Formação lógico-linguística do conhecimento e a construção do discurso científico

AutorAlaôr Caffé Alves
Páginas11-50
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FORMAÇÃO LÓGICO-LINGUÍSTICA DO
CONHECIMENTO E A CONSTRUÇÃO DO
DISCURSO CIENTÍFICO
Alaôr Caffé Alves
Professor livre docente da FADUSP. Coordenador do Curso de
Direito da FACAMP.
Sumário: 1. Introdução. Instâncias do conhecimento: linguagem,
conceito e realidade – 2. Integração entre as instâncias da lingua-
gem e do pensamento. Sentido e linguagem – 3. A substância do
pensamento. O conceito de relação e suas implicações – 4. Forma
inespecífica assumida pelos conceitos subjacentes – 5. O sentido
perceptivo em face do sentido lógico-linguístico – 6. Análise do
sentido linguístico e a lógica subjacente – 7. Sentido, ordem e
materialidade – 8. Ciência e linguagem – 9. Relações linguísticas
conceituais e reais no direito. A ciência e a tecnologia do direito
– Referências.
1. Introdução. Instâncias do conhecimento: linguagem,
conceito e realidade
Este trabalho tem por finalidade o estudo das condições
lógico-linguísticas do conhecimento na construção do
discurso da ciência. As mesmas partem do pressuposto
de que a linguagem, sua estrutura e funcionamento são
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LÓGICA E DIREITO
fundamentais para a construção do conhecimento em geral e
da ciência em especial. Essa concepção aprofundou-se após o
movimento filosófico, iniciado por Wittgenstein, chamado “giro
linguístico”, ao criticar a filosofia da consciência, iniciada a
partir de Descartes. Este trabalho tentará, em última instância,
descrever e explicar as relações entre o pensamento e a
linguagem, questão esta muitas vezes tida como misteriosa.
Não existe ciência sem um discurso, sem a linguagem.
No entanto, ela não se confunde com o discurso, com a mera
linguagem, visto que a ciência, primordialmente, se compõe
de conceitos, de proposições, e não só de palavras ou fra-
ses. Contudo, a linguagem, o discurso, têm a função de re-
velar também uma estrutura conceitual subjacente à própria
linguagem. Essa estrutura conceitual, o pensamento, é que
constitui propriamente o conhecimento e, particularmente, a
ciência.
Por outro lado, a ciência é sempre um conjunto organiza-
do de conceitos a respeito de um objeto que, numa visão rea-
lista, diz respeito ao mundo que nos cerca. Isso não significa
que possamos conceber a linguagem como algo separado dos
conceitos, pois estes têm sua materialidade constituída pela
própria linguagem. Os conceitos dependem, para existirem,
da linguagem, mas não se confundem com ela. É como uma
moeda que tem cara e coroa; uma não existe sem a outra, em-
bora uma não seja a outra. Mais para frente, tentaremos mos-
trar o mecanismo dessa relação integradora do conhecimento
geral e, em especial, do científico.
O conhecimento é uma tessitura conceitual, uma organi-
zação de relações abstratas que tem, como sustentação mate-
rial, a linguagem. A beleza, por exemplo, só existe em coisas
belas. As coisas não se confundem com a beleza; porém, sem
essas coisas, a beleza não tem como se manifestar. A música
pode ser bela; a poesia e a mulher também. A materialidade
do suporte é necessária para a realidade da beleza. Os concei-
tos possuem, da mesma forma, como seu suporte material, a
linguagem expressa oral ou graficamente, quer seja no mundo
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CONHECIMENTO E LÓGICA
dos fatos – nos livros e nas comunicações sonoras – quer seja
no mundo da experiência interna subjetiva, em nossa consci-
ência, como imagens ou representações acústicas ou gráficas
das palavras ou enunciados pelos quais se manifesta o pensa-
mento (conceitos e proposições).
A linguagem como representação subjetiva é experimen-
tada por nós como uma espécie de discurso interno, subjetivo,
silencioso, em nossa imaginação, como se estivéssemos con-
versando conosco mesmos. A linguagem, mesmo em sua re-
presentação subjetiva, como imagem acústica ou gráfica, em
nossa consciência, não são os conceitos, não é o pensamento
puro. Estes conceitos, por sua vez, como relações abstratas,
ainda que dependentes da linguagem, distinguem-se desta,
como iremos ver. Um é pelo outro, mas um não é o outro. A
palavra é um signo simbólico que aponta para seu sentido, ou
seja, para o conceito que a anima significativamente. A pa-
lavra cadeira aponta para seu sentido (para aquilo que não
é ela), para o conceito “cadeira”, ou seja, “assento com um
espaldar alto”. A palavra sem o seu sentido, sem o seu con-
ceito, é um mero som ou grafia – algo que, por si mesmo, é
ininteligível.
Por outro lado, nem as palavras, nem os conceitos con-
fundem-se com a realidade das coisas e processos a que eles
se referem. Uma coisa é a palavra, dita, escrita ou imaginada,
outra, é o conceito (ideia) pensado e outra, mais ainda, é a re-
alidade a que se referem; são três instâncias distintas, porém
inseparáveis: linguagem, pensamento e realidade. Este trio é
o que chamamos de triângulo semiótico.
Porém, é preciso fazer outra distinção relevante: entre o
conceito (abstrato) e a realidade (concreta) por ele referida,
existe ainda uma instância subjetiva muito importante, que
é a imagem manifestada na imaginação. A imagem, é muito
ligada às nossas impressões sensíveis, como representação
subjetiva imagética ou figurativa, sob forma relativamente
definida, como uma espécie de fotografia interna, quando se
trata de imagens visuais. A imagem que uma determinada
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