Florestas Públicas no Mundo
Autor | Raul Miguel Freitas de Oliveira |
Ocupação do Autor | Professor Doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP, na cadeira de Direito Administrativo, Ambiental e Sanitário |
Páginas | 173-199 |
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Segundo Maria Teresa Cristina de Deus1, a principal floresta do mundo em extensão é a Floresta Boreal, também denominada de Floresta de Coníferas, que ocupa uma área de mais de 6 (seis) bilhões de hectares ou quase 12 (doze) milhões de quilômetros quadrados, o que equivale a 24% (vinte e cinco por cento) da superfície do globo terrestre.
Tal floresta está situada no extremo norte da Europa, Ásia e América do Norte, nos territórios de países desenvolvidos, motivo pelo qual não há tanta pressão para sua conservação como há com as florestas tropicais que, em sua grande maioria, estão localizadas nos países subdesenvolvidos.
Países como o Canadá e a Rússia (por este último chamada de “taiga”), possuem aproximadamente 70% (setenta por cento) da Floresta Boreal e na porção dela existente no território do Estado do Alaska, dos Estados Unidos da América, se encontra a maior floresta nacional norte-americana, de natureza jurídica pública, com uma extensão de 69 (sessenta e nove) mil quilômetros quadrados2.
Trata-se da “Floresta Nacional Tongass” (“Tongass National Forest”), criada por ato do presidente Theodore Roosevelt Jr., em 10
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de setembro de 1907, que possui as características de unidade de conservação e é administrada pelo Serviço Florestal Norte-Americano (“US Forest Service”), órgão do Ministério da Agricultura daquele país.
Em relação às florestas tropicais, são os países da América Latina, África, Oceania e Ásia seus maiores detentores, sendo que no Brasil está localizada a maior parte da Floresta Amazônica, cuja função ambiental é de ser “reguladora climática, tanto da região tropical propriamente dita, quanto da parte sul da América do Norte”, sendo que “até mesmo os países do ocidente da Europa acabam sendo beneficiados do ponto de vista climático”, segundo explica Maria Teresa Cristina de Deus3.
Além da Floresta Amazônica, o Brasil também se destaca por possuir a Mata Atlântica e outros biomas de interesse nacional, tal como a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, todos incluídos no § 4º do artigo 225, da Constituição Federal, e denominados “patrimônio nacional”, que, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro4, é expressão que designa a ideia de “coisa incorpórea (...) cuja proteção ultrapassa a esfera dos direitos individuais para entrar na categoria de interesses públicos (...) sujeito a normas especiais de proteção (...)”.
Andréa Struchel e Élson Roney Servilha5anotam que o Brasil conta com “a segunda maior área florestal do planeta, com 470 (quatrocentos e setenta) milhões de hectares, a floresta amazônica e a mata atlântica sofrem com o predadorismo nacional e internacional (...)”.
Luís Paulo Sirvinskas6informa que a Floresta Amazônica possui uma área aproximada de 3,5 (três e meio) milhões de quilômetros quadrados e a Amazônia Legal, conforme artigo 1º, § 2º, inciso VI, do
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Código Florestal, compreende os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste o meridiano 44ºW, do Estado do Maranhão.
Dessa forma, trata-se da “segunda maior floresta do mundo, com 554 milhões de hectares, o que representa 14% da área mundial, a qual ocupa 64,3% do território nacional (FAO, 2005)”, segundo Amália Maria Goldberg Godoy7.
Ainda segundo tal doutrinadora8, no Brasil, “cerca de 50% das florestas se encontram em áreas públicas” e:
No caso da Amazônia, por exemplo, 75% estão em áreas públicas. Desse total, as Unidades de Conservação e Terras Indígenas, ou seja, as áreas protegidas juntas, representam 30% do total e outros 45% são de terras públicas de uso ainda não definido ou desprotegida (LBA, 2005).
Na Exposição de Motivos nº 14 /MMA/GM/2005, de 16 de fevereiro de 2005, que acompanhou o Projeto de Lei nº 4.776/2005, a então Ministra de Estado do Meio Ambiente, Marina Silva, explanou de forma semelhante:
Com a maior diversidade de espécies e ecossistemas do planeta, habitada por uma das mais diversas e amplas concentrações de povos e culturas indígenas, as florestas brasileiras protegem a circulação de 20% da água doce disponível no mundo.
3.2 Afora a grande extensão e diversidade de florestas, o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de produtos florestais tropicais. (...)
3.5 A Amazônia brasileira, responsável por mais de 90% da produção florestal de áreas naturais do Brasil, apresenta, segundo estimativas, apenas 24% do território reclamado como área privada e 29% com áreas legalmente protegidas, incluindo as Unidades de Conservação e Terras
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Indígenas. Neste cenário fundiário, restam 47% da superfície ocupada por terras públicas ou devolutas, com cobertura predominantemente florestal e sobre as quais o exercício da atividade do Estado é ainda incipiente. [grifo nosso]
Das informações retrocoligidas, a extensão de florestas públicas, somente na Floresta Amazônia brasileira, é de quase um milhão e setecentos e cinquenta mil quilômetros quadrados, o que, por si só, sinaliza a dificuldade de sua gestão.
