Frustração do fim do contrato e seu fundamento no ordenamento brasileiro

AutorMaria Proença Marinho
Páginas7-57
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FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO
E SEU FUNDAMENTO
NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
1.1 ANTECEDENTES TEÓRICOS
A frustração do fim do contrato é aplicada, guardadas as
peculiaridades, em diversos ordenamentos de Common Law e de
origem romano-germânica, com o objetivo de solucionar questões
jurídicas que não podem ser resolvidas por meio da aplicação de
outras f‌iguras positivadas naquelas experiências jurídicas, como
a impossibilidade superveniente e a onerosidade excessiva. Os
contornos do instituto se desenvolveram, principalmente ao longo
do século XX, tendo por base alguns antecedentes teóricos, que,
todavia, não se confundem com a noção atual de frustração do
f‌im do contrato. Algumas dessas f‌iguras serão ora analisadas, não
com o objetivo de exauri-las, mas de contextualizar a evolução da
matéria objeto desta dissertação.
1.1.1 Coronation cases e doutrina da frustração
Com a morte da Rainha Vitória, em janeiro de 1901, o seu
f‌ilho primogênito, Alberto Eduardo, assumiu o trono britânico,
tornando-se Eduardo VII. Respeitando uma tradição inglesa de
cerca de nove séculos, a cerimônia de coroação do novo regente
na Abadia de Westminster foi marcada para os dias 26 e 27 de
junho de 1902.
Como a cerimônia seria precedida de um grande cortejo nas
ruas de Londres, foram realizadas diversas contratações para aluguel
de lugares, barcos e apartamentos com a f‌inalidade de se assistir a
procissão e a revista da frota militar. Ocorre que, dois dias antes da
data marcada, foi anunciado o adiamento da cerimônia – sem indi-
cação de nova data –, em razão de uma grave crise de apendicite que
acometeu o rei. Tal circunstância gerou uma série de controvérsias
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
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que foram levadas ao Judiciário inglês. Esse grupo de casos f‌icou co-
nhecido como coronation cases e é considerado a origem da doutrina
da frustration of purpose no direito inglês.
O mais famoso dentre os coronation cases é Krell v. Henry.1 Krell,
que era proprietário de um apartamento na rua Pall Mall, com vista
privilegiada para parte do trajeto do cortejo, anunciou por meio de
cartaz aposto em seu imóvel que “as janelas estavam disponíveis para
aluguel para assistir o cortejo da coroação”.2 Tendo se interessado
e após tratativas verbais, Henry enviou uma correspondência ao
anunciante em 20 de junho de 1902, nos seguintes termos:
Tendo recebido o enviado no último dia 18, encaminho um formulário de
acordo para os aposentos localizados no terceiro andar de 56A, Pall Mall, que
concordei em alugar por dois dias, 26 e 27 do presente, pelo valor de 751. Pelos
motivos ofertados, não posso celebrar o acordo, mas, conforme acertado por
telefone, segue anexo um cheque de 251 como depósito, agradeço se puder
conrmar que terei o completo uso desses aposentos durante os dias (e não
noites) de 26 e 27 do presente. Cone que teremos todo cuidado com a área e
seu conteúdo. No dia 24 farei o pagamento da diferença, 501, para completar
os 751 acordados.3
Na mesma data, o anunciante (por meio de seu representante
legal) enviou a seguinte resposta:
Recebi sua carta desta data encaminhando um cheque de 251 como depósito
de sua concordância em alugar os aposentos do Sr. Krell no terceiro andar de
56A, Pall Mall, por dois dias, 26 e 27 de junho, e conrmo que o senhor terá
1. INGLATERRA. Krell v. Henry (1903) 2 K.B. 740, Court of Appeal. Disponível em:
. Acesso em: 21 set. 2018.
2. Tradução livre de: “windows to view the coronation processions were to be let”. (INGLA-
TERRA. Krell v. Henry (1903) 2 K.B. 740, Court of Appeal. Disponível em:
www.trans-lex.org/311100>. Acesso em: 21 set. 2018).
3. Tradução livre de: “I am in receipt of yours of the 18th instant, inclosing form of agreement
for the suite of chambers on the third f‌loor at 56A, Pall Mall, which I have agreed to take for
the two days, the 26th and 27th instant, for the sum of 751. For reasons given you I cannot
enter into the agreement, but as arranged over the telephone I inclose herewith cheque for
251. as deposit, and will thank you to conf‌irm to me that I shall have the entire use of these
rooms during the days (not the nights) of the 26th and 27th instant. You may rely that every
care will be taken of the premises and their contents. On the 24th inst. I will pay the balance,
viz., 501., to complete the 751. agreed upon.” (INGLATERRA. Krell v. Henry (1903) 2
K.B. 740, Court of Appeal. Disponível em: g/311100>. Acesso
em: 21 set. 2018).
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1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
todo o uso desses aposentos durante os dias (e não noites), a diferença, 501,
deverá ser paga a mim na próxima terça-feira, 24 do presente.4
Com o cancelamento da coroação – justamente no dia 24 de
junho –, Henry registrou seu desinteresse na locação e se recusou
a pagar o restante do preço acordado, levando Krell a acioná-lo em
juízo. Em sua defesa, Henry sustentou que o contrato foi baseado
na condição implícita de que haveria a procissão, tanto que o preço
acordado entre as partes foi muito superior ao que seria normalmente
contratado para o apartamento em questão.
