Fraude à Execução e o Elemento Subjetivo no CPC/2015

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Introdução

O novo CPC/2015, como era de se esperar, trouxe muitos aperfeiçoamentos em pontos isolados do sistema. Contudo, em outros, ainda não atingiu o estádio que se espera. Exemplo disto pode ser encontrado no tratamento da responsabilidade patrimonial, em que, apesar de al-guns poucos avanços, foi extremamente tímido ao tratar da fraude à execução. Em relação a esta houve um pequeno passo à frente, mas resta muito a fazer.

Preocupa o tratamento empírico que se tem dado aos casos de alegação de fraude à execução. Vem de longe o entendimento de que para a configuração da fraude à execução não é necessário analisar o elemento subjetivo das partes (vendedor e comprador), bastando tão somente o negócio visto sob o ponto de vista objetivo. Pior que isso é, ainda, a pregação de que a fraude à execução é de natureza objetiva e que, por isso, dispensa a análise do elemento subjetivo dos participantes do negócio jurídico. Sabendo-se que o direito é dinâmico e que está em cons-

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tante evolução e com frequentes aprimoramentos, procurou-se, neste estudo, demonstrar a necessidade de se levar em conta o elemento subjetivo (dolo) com a vontade livre e consciente do vendedor e do comprador, sem as quais não se pode falar em fraude à execução.

A doutrina civilista desde há muito vem pregando que todo negócio jurídico deve ser realizado em presença de certos requisitos, que sem estes não terá validade. Entres estes requisitos, está a capacidade de contratar, que exige do agente a vontade livre, consciente e espontânea para contratar. Da mesma forma, para que se possa considerar que determinado ato tenha sido realizado em fraude (fraude geral), exige-se sempre a presença de dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de estar agindo com a intenção de dar prejuízo a outrem; para fraude à execução, a exigência deve ser a mesma.

Não existe fraude objetiva, visto que a subjetividade da fraude é elemento essencial para que esta se configure1. No caso de fraude à execução, como qualquer outra fraude, exige-se a presença e atuação de no mínimo duas pessoas, sendo que uma pessoa sozinha não pode frau-dar com prejuízo a si mesma. Toda fraude exige pluralidade de pessoas, com vontades livres e conscientes de que estão agindo com aquela intenção e finalidade. Esta intenção e finalidade com o objetivo de frau-dar e produzir prejuízo a outrem são os elementos configuradores do dolo, sem o qual não haverá fraude alguma. Não existe fraude objetiva nem fraude culposa, por isso é que se exige agente capaz, vontade livre e consciente.

1. Capacidade

Toda pessoa é capaz de direito, obrigações e deveres (CC/2002, art. 1º). Mas, nem todas as pes-soas estão em condições de exercer certos atos em determinado momento, mesmo sendo capazes (CC/2002, art. 3º, III). A pessoa capaz pode, em certa situação ou em determinado momento, não estar em condições de exercer livremente as suas faculdades mentais. Nestas hipóteses a pessoa não poderá exercer livre e espontaneamente a sua vontade. Pode até, em determinada situação, manifestar a sua vontade, mas sem liberdade e espontaneidade, o que fragiliza a sua capacidade e afasta a imputabilidade de sua responsabilidade pelo ato. Assim o é, de maneira geral no mundo dos negócios, não podendo deixar de sê-lo nos casos de alegação de suposta fraude à execução.

Por esta razão, quem não tem capacidade, como os incapazes que de maneira geral, permanente ou momentaneamente não podem praticar fraude, por ausência de livre manifestação de vontade. O mesmo pode acontecer com o devedor que, por qualquer razão, em determinado momento, tem a sua capacidade diminuída e, por isso, deixa de agir livre e espontaneamente. Quando isto se dá, em que o devedor se vê obrigado a alienar algum bem, ou com sua resistência abalada, perde a sua espontaneidade, não resistindo às dificuldades ou perigos do momento, acaba por ceder e alienar bem ou direito, sendo que este ato não pode ser considerado em fraude à execução nem fraude contra credor, por falta de dolo. Por isso é que a pessoa em estado de incapacidade não pode cometer fraude. O mesmo se dá com o devedor que em determinado momento tem a sua capacidade abalada e a resistência diminuída, a ponto de não poder exercer a sua vontade de forma espontânea, também não pratica fraude à execução.

2. Elemento subjetivo

A doutrina e a jurisprudência, em sua remansosa manifestação, têm propalado que para a configuração da fraude de execução não se há de indagar sobre o elemento subjetivo do devedor. Isto é, não se cogita da análise do adquirente agir de boa ou de má-fé2.

As posições neste sentido são respeitáveis e a elas o autor filiou-se por muito tempo. Entretanto, faz algum tempo, começou-se a repensar a questão e a fazer-se uma releitura dos textos legais e uma reanálise do sistema jurídico e, com isso, passou-se a suspeitar da posição antes assumida3.

