Formalismo e segurança jurídica no Direito Tributário: por que ainda somos formalistas

AutorDaniel Giotti de Paula
CargoGraduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvi- mento pela UERJ. E-mail: daniel.giotti@gmail.com
Páginas87-119
Formalismo e segurança jurídica no Direito
Tributário: por que ainda somos formalistas
Formalism and legal safety in Tax Law: why we
are still formalists
Daniel Giotti de Paula*
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro – RJ, Brasil
1.Introdução
O debate entre segurança e justiça tem sido preocupação da sociedade e de
juristas há séculos.
Para uma visão formalista, ou pelo menos assim considerada pela
dogmática jurídica, importaria reduzir o Direito à identificação das fontes
sociais e esperar da doutrina apenas a elaboração de enunciados sobre as
normas postas.
Autores mais ligados a preocupações substanciais, ou que pelo menos
assim se rotulam, propõem que o Direito está além das fontes sociais, chan-
celando que questões de justiça e de moral, ainda que não formalmente
incorporadas aos sistemas jurídicos, sejam discutidas e orientem a identifi-
cação do direito posto e sua aplicação.
Aproximam-se aqui discussões em torno da tese das fontes sociais e da
relação entre direito e moral – as teses clássicas sobre as quais o positivis-
mo jurídico firmou posição, mas também outras que envolvem os limites
* Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em Teoria do Estado
e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvi-
mento pela UERJ. E-mail: daniel.giotti@gmail.com
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da função da linguagem jurídica, o papel dos julgadores, a necessidade de
completude do sistema jurídico e a abertura a razões não-jurídicas para
interpretar e aplicar o Direito.
A dogmática tributária não passa infensa a essa discussão. Pelo contrá-
rio, no Brasil, talvez o ramo do Direito que mais esteja envolto em questões
teóricas sobre os limites da dogmática e juízos de moralidade política seja
o Direito Tributário.
Nesse artigo serão abordadas doutrinas formalistas e não-formalistas
na dogmática tributária, mas a partir de uma tentativa de verificar porque
todos os que lidamos com o Direito na prática seríamos um pouco forma-
listas e tentar expurgar uma tendência em se identificar formalismo a uma
postura restritiva sobre o Direito.
Ao final, pretende-se mostrar como o formalismo ainda nos influencia
– e como isso pode ser bom no que se espera do Direito –, e como questões
substanciais podem ser melhor debatidas, a partir de uma abordagem tam-
bém analítica e não desconsiderado, aprioristicamente, as fontes sociais do
Direito Tributário.
2. Formalismo jurídico: anal, o que é isso, e por quê não o temer?
O termo formalismo jurídico é daqueles que padecem de graves problemas
na discussão científica, gerando disputas intermináveis sobre sua defini-
ção, tipologia1 e adjetivações retóricas.
A um, tem-se que é expressão polissêmica, apresentando mais de um
significado, servindo para representar o direito como um ciência descritiva
– formalismo cientifico2 –, para identificar uma postura autocontida dos
intérpretes e aplicadores em relação ao direito posto – ao qual se ligam
quatro teses a seguir vistas – e, ainda, para expressar o legalismo ético,
segundo o qual um ato será justo se estiver conforme a lei ou a um modelo
de direito preestabelecido3.
1 José Frederico Arena (2010), baseando-se nas classificações de Bobbio e Tarello, identifica: a)
o formalismo do ordenamento jurídico; b) o formalismo de concepção de justiça ou formalismo
ideológico. c) o formalismo da ciência do direito, seja com relação ao conceito de direito (for-
malismo teórico), seja com relação à interpretação jurídica (formalismo metodológico).
2 BOBBIO, 1999, p. 220.
3 ARENA, 2010, p. 187.
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A dois, é termo carregado de pré-conceitos, pois, não raro, para se
mostrar a discordância de uma teoria ou de uma interpretação, um emissor
a rotula de formalistas, crítica que une autores diversos como H.L.A. Hart,
M. Horwitz, K. Llewellyn e Roberto Mangabeira Unger4.
Assim, aproximam-se formalismo, positivismo, legalismo e legalidade.
Um mapa extenso sobre o que cada termo representa fugiria aos escopos
deste artigo, mas se percebe, na comunidade cientifica e na prática jurídi-
ca, um elo entre essas realidades. O uso indiscriminado dos termos sugere:
impossibilidade de contato entre moral e direito, a restrição do trabalho
dos juízes em decidir com base nas fontes sociais do Direito e, na dúvida
entre legalidade e legitimidade, focar-se na legalidade.
Numa tentativa de simplificar os termos apenas para se chegar a um
consenso do que se discute, tem-se que formalismo, no plano da teoria do
direito e da dogmática jurídica, consiste em submeter seu objeto de conhe-
cimento, o direito posto, “a um prévio processo de formalização, de modo
a aplicar a ele uma metodologia que seja redutora de suas complexidades
intrínsecas”5.
Sob o prisma formalista, exige-se rigor conceitual e analítico para iden-
tificação do que seja o Direito, seja em uma abordagem mais geral, como
fazem a Teoria do Direito, a Ciência do Direito e a Jurisprudência, seja em
uma abordagem mais específica, própria da dogmática jurídica, que se vale
dessa preocupação mais geral, é verdade, mas para identificar as bases do
direito positivo6.
No plano da interpretação e da aplicação do direito positivo, o forma-
lismo seria uma postura de restrição judicial, aproximando-se da primeira
tese clássica do positivismo jurídico – a da exclusividade das fontes sociais
–, e da adoção de uma amoralidade necessária no processo de adjudicação,
o que se aproxima da outra tese clássica do positivismo, a da separação
4 SCHAUER, 1988, pp. 509-510.
5 FERREIRA NETO, 2012, p. 113.
6 Os três termos da abordagem geral do Direito serão usados, indistintamente, para caracteri-
zar a postura teórica de se entender o que é o direito, separando as normas jurídicas de outras
normas sociais. O uso indistinto se deve ao fato de que os autores analisados ao longo do texto
referem-se aos três termos. Pelo contexto, acredita-se que seja possível entender a mensagem
de cada um deles, evitando-se um trabalho que tivesse que explicar, a cada momento, o porquê
cada autor escolhe um ou outro termo. Quanto ao uso de dogmática, não existem maiores di-
vergências, embora, na prática cotidiana dogmática e doutrina sejam utilizadas para se referir
ao conjunto de conhecimentos em torno a um objeto específico do direito posto ou de um
ordenamento jurídico.
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