A Court of Appeals inglesa julgou improcedente a demanda, libe-
rando Henry do pagamento do saldo. Af‌irmou a corte que, nesse tipo
de caso, impõe-se analisar as seguintes questões: (i) diante de todas
as circunstâncias do caso, qual era a base do contrato; (ii) a execução
do contrato foi impedida; e (iii) pode-se af‌irmar razoavelmente que
o evento que impediu a execução não foi contemplado pelas partes
quando da celebração do contrato? No caso em questão, entendeu-se
que a resposta às três indagações seria positiva, levando à liberação
das partes do cumprimento de suas obrigações.
Especif‌icamente em relação à primeira questão, asseverou-se
ser necessário investigar, à luz das circunstâncias do caso reconhe-
cidas por ambas as partes, qual seria a substância do contrato e se
tal substância dependeria do pressuposto de que as coisas existam
em determinado estado.5 Na hipótese específ‌ica, concluiu-se que:
4. Tradução livre de: “I am in receipt of your letter of to-day’s date inclosing cheque for 251. deposit
on your agreeing to take Mr. Krell’s chambers on the third f‌loor at 56A, Pall Mall for the two
days, the 26th and 27th June, and I conf‌irm the agreement that you are to have the entire use of
these rooms during the days (but not the nights), the balance, 501., to be paid to me on Tuesday
next the 24th instant.” (INGLATERRA. Krell v. Henry (1903) 2 K.B. 740, Court of Appeal.
Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2018.).
5. “Entendo que primeiro se deve verif‌icar, não necessariamente a partir dos termos do
contrato, mas, se preciso, das inferências necessárias, feitas a partir das circunstâncias
reconhecidas por ambas as partes, qual é a substância do contrato e então indagas se
tal substância contratual precisa, para a sua base, da presunção de existência de um
determinado estado das coisas.”
Tradução livre de: “I think that you f‌irst have to ascertain, not necessarily from the terms of
the contract, but, if required, from necessary inferences, drawn from surrounding circumstances
recognised by both contracting parties, what is the substance of the contract, and then to ask the
question whether that substantial contract needs for its foundation the assumption of the existence
of a particular state of things.” (INGLATERRA. Krell v. Henry (1903) 2 K.B. 740, Court of
Appeal. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2018)
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
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Na minha visão, a realização da procissão naqueles dias e naquele percurso,
que passaria por 56A, Pall Mall, foi considerada por ambos os contratantes
como a base do contrato; e penso que não seria razoável supor que, quando da
celebração do contrato, as partes teriam considerado a possibilidade de que a
coroação não ocorreria naqueles dias ou que a procissão não ocorreria naqueles
dias e naquele percurso. (...) Não apenas o interesse do contratante de assistir a
coroação, mas a procissão de coroação e a posição dos aposentos formaram a
base do contrato tanto para o contratado, quanto para o contratante; e penso que
se o Rei tivesse falecido antes da coroação, mas após a celebração do contrato,
o contratante não poderia ter insistido no uso dos aposentos naqueles dias.6
Vale registrar que os coronation cases não se resumem a Krell v.
Henry, havendo outros casos interessantes, como Herne Bay Steam-
boat Co. v. Hutton e Chandler v. Webster.
No primeiro, o contratante havia alugado um barco com o ob-
jetivo de levar um grupo para “assistir a revista naval em Spithead
e aproveitar um dia de cruzeiro em volta da frota”.7 O pedido de
reembolso do preço foi rejeitado pela Corte Inglesa, por se entender
que o propósito de Hutton não constituiu a base do contrato, ressal-
tando-se que “o barco (como um barco) não tinha nada de particular
em relação à revista naval, exceto o fato de que poderia transportar
pessoas para assisti-la: qualquer outro barco que pudesse transportar
pessoas serviria para tal propósito”.8
6. Tradução livre de: “And in my judgment the taking place of those processions on the days
proclaimed along the proclaimed route, which passed 56A, Pall Mall, was regarded by both
contracting parties as the foundation of the contract; and I think that it cannot reasonably be
supposed to have been in the contemplation of the contracting parties, when the contract was
made, that the coronation would not be held on the proclaimed days, or the processions not
take place on those days along the proclaimed route. (…) there is not merely the purpose of
the hirer to see the coronation procession, but it is the coronation procession and the relative
position of the rooms which is the basis of the contract as much for the lessor as the hirer; and
I think that if the King, before the coronation day and after the contract, had died, the hirer
could not have insisted on having the rooms on the days named.” (INGLATERRA. Krell
v. Henry (1903) 2 K.B. 740, Court of Appeal. Disponível em: .trans-lex.
org/311100>. Acesso em: 21 set. 2018).
7. Tradução livre de: “to view the royal naval review at Spithead and to enjoy a day’s cruise
around the f‌leet” (BURROWS, Andrew. A casebook on contract. 3 Ed. Oxford: Hart
Publishing, 2011. p. 695).
8. Tradução livre de: “The ship (as a ship) had nothing particular to do with the review or the
f‌leet except as a convenient carrier of passengers to see it: any other ship suitable for carrying
passengers would have done equally as well.” (INGLATERRA. Herne Bay Steam Boat Co.
v. Hutton [1903] 2 KB 68. Disponível em: < http://www.lawandsea.net/List_of_Cases/H/
HemeBaySteam_v_Hutton_1903_2_KB_683.html>. Acesso em: 28 set. 2018).
