachukanis mobiliza o manancial de instrumentos disponÃÂveis ao jurista do inÃÂcio do século XX para compreender a realidade polÃÂtica, social e institucional da Itália e Alemanha. O segundo fato, ou camada textual, que invoca a relevância e o interesse para o historiador do direito é a posição particular desse jurista: trata-se de um marxista e um dos principais teóricos da tradição leninista, produzindo suas análises na União Soviética e mobilizando suas análises tomando partido em favor dos comunistas.

Longe de compor um mero panfleto pró-soviético ou uma manifestação daquilo que poderia se entender como um marxismo vulgar, Pachukanis não deixa de bem compreender os elementos normativos, as alterações institucionais e inovações legislativas, ao mesmo tempo que as conjuga com um diagnóstico mais amplo sobre o funcionamento dos regimes fascistas, sem com isso reduzir o direito àdireta causalidade mecânica da realidade material, nem submetendo-o ao imediato controle do capitalismo, como uma manifestação unilateral de interesses de classe. Aliás, o autor apresenta no primeiro e mais relevante texto da coletânea, Para uma caracterização da ditadura fascista (1926), uma frase que já o afasta de qualquer leitura mais dogmática das relações de determinação: "dizer que o fascismo é a ditadura do capital é dizer muito pouco" (PACHUKANIS, p. 26). Nesse sentido, por serem textos que modulam interpretação de conjuntura com instrumental teórico e analÃÂtico, os artigos de Pachukanis soam ou rimam com o estilo e as pretensões de Karl Marx em seus escritos mais jornalÃÂsticos e polÃÂticos...

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