Federalismo e política de transporte ferroviário. Renovação antecipada dos contratos de concessão. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.991.

AutorCássio Roberto dos Santos Andrade, Valmir Peixoto Costa e Raquel Alkmim Figueredo Mendonça
Páginas781-817
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FEDERALISMO E POLÍTICA DE TRANSPORTE
FERROVIÁRIO. RENOVAÇÃO ANTECIPADA DOS
CONTRATOS DE CONCESSÃO. A AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE 5.991
Cássio Roberto dos Santos Andrade1
Valmir Peixoto Costa2
Raquel Alkmim Figueredo Mendonça3
SUMÁRIO: 1. Federalismo e Relações Intergovernamentais (RIGS). Concep-
ção – 2. A Federação Brasileira e as Políticas Públicas: Aprendendo o Jogo da
Via Cooperativa – 3. Política de Transporte Ferroviário no Brasil: 3.1. Anteceden-
tes Históricos; 3.2. A Política de Transporte Ferroviário a Partir de 1988; 3.3. As
Concessões Ferroviárias no Programa Nacional de Desestatização da Década de
1990; 3.4. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – 4. O Processo
de Renovação Antecipada das Concessões Ferroviárias: 4.1. A Medida Provisória
Nº 752/2016 e a Lei Nº 13.448/2017; 4.2. Das Inconstitucionalidades Presentes na
Norma. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.991 – 5. Considerações finais.
1.
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais. Procurador
do Estado. Professor licenciado do Centro Universitário de Belo Horizonte. Advogado.
2. Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Ge-
rais. Procurador do Estado.
3. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. As-
sistente do Advogado-Geral do Estado.
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
1. FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVER-
NAMENTAIS (RIGS). CONCEPÇÃO
No campo da ciência jurídica, o federalismo sempre pau-
tou estudos relacionados à teoria geral do Estado e à teoria da
Constituição, evidenciando o aspecto formal do instituto en-
quanto um conjunto de regras que sustentam a distribuição
do poder político, horizontal e verticalmente, sem investigar o
aspecto substantivo das relações de poder mantidas e oportu-
nizadas por esse conjunto de regras institucionalizado.
Na ciência política, o conceito de “federalismo” tem pro-
duzido acirrado debate acadêmico, a tal ponto que alguns au-
tores o desqualificam como apto a explicar alguma coisa, pro-
pondo a não utilização do termo, que mais confundiria do que
explicaria a realidade estudada. As dificuldades começam na
constatação de que países com grande diversidade geográfica,
histórica e cultural entre si adotam formalmente a federação
como modelo de organização do Estado. A variedade dos ar-
ranjos ditos federativos continua alinhavada pela certeza de
que o objetivo dessas diferentes sociedades é o mesmo: equi-
librar diferenças ou, em outros termos, garantir a unidade na
diversidade como destaca Elazar4, o que, a princípio, parece
revelar uma contradição em seus próprios termos.
De todo modo, não se pode perder de vista que toda a dis-
cussão conceitual sobre o federalismo remonta a um instituto:
a liberdade. Já nos idos do surgimento da Federação Ameri-
cana, o mote central da discussão nas treze colônias era como
equilibrar a preservação da liberdade unindo-se para fins co-
muns em uma sociedade que se tornava cada vez mais diver-
sificada e complexa. Não é por outro motivo que Madison in-
daga: “Mas afinal, o que é o próprio governo senão o maior de
todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem
anjos, não seria necessário haver governos”5.
4. Apud ROCHA, Carlos Alberto de Vasconcelos. Significados e tendências do fede-
ralismo e das relações intergovernamentais no Brasil e na Espanha. In: HO-
CHMAN, Gilberto; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (Org.). Federalismo e políti-
cas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013, p. 37.
5. HAMILTON, Alexandre; JAY, John; MADISON, James. O federalista. Brasília:
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FEDERALISMO (S) EM JUÍZO
A solução encontrada pelos “Federalistas” foi possível a
partir da premissa teórica de que a maior ameaça à liberdade
dos indivíduos é o poder das facções, que somente poderia
ser neutralizado com a coordenação dos interesses conflitan-
tes e não apenas pela representação, o que exige reconhecer,
a priori, que o conflito é inerente à Federação. Limongi, ci-
tando Madison, destaca esse traço essencial no processo de
criação do novo Estado Federal:
[...] a preocupação central da legislação moderna é a de fornecer
os meios para a coordenação dos interesses em conflito. Levar à
coordenação dos interesses é a marca distintiva das repúblicas
por oposição à violência do conflito entre facções características
das democracias populares. Ante o bloqueio mútuo das partes, a
coordenação aparece como a única alternativa para decisão dos
conflitos, o interesse geral se impondo como a única alternativa.
6
A importância da Federação Americana no processo histórico
de institucionalização dos Estados Modernos não pode ser menos-
prezada (ainda que nem todos tenham percorrido o mesmo cami-
nho histórico) e vai permear todos os estudos sobre o federalismo.
William Ricker, um dos mais conceituados estudiosos so-
bre o tema, fundamenta sua análise a partir do objetivo ideali-
zado ao se instituir a Federação, o que, segundo ele, acabaria
por gerar dois tipos básicos. O primeiro deles, cognominado
de federalismo para “unir” (come together), corresponderia
ao modelo americano, cujo propósito básico era amalgamar
unidades autônomas em uma nova entidade. Nesse modelo, o
“pacto federativo” consubstancia o elemento chave da união
centralizada. Em polo oposto, estaria o federalismo para
“manter a união” (hold together), que nasceria da divisão de
um poder central em autonomias regionais.
Duas outras vertentes teóricas se destacam no estudo
do federalismo como um processo, delimitado histórica e
Editora UNB, 1984.
6. LIMONGI, Fernando Papaterra. O federalista: remédios republicanos para males
republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política. 13. ed.
São Paulo: Ática, 2005. v. 1, p. 243-287.

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