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1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Interessante notar que, apesar das similaridades dos fatos do
caso com aqueles narrados em Krell v. Henry, os julgadores – que,
aliás, foram exatamente os mesmos juízes – deram solução diversa à
disputa, tendo em vista as peculiaridades do bem locado e o fato de
que o propósito da viagem não foi considerado pelos contratados.
Ou seja, enquanto o apartamento de Krell tinha características es-
pecíf‌icas que o tornavam próprio para a f‌inalidade de visualização
da procissão, o barco de Herne Bay Steamboat Co. não tinha nada de
especial, não havendo nas circunstâncias do caso qualquer indicativo
de que o propósito de Hutton tenha se tornado a base do contrato.9
O caso Chandler v. Webster também tratou do aluguel de aposen-
tos em Pall Mall com objetivo de assistir a procissão.10 Porém, nessa
hipótese, a integralidade do preço foi paga antes do cancelamento do
evento, o que deu à corte inglesa a oportunidade de analisar a questão
dos seus efeitos. Os julgadores entenderam que as partes deveriam
ser deixadas na situação em que estavam quando ocorreu o evento
que levou à frustração do f‌im do contrato11. Esse precedente criou
9. “Me parece que a referência no contrato à revista naval é facilmente explicável, ela
foi inserida de modo a def‌inir de forma mais exata a natureza da viagem, eu não sou
capaz de trata-la como sendo uma referência de que a revista naval constitui a base do
contrato, de modo a conferir a qualquer das partes o benefício da doutrina de Taylor v.
Caldwell. Eu chego a essa conclusão mais facilmente porque o objeto da viagem não
era limitado à revista naval, mas também incluía um passeio em volta da frota. A frota
estava lá e os passageiros poderiam ter interesse em realizar o passeio. É verdade que,
diante do que aconteceu, o objeto da viagem f‌icou limitado, mas, em minha opinião
esse risco era do requerido, empreendedor do negócio em questão.”
Tradução livre de: “It seems to me that the reference in the contract to the naval review is
easily explained; it was inserted in order to def‌ine more exactly the nature of the voyage,
and I am unable to treat it as being such a reference as to constitute the naval review the
foundation of the contract so as to entitle either party to the benef‌it of the doctrine in Taylor
v Caldwell. I come to this conclusion the more readily because the object of the voyage is not
limited to the naval review, but also extends to a cruise round the f‌leet. The f‌leet was there,
and passengers might have been found willing to go round it. It is true that in the event which
happened the object of the voyage became limited, but, in my opinion, that was the risk of
the defendant whose venture the taking the passengers was.” (INGLATERRA. Herne Bay
Steam Boat Co. v. Hutton [1903] 2 KB 68. Disponível em: < http://www.lawandsea.net/
List_of_Cases/H/HemeBaySteam_v_Hutton_1903_2_KB_683.html>. Acesso em: 28
set. 2018).
10. INGLATERRA. Chandler v Webster [1904] 1 KB 493. Disponível em: < http://www.
lawandsea.net/List_of_Cases/C/Chandler_v_Webster_1904_1_KB_493.html>. Acesso
em: 28 set. 2018.
11. “Em Chandler v. Webster, as cortes inglesas decidiram há mais de um século que as partes
deveriam ser deixadas onde estavam no momento em que ocorreu o evento frustrante.”
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
12
uma regra para os efeitos restitutórios e ressarcitórios do instituto,
que só foi revista cerca de 40 anos depois, com o precedente Fibrosa
Spolka Akcyjna v. Fairbairn Lawson Combe Barbour, Ltd.12 e a poste-
rior promulgação do Law Reform (Frustrated Contracts) Act 1943,
conforme se verá no terceiro capítulo deste livro.
Fato é que os coronation cases e, especialmente, Krell v. Henry,
são um marco na jurisprudência inglesa por se ter reconhecido que
um contrato poderia ser extinto não apenas diante da impossibili-
dade de cumprimento da prestação, mas também em casos em que,
embora o cumprimento da prestação ainda seja possível, a alteração
das circunstâncias leva ao desaparecimento da base do contrato.13
1.1.2 Teoria da pressuposição
Enquanto no Common Law a doutrina da frustração se desenvol-
veu a partir de precedentes judiciais, na tradição romano-germânica,
a origem histórica da frustração do f‌im do contrato é normalmente
identif‌icada com a teoria da pressuposição, desenvolvida por Bernard
Windscheid em meados do Século XIX.
Não obstante, é digno de registro que o §378 do Código Prussia-
no (ALR), promulgado em 1794, já previa que “se em razão de uma
transformação imprevista das circunstâncias, se f‌izer impossível a
consecução da f‌inalidade última de ambas as partes, expressamente
declarada ou deduzida da natureza do negócio, cada uma das partes
pode resolver o contrato ainda não cumprido”.14
Tradução livre de: “In Chandler v. Webster, the English courts decided over a century ago
that the parties should be left where they were at the time of the frustrating event.” (GOL-
DBERG, Victor. After Frustration: Three Cheers for Chandler v. Webster. Nova Iorque:
Columbia Law School Working Paper, 2010.p. 8. Disponível em:
abstract=1703123>. Acesso em: 28 set. 2018).
12. INGLATERRA. Fibrosa Spolka Akcyjna v Fairbairn Lawson Combe Barbour, Ltd. [1943]
A.C. 32. Disponível em: . Acesso em:
28 set. 2018.