Como restou anotado acima, a figura da fraude, por si mesma, já implica a existência necessária (ainda que implícita) do elemento subjetivo. Inexiste fraude objetiva. O estudo da fraude qualquer que seja a sua modalidade sempre levará ao elemento subjetivo “intenção”, que corresponde à vontade livre e consciente de fraudar alguém ou alguma relação jurídica4.

Sem a figura da “intenção”, fio condutor maior da manifestação de vontade e que é o elemento propulsor da fraude, jamais se poderá falar em existência deste vício, seja de que modalidade for. Em demonstração de que o direito é dinâmico e está em constante evolução, em julgamento recente restou reconhecido que para que exista fraude à execução é necessária a presença da intenção do devedor5.

De outro lado, para se ter a fraude à execução é necessária a conjugação de duas figuras inseparáveis, sem as quais não se poderá pensar em fraude. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta a figura da fraude que deve estar alicerçada na vontade livre, consciente e espontânea de fraudar. Em segundo lugar, a figura do dano, pois sem este não há prejuízo, e sem prejuízo na

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há fraude. A fraude somente se caracteriza quando houver prejuízo.

Amilcar de Castro (1974), depois de dizer que para a caracterização da fraude de execução são necessários o dano e a fraude, e que sem a presença cumulativa desses dois elementos aquela não ocorrerá, traz à colação a lição sempre atual de Carnelutti, nestes termos:

“No incisivo dizer de Carnelutti, a lei quer proteger o credor contra a redução artificial, ou patológica do patrimônio do devedor; não contra os riscos naturais ou fisiológicos de sua insuficiência; em outros termos, a lei quer amarrar as mãos do devedor desonesto, não as do devedor de boa-fé; e, se dispusesse em contrário, prejudicaria a liberdade de movimentos e iniciativas necessárias à prosperidade dos negócios. Em tais condições, além do dano, deve ter havido fraude, que é o conhecimento ou previsão, do dano causado.”6

Nada mais correto do que este ensinamento de Carnelutti, muito bem observado por Amilcar de Castro, pois somente é possível falar-se em fraude se da atuação do agente resultar algum dano a outrem, porque o dano representa prejuízo, e sem prejuízo não se pode falar em fraude.

3. Dolo das partes

Não se pode pensar em fraude sem prejuízo e nem neste, sem dano. Pensar em fraude sem prejuízo é o mesmo que pensar em chuva sem água. O dano é o efeito que marca e demonstra a existência da fraude. Além do dano que se exige para a configuração da fraude, é necessário que este seja oriundo de atuação dolosa do agente. Sem o dolo e o dano não haverá fraude. Consiste o dolo no conhecimento dos efeitos danosos e na vontade da prática de ato ilícito. O conhecimento é pressuposto da vontade, sem ele não haverá vontade. A junção da vontade e o conhecimento, acrescidos da intenção de praticar o ilícito, constituem o dolo. Em qualquer modalidade de fraude, deve estar presente o dolo, que se forma do conhecimento do ilícito, da vontade livre e consciente, da intenção e a finalidade de enganar, devendo preponderar este dolo em face do fim almejado pelo agente7.

O dolo teve origem no latim dolus, que representa a vontade de prejudicar alguém através da astúcia, engano, esperteza, ardil etc. Enfim, é a vontade acrescida do conhecimento e da intenção de praticar o ato ilícito.

A lei penal, no art. 179 do CP, tipifica a fraude à execução como crime doloso, visto que inexiste modalidade culposa, em caso de fraude. Todavia, a sua consumação precisa do concurso de pessoas (comprador e vendedor), bem como o conhecimento e a intenção de praticar o delito. Não há fraude à execução sem o dolo. O agente prevê e quer o resultado ilícito. Age com a intenção de provocar um evento danoso ou resultado contrário ao direito.

A ausência de dolo afasta a tipificação do crime de fraude à execução. Se assim o é, para a esfera penal, também deve ser na órbita civil. Só poderá haver a fraude à execução se houver o concurso de vontades entre alienante e adquirente8. Não agindo o executado alienante e o terceiro adquirente em conluio e com a intenção de prejudicar o exequente, não se pode falar em fraude à execução. Para que se dê a fraude à execução não basta a simples vontade e a intenção do alienante em fraudar o credor. Há necessidade da vontade e da intenção também do adquirente. Somente poderá haver fraude à execução se houver o concurso de vontades e intenções entre o executado e o terceiro adquirente. Sem esta conjunção de vontades e intenções de prejudicar o credor, não haverá fraude à execução9.

4. Vontade livre e consciente do executado

O agente da fraude age deliberadamente com a vontade...

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