Entre as principais experiências de gestão de florestas públicas estrangeiras, destacam-se como positivas as de países como o Canadá e Austrália, conforme informação de Vicente Gomes da Silva9, Procurador Federal do IBAMA, que também apontou, ao contrário, como experiências negativas as dos países africanos, como Costa do Marfim, Camarões, República Centro Africana e República Democrática do Congo e países asiáticos, como Indonésia e Filipinas, que “fracassaram com projetos semelhantes”.
Eder Zanetti10informa que no Canadá, desde a década de 1990, foram criadas onze florestas-modelo com o objetivo básico de servir de “transição do manejo convencional para a produção florestal sustentável e a conservação dos recursos naturais”. Tais florestas-modelo têm sido uma solução valiosa também para a gestão das florestas de domínio público e daquelas existentes em áreas de comunidades indígenas.
Explica o doutrinador que o programa de florestas-modelo iniciado no Canadá foi estruturado em forma de rede, para envolver outros países como Estados Unidos da América, México, Rússia, “estando em fase final de associação a Malásia, Japão, Chile e Argentina, havendo ainda mais 25 países que já acenam com a possibilidade de sua participação em um futuro próximo”.
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Porém, no continente asiático, asseverou que a Malásia “pode ser citada como experiência um pouco mais exitosa neste sentido, pelo fato de que o manejo da floresta naquele país é de longo prazo – em torno de 70 anos – e a legislação é rigorosíssima em relação ao descumprimento de regras de proteção das florestas”.
O mesmo doutrinador, em relação aos países da América Latina, ressaltou que no Peru, “onde se fizeram grandes investimentos públicos nos anos 1960 e 1970, as florestas continuam sendo fortemente devastadas”.
Stela Maria Ramos de Melo11, ao contrário, expressa visão mais otimista, informando que, no Peru, “o Ministério do Meio Ambiente é assessorado pelos Estados Unidos, uma vez que este país possui facilidade de certificação de produtos florestais. É cobrada patente pelo uso da floresta, tanto para as terras públicas, como para as privadas”.
Ela também informa que na Bolívia vigora a Lei nº 1.700/97, que dispõe sobre a concessão empresarial, concessão para associações sociais e locais, e, quanto às terras indígenas, “os empresários contratam diretamente como os índios, que possuem assessoria do governo”, sendo que o processo de concessão, “ao contrário do Brasil, é aberto às empresas internacionais”. Ainda, os prazos de concessão são de até quarenta anos, com possibilidade de renovação por igual período, e as auditorias são quinquenais e somente sobre as empresas que não possuam certificação dos produtos florestais.
No Paraguai, informa Moisés Villalba González e Carlos José Caetano Bacha12, toda terra com cobertura florestal, “seja de propriedade estatal, seja privada, está sujeita ao regime da Lei nº 422, que data de 16 de novembro de 1973 e que regula a utilização e conservação das florestas e bosques do país”.
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Pelo relato de tais doutrinadores, o “Servicio Forestal Nacional (SFN)”, do Ministério da Agricultura, é o órgão estatal gestor, em cujas atribuições se incluem a formulação da política florestal, a administração das “reservas estatais” e outorga de “licenças e concessões para explorar bosques do Estado”.
Ainda, segundo eles, as florestas públicas do Paraguai são classificadas como “florestas protetoras” e seu uso é outorgado ao particular por meio de “permissões e concessões”, sendo que “(...) uma permissão permite a exploração de até 1.000 m3 por ano de madeira de espécies selecionadas pertencentes a lotes de até 100 ha”. Quanto a áreas de até 2.000 ha (dois mil hectares), é permitida a concessão a “pequenas indústrias e cooperativas” por um período de até cinco anos. Tais permissões e concessões não dependem de licitação e são outorgadas diretamente pelo “Servicio Forestal Nacional”. Para áreas maiores, de até 10.000 ha (dez mil hectares), pode ser adotada concessão de caráter contratual e antecedida de licitação, por período de até oito anos, com possibilidade de renovação por mais cinco anos, somente para indústrias. Tanto as concessões contratuais ou não, quanto as permissões, são intransferíveis.
Adentrando no continente europeu, tem-se que na França, conforme relata Jacqueline Morand-Deviller13, professora da Universidade de Paris I (Pantheón-Sorbonne), apesar das florestas fazerem parte tradicionalmente do domínio privado, são submetidas às normas de direito público, pois: “Beaucoup de forêst, en effet, sont à fa fois affectées à l’usage...
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