13. BEALE, Hugh et al. Case, materials and text on contract law. Oxford: Oregon, 2010. p.
1114.
14. Tradução livre de: “si a causa de una imprevista transformación de las circunstancias
se hiciere imposible la consecución de la f‌inalidad última de ambas partes, expresamente
declarada o deducida de la naturaleza del negocio, cada una de las partes puede resolver el
contrato todavía no cumplido.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento
de los contratos. Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 148).
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1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
De toda forma, não há dúvida de que grande parte das teorias
desenvolvidas em torno da temática da alteração das circunstâncias
(inclusive a teoria da pressuposição) derivam, originalmente, da
medieval clausula rebus sic stantibus, já descrita como “uma das
mais interessantes e potencialmente mais perigosas incursões ao
pacta sunt servanda”.15 Em poucas palavras, trata-se da noção de que
“um contrato é vinculante apenas enquanto e na medida em que
(literalmente) as circunstâncias permaneçam iguais ao que eram no
momento da celebração do contrato”.16 17
O processo foi, de certa forma, interrompido por volta do Sé-
culo XIX. Com o primado do dogma da liberdade contratual e da
autonomia da vontade, não havia que se falar em restrição ou miti-
15. Tradução livre: “one of the most interesting, and potentially most dangerous, inroads into
pacta sunt servanda” (ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations – roman foun-
dations of the civilian tradition. 2. Reimpressão. Cidade do Cabo: Juta & Co., 2006. p.
579).
16. Tradução livre: “a contract is binding only and as long and as far as (literally) matters
remain the same as they were at the time of conclusion of the contract.” (ZIMMER-
MANN, Reinhard. The law of obligations – roman foundations of the civilian tradition.
2. Reimpressão. Cidade do Cabo: Juta & Co., 2006. p. 579).
17. Interessante notar que, apesar de se tratar do antecedente teórico das doutrinas mo-
dernas de desequilíbrio superveniente dos contratos – que temperam a aplicação dos
chamados princípios clássicos do direito contratual –, em sua origem, a clausula rebus
sic stantibus não era vista como uma antítese à força vinculante dos contratos. Pelo
contrário, a clausula encontrava seu fundamento justamente na vontade das partes.
Uma vontade “hipotética”, como espécie de condição implícita de que as partes só se
manteriam obrigadas ao contratado se as circunstâncias permanecessem fundamental-
mente iguais. Nesse sentido, Zimmerman anota: “Isso explica o que, à primeira vista,
poderia parecer uma estranha coincidência: a doutrina da clausula foi promovida de
forma mais vigorosa pelos autores que haviam sido instrumentais para estabelecer
o princípio agora temperado pela clausula: o pacta sunt servanda. Pois, na origem de
ambos, estava o princípio de que todos os pactos eram contestáveis e as suas limitações
encontravam-se na signif‌icância especial conferida à vontade humana tanto pelos
advogados canonistas, quanto pelos teólogos morais.”
Tradução livre de: “This explains what appears to be, at f‌irst blush, a strange coincidence:
namely, that the clausula doctrine had been promoted most vigorously by those authors who
had also been instrumental in establishing the very principle now qualif‌ied by the clausula:
pacta sunt servanda. For at the bottom of both the principle that all pacts are actionable and
of its limitations there lies the specif‌ic signif‌icance attributed by canon lawyers and moral
theologians alike to the human will.” (ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations
– roman foundations of the civilian tradition. 2ª Reimpressão. Cidade do Cabo: Juta &
Co., 2006. p. 580-581).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
14
gação aos efeitos vinculantes do contrato,18 o que levou a “um novo
e prolongado silêncio sobre a teoria da clausula rebus sic stantibus”.19
Essa tendência, porém, não resistiu à inescapável realidade.
Diante de guerras mundiais, hiperinf‌lação e escassez generalizada,
assistiu-se, durante o Século XX, ao retorno das discussões e ao
desenvolvimento das teorias modernas em torno do desequilíbrio
contratual superveniente. Percursor desse movimento, Bernhard
Windscheid desenvolveu, ainda no Século XIX, sua teoria da pres-
suposição, cuja obra principal é Die Lehre des römischen Rechts von
der Voraussetzung, publicada em 1850.20
O autor retorna ao dogma da vontade das partes, af‌irmando
que a pressuposição seria uma condição não desenvolvida e não
expressamente prevista na avença, mas que serviria de pressuposto
para o contrato. Ou seja, existiria uma relação de dependência entre
a declaração de vontade e determinadas circunstâncias pressupos-
tas pelo declarante, na ausência das quais ele não teria celebrado o
contrato naqueles termos.21
Desse modo, “se o estado de coisas pressuposto não existir ou
não se concretizar ou deixar de existir, a relação jurídica constituída
por meio da declaração de vontade não se mantém a não ser sem, ou
melhor, contra a vontade do declarante”.22 Assim, “a subordinação
da ef‌icácia contratual a um qualquer estado de coisas resulta ainda
18. “Não havia aí qualquer espaço para a mitigação do efeito vinculante dos contratos em
virtude de acontecimentos supervenientes, menos ainda para a sua revisão por cortes
judiciais. O Estado, incluindo o Estado-juiz, não devia interferir no direito dos contratos,
senão para emprestar sua força coercitiva em caso de eventual descumprimento pelo
devedor (...)”. SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São
Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 138.
19. COSTA, Mariana Fontes da. Da alteração superveniente das circunstâncias. Coimbra:
Almedina, 2017. p. 128.
20. WINDSCHEID, Bernhard. Die Lehre des römischen Rechts von der Voraussetzung. Dus-
seldorf: Buddeus, 1850.
21. “Para Windscheid, existe uma relação de dependência, que o declarante estabelece,
entre a declaração negocial e certos acontecimentos ou estados de coisas. Quando essa
relação de dependência teve uma inf‌luência decisiva sobre a vontade do declarante,
em termos tais que, apesar de não ser condicionante da existência da declaração de
vontade, sem ela o sujeito não teria contratado nos termos em que o fez, então ela deve
ser elevada à categoria de pressuposição.” (COSTA, Mariana Fontes da. Da alteração
superveniente das circunstâncias. Coimbra: Almedina, 2017. p. 146.).
22. WINDSCHEID, Bernhard. Apud: MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha
e. Da boa fé no direito civil. 2. Reimpressão. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. p. 970.
15
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
diretamente da vontade das partes, tendo sido tida em conta, de
alguma forma, no momento da conclusão do contrato”.23
A teoria da pressuposição exerceu inf‌luência considerável e
chegou a ser incluída no §742 da primeira versão do Código Civil
alemão (BGB).24
Todavia, o referido dispositivo foi excluído na segunda versão
do BGB, especialmente em razão das ferrenhas críticas formuladas
por Otto Lenel.25 Em primeiro lugar, entendeu-se que a consagração
da teoria da pressuposição comprometeria a segurança jurídica das
relações comerciais.26 Ademais, af‌irmou-se que a pressuposição não
seria um conceito legal útil e se confundiria com os motivos internos
23. COSTA, Mariana Fontes da. Da alteração superveniente das circunstâncias. Coimbra:
Almedina, 2017. p. 146.
24. É bem verdade que Windscheid foi membro da comissão que elaborou a primeira
redação do BGB.
25. “Esta não consagração no BGB ter-se-á devido, em grande medida, à acérrima crítica de
Otto Lenel. Lenel começa a sua abordagem à teoria windscheidiana da pressuposição
por af‌irmar a incongruência da consagração, no §742 do primeiro projeto do BGB, da
relevância jurídica da pressuposição quanto a acontecimentos futuros e a irrelevância
que do projeto resulta quanto ao erro sobre os motivos. Defende o Autor que, assentan-
do uma doutrina num princípio único, não se pode aceitar parte dela correta e rejeitar
a outra parte, pelo que rejeitar a relevância da pressuposição quanto a factos passados
e presentes implicaria necessariamente rejeitar a relevância da pressuposição quanto
a factos futuros. Centrando a atenção no conteúdo dogmático da teoria, O. Lenel ar-
gumenta que a teoria da pressuposição é incompatível com a segurança exigida para
o comércio jurídico. Alega o Autor que não existe, nem é possível delimitar, nenhuma
f‌igura intermediária entre a condição e os motivos, pelo que o esquema da pressuposição
implicaria reconhecer relevância autónoma aos motivos que levaram o sujeito a celebrar
o contrato, ou, em alternativa, submeter a contraparte a uma condição que ela ignorava,
ou que, conhecendo, não esteve disposta, aquando da celebração, a incluir no contrato.
Ambas as conclusões seriam juridicamente inadmissíveis. Estes críticas receberam, no
todo ou em parte, acolhimento alargado por um setor signif‌icativo da doutrina germânica
predominante à época, tendo sido repetidas com frequência nas obras dedicadas a esta
temática nas primeiras décadas do século XX.” (COSTA, Mariana Fontes da. Da alteração
superveniente das circunstâncias. Coimbra: Almedina, 2017. p. 147).
26. “A principal objeção levantada pelos adversários de Windscheid era que motivos
unilaterais, embora reconhecíveis pela outra parte, não poderiam ser tratados como
condições, a menos que se tornassem termos do contrato. Tanto a segurança jurídica
como a segurança das transações comerciais estariam em grande perigo se uma das
partes pudesse repassar seu risco contratual à outra parte.”
Tradução livre de: “The main objection raised by Windscheid’s opponents was that unilateral
motives, even though recognizable by the other party, could not be treated like conditions
unless they had become terms of the contract. Both legal certainty and the security of com-
mercial dealings would be in great danger if one party were allowed to pass on his contractual
risk to the other party.” (LORENZ, Werner. Contract modif‌ication as a result of change
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
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de uma das partes, não sendo legítimo submeter a contraparte a uma
condição que não foi por ela contratada.27
Anos depois, ao comentar a polêmica em torno da teoria da
pressuposição, Windscheid af‌irmou: “estou convencido de que a
teoria da pressuposição (...) voltará de tempos em tempos a mostrar
seu reconhecimento. Posta de fora pela porta, ela voltará pela jane-
la”.28 E, de fato, ele não parecia estar errado. Apesar de duramente
criticada à época de sua publicação, a teoria da pressuposição rapi-
damente voltou às discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sendo
reconhecida como a fonte original do que atualmente se denomina
frustração do f‌im do contrato.
1.1.3 Teoria da base objetiva do negócio
Inf‌luenciado por Windscheid e pelos eventos mundiais que
marcavam o início do Século XX, em 1921, Oertmann desenvolveu
a teoria da base do negócio (die Geschäftsgrundlage). Ao criticar a
pressuposição como uma condição unilateral não desenvolvida,
o autor sustentou que o elemento da cognoscibilidade não seria
suf‌iciente, impondo-se a existência de uma bilateralidade efetiva,
presente quando “as partes querem apoiar os efeitos do negócio em
certas circunstâncias ou feitos com os quais contam e não os elevam
à condições, justamente porque pressupõem a sua existência”.29
of circumstances. In: BEATSON Jack e FRIEDMANN, Daniel (coord). Good Faith and
Fault in Contract Law. Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 361).
27. “(...) o esquema da pressuposição implicaria, de facto, submeter uma pessoa a uma
condição por ela não aceita. Por uma de duas hipóteses: ou a contraparte do negócio
desconhece, em absoluto, a ‘pressuposição’ – cenário possível, uma vez que Windscheid
exigira, para a ef‌icácia da pressuposição, não o seu conhecimento, mas a sua mera cog-
noscibilidade pela outra parte – ou, conhecendo-a, não esteve disposta, na conclusão
do negócio, a fazê-lo depender dela, tomando-a como mero assunto particular da outra
parte.” (MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil.
2. Reimpressão. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. p. 974).
28. Tradução livre de: “I am f‌irmly convinced that the tacit pressupposition (...) will time
and again claim recognition. Thrown out by the door, it will always re-enter through the
window.” (WINDSCHEID, Die Voraussetzung, AcP 78, 1892. p. 197. Apud: LORENZ,
Werner. Contract modif‌ication as a result of change of circumstances. In: BEATSON,
Jack; FRIEDMANN, Daniel (coord). Good Faith and Fault in Contract Law. Oxford:
Oxford University Press, 1995. p. 362).
29. Tradução livre de: “las partes quieren apoyar los efectos del negocio en ciertas circunstancias
o hechos con los cuales cuentan y no los elevan a condición, precisamente, porque presuponen
17
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Desse modo, segundo Oertmann, a base do negócio seria composta
por “circunstâncias que, se as partes tivessem alguma dúvida sobre
a sua continuidade ou modo de evolução, teriam sido elevadas à
categoria de condição”.30
Essa teoria, todavia, também sofreu duras críticas, em razão de
sua natureza eminentemente subjetivista e da falta de critérios que
permitissem a identif‌icação de quais assunções ou pressuposições
das partes deveriam ser alçadas ao nível de base do negócio.31 Em
contraposição à subjetividade de Windscheid e Oertmann, surgem
teorias como as de Kaufmann, Krückmann e Locher que buscam se
desenvolver a partir de elementos objetivos, trabalhando a noção de
f‌im do contrato, na tentativa de conferir maior segurança à atividade
jurisdicional.32
Então, Larenz escreve a obra Geschäftsgrundlage und Vertragser-
füllung em esforço para compatibilizar as diferentes teorias existentes,
tratando a base subjetiva e a base objetiva como hipóteses fáticas
diferentes que geram consequências jurídicas igualmente diversas.
Para o autor, a base subjetiva do negócio seria a vontade de uma
ou ambas as partes no momento da celebração do contrato, entendida
como uma representação mental que inf‌luiu fortemente na formação
su existencia.” (APARICIO, Juan Manuel. La frustración del f‌in del contrato. In: Revista
de Derecho Privado y comunitário, 2014.1. Rubinzal-Culzoni Editores. p. 167-168).
30. COSTA, Mariana Fontes da. Da alteração superveniente das circunstâncias. Coimbra:
Almedina, 2017. p. 152.
31. “Desde logo, parece de reconhecer que se a base do negócio, nos termos subscritos
por Oertmann, não resulta do conteúdo das declarações de vontade das partes, então
ela terá necessariamente de resultar das negociações anteriores ou posteriores à cele-
bração do contrato, sem que o seu teor nele seja incorporado, novamente tornando
f‌luída a distinção entre condição e motivo. Mais, esta teoria falha na identif‌icação de
um critério seguro que permita aferir, de entre todas as assunções feitas por cada uma
das partes aquando da formação da sua vontade negocial, quais devem ser elevadas a
base do negócio. Af‌irme-se, ainda, que o mero reconhecimento e não contestação das
representações sobre as quais assenta a vontade do declarante não permitem concluir
pela anuência do declaratório à subordinação do negócio jurídico à verif‌icação efetiva
das mesmas.” (COSTA, Mariana Fontes da. Da alteração superveniente das circunstâncias.
Coimbra: Almedina, 2017. p. 153-154).
32. “Parte da doutrina alemã procurou, em sentido oposto à abordagem subjetiva ou
psicológica que caracteriza as teorias de Windscheid e Oertmann, desenvolver teorias
fundadas em elementos objetivos, no afã de atribuir maior segurança ao trabalho das
cortes judiciais.” (SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar.
São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 143).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
18
de seus motivos.33 A base subjetiva deve ser tratada no campo dos
motivos e tem relevância jurídica no que diz respeito à aplicação de
institutos como o erro e os vícios de vontade.34
Já a base objetiva do negócio seria o “conjunto de circunstancias
cuja existência ou persistência é pressuposto do contrato – saibam-no
ou não as partes –, já que, se assim não fosse, não se alcançaria o f‌im
do contrato, o propósito das partes contraentes e a subsistência do
contrato não teria ‘sentido, f‌im ou objetivo”.35
Segundo a construção de Larenz, a quebra da base objetiva do
negócio poderia ocorrer em dois casos: (i) a destruição da relação
de equivalência entre as partes; ou (ii) a impossibilidade de alcançar
o f‌im do contrato.36
33. “A expressão ‘base do negócio’ pode ser entendida, e assim o foi, em um duplo sentido.
Em primeiro lugar, como a base ‘subjetiva’ da determinação de vontade de uma ou de
ambas as partes, como uma representação mental existente ao concluir o negócio e
que inf‌luenciou grandemente na formação dos motivos. (...)”
Tradução livre de: “La expresión ‘base del negocio’ puede ser entendida, y así lo ha sido,
en un doble sentido. Em primer lugar, como la base ‘subjetiva’ de la determinación de la
voluntad de una o de ambas partes, como una representación mental existente al concluir
el negocio que ha inf‌luido grandemente em la formación de los motivos. (...)” (LARENZ,
Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora Revista
de Derecho Privado, 1956. p. 37).
34. “A base subjetiva do negócio jurídico entra, como dissemos, no campo dos motivos
e deve ser concebida juridicamente dentro da teoria do erro nos motivos e ‘vícios de
vontade’.”
Tradução livre de: “La base del negocio subjetiva entra, como hemos dicho, en el campo de
los motivos y ha de concebirse jurídicamente dentro de la teoría del error en los motivos y
de los ‘vicios de voluntad’.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de
los contratos. Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 38).
35. Tradução livre de: “conjunto de circunstancias cuya existencia o persistencia presupone
debidamente el contrato – sépanlo o no los contratantes –, ya que, de no ser así, no se lograría
el f‌in del contrato, el propósito de las partes contratantes y la subsistencia del contrato no
tendría ‘sentido, f‌in u objeto’.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento
de los contratos. Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 37)
36. “A impossibilidade de alcançar o f‌im objetivo do contrato destacado em seu conteúdo,
ou, na terminologia de KRÜCKMANN, a impossibilidade de atingir a consecução do
f‌im (ou do exercício do direito), constitui, ao lado da destruição da relação de equi-
valência, a segunda hipótese de fato típico em que (de forma independente à hipótese
juridicamente regulada de impossibilidade da prestação) o contrato não merece ser
conservado ou ser conservado sem modif‌icações por ter perdido seu sentido originário.”
Tradução livre de: “La imposibilidad de alcanzar el f‌in objetivo del contrato puesto de relieve
en el contenido del mismo, o, según la terminología de KRÜCKMANN, la imposibilidad
de consecución del f‌in (o del ejercicio del derecho), constituye, al lado de la destrucción
de la relación de equivalencia, el segundo supuesto de hecho típico al realizarse el cual
19
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
A primeira hipótese é a mais reproduzida e comentada em nosso
ordenamento, sendo comumente enfrentada pelos doutrinadores
brasileiros que analisam a sua obra, especialmente quando o fazem
no contexto do estudo da onerosidade excessiva, expressamente
contemplada no Código Civil brasileiro.
Porém, e é essa hipótese que mais interessa ao presente trabalho,
Larenz também explorou a possibilidade de quebra da base objetiva
quando a f‌inalidade do contrato se tornasse inalcançável, embora a
prestação do devedor ainda fosse possível.37 Ao tratar do tema, o autor
assevera que a f‌inalidade imediata das partes em um contrato bilate-
ral é obter a contraprestação. Não obstante, habitualmente as partes
terão também uma segunda ou até uma terceira f‌inalidade, como, por
exemplo, a de usar o bem adquirido para determinado f‌im.38
(con independencia del caso, legalmente regulado, de imposibilidad de la prestación) el
contrato no merece ser conservado o serlo sin modif‌icaciones por haber perdido su sentido
originario.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 147).
37. “Um contrato não pode subsistir como regulação dotada de signif‌icado: (...) b) quando
a f‌inalidade objetiva do contrato, expressa em seu conteúdo, resultou inalcançável,
mesmo quando a prestação do devedor ainda for possível. ‘Finalidade objetiva do
contrato’ é a f‌inalidade de uma das partes se a outra também a fez sua. Isto deve ser
admitido especialmente quando tal propósito é derivado da natureza do contrato e
quando determinou o conteúdo da prestação ou o valor da contraprestação.”
Tradução livre de: “Un contrato no puede subsistir como regulación dotada de sentido:
(…) b) cuando la f‌inalidad objetiva del contrato, expresada en su contenido, haya resultado
inalcanzable, aun cuando la prestación del deudor sea todavía sea posible. ‘Finalidad ob-
jetiva del contrato’ es la f‌inalidad de una parte si la otra la hizo suya. Esto ha de admitirse
especialmente cuando tal f‌inalidad se deduzca de la naturaleza del contrato y cuando ha
determinado el contenido de la prestación o la cuantía de la contraprestación.” (LARENZ,
Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora Revista
de Derecho Privado, 1956. p. 170).
38. “A f‌inalidade primeira e imediata de cada parte de um contrato bilateral é obter a con-
traprestação. O comprador deseja dispor dos bens adquiridos; o arrendatário, usar de
maneira normal ou acordado a coisa arrendada; o comissário, que a obra contratada
seja realizada. Esta f‌inalidade é clara a partir da natureza do contrato em questão; é uma
f‌inalidade comum, já que cada parte quer perseguir a f‌inalidade do outro para obter o
seu; portanto, é necessariamente o conteúdo do contrato. Mas essa primeira f‌inalidade
geralmente está ligada no âmbito das representações das partes com uma segunda e,
às vezes até, uma terceira f‌inalidade: o comprador vai querer usar a coisa para um de-
terminado propósito (por exemplo, consumi-la, fazer um presente de casamento com
ela, ou aliená-lo depois de tê-la transformado em outra coisa); o arrendador, usar as
instalações arrendadas de uma certa maneira (por exemplo, para explorar uma certa
indústria), etc.”
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
20
Para que tais f‌inalidades integrem a f‌inalidade objetiva do con-
trato – passível, portanto, de ensejar a quebra da base objetiva –, é
preciso que a contraparte as assuma como suas. Ou seja, nas palavras
do autor, a f‌inalidade objetiva do contrato é “a f‌inalidade de uma parte
se a outra a fez sua. Isso se admite especialmente quando tal f‌inalidade
se deduza da natureza do contrato e quando houver determinado o
conteúdo da prestação ou a quantia da contraprestação”.39
Por outro lado, não deverão ser levadas em conta, as circunstân-
cias (i) pessoais ou que estejam sob o controle da parte prejudicada;
(ii) que repercutam no contrato apenas porque a parte prejudicada
estava em mora; e (iii) que integravam o risco do contrato.40
Com o desaparecimento do f‌im do contrato, conf‌igura-se a
quebra da base objetiva do contrato e, por conseguinte, autoriza-se
a extinção do vínculo.
Tradução livre de: “La f‌inalidad primera e inmediata de cada parte de un contrato bilateral
es obtener la contraprestación. El comprador quiere disponer de las mercancías compradas;
el arrendatario, usar del modo normal o convenido la cosa arrendada; el comitente, que
se realice la obra contratada. Esta f‌inalidad se desprende de la naturaleza del contrato en
cuestión; es una f‌inalidad común, puesto que cada parte quiere procurar la f‌inalidad de la
otra para así conseguir la suya; por tanto, es necesariamente contenido del contrato. Pero
esta primera f‌inalidad se enlaza de ordinario en las representaciones de las partes con una
segunda y, aún a veces, una tercera f‌inalidad: el comprador querrá emplear la cosa para un
determinado f‌in (por ejemplo, consumirla, hacer con ella un regalo de boda o enajenarla
después de haberla transformado en su industria); el arrendador, usar de cierto modo los
locales arrendados (por ejemplo, explorar en ellos una determinada industria), etc.” (LA-
RENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora
Revista de Derecho Privado, 1956. p. 166).
39. Tradução livre de: “es la f‌inalidad de una parte si la otra la hizo suya. Esto ha de admitirse
especialmente cuando tal f‌inalidad se deduzca de la naturaleza del contrato y cuando ha
determinado el contenido de la prestación o la cuantía de la contraprestación.” (LARENZ,
Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora Revista
de Derecho Privado, 1956. p. 170).
40. “Não devem ser levados em consideração, em sentido contrário, eventos e transforma-
ções que: a) são pessoais ou estão na esfera de inf‌luência da parte prejudicada (neste
caso, opera como limite a ‘força maior’); b) afetaram o contrato somente porque a parte
prejudicada se encontrava, no momento da ocorrência do prejuízo, em mora solvendi
ou accipiendi; c) porque, sendo previsíveis, fazem parte do risco assumido no contrato.”
Tradução livre de: “No han de tenerse em cuenta, por el contrario, los acontecimientos y
transformaciones que: a) son personales o están em la esfera de inf‌luencia de la parte per-
judicada (en este caso opera como limite la “fuerza mayor”); b) repercutieron en el contrato
tan sólo porque la parte por ellos perjudicada se encontraba, al producirse los mismos, em
mora solvendi o accipiendi; c) porque, siendo previsibles, forman parte del riesgo asumido
en el contrato.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos.
Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 170).
21
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
1.2 O DESENVOLVIMENTO DA FRUSTRAÇÃO DO FIM
DO CONTRATO NAS EXPERIÊNCIAS JURÍDICAS
ESTRANGEIRAS
A partir dos antecedentes teóricos tratados no item anterior e
da necessidade prática verif‌icada diante da ocorrência de eventos
extraordinários, como guerras mundiais e crises econômicas seve-
ras, que afetaram sobremaneira os contratos e relações comerciais, a
frustração do f‌im do contrato se desenvolveu na doutrina e na juris-
prudência em diferentes países. Atualmente, a frustração do f‌im do
contrato é aplicada em diversas experiências jurídicas como forma de
resolver questões específ‌icas, cuja solução não foi possível por meio
da aplicação de institutos jurídicos tradicionais, já anteriormente
consolidados naqueles ordenamentos.
Evidentemente sem a pretensão de realizar estudo de direito
comparado, pode-se dar notícia de peculiaridades da evolução do
instituto em alguns dos países onde a frustração do f‌im do contrato
se tornou mais relevante.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a doctrine of frustration se
desenvolveu, como era de se esperar, a partir dos coronation cases.41
O instituto foi alçado às luzes em terras americanas com os chama-
dos liquour prohibition cases. Com a proibição da comercialização de
bebidas alcoólicas na década de 1920, locatários de espaços utiliza-
dos para o referido f‌im buscaram a rescisão de contratos de locação
alegando justamente a aplicabilidade da doutrina da frustração do
f‌im do contrato. E, de fato, nos casos em que estava previsto expres-
samente que os espaços seriam utilizados para a venda de bebidas
alcóolicas, os contratos foram extintos.
Maior discussão houve nas hipóteses em que as partes estabe-
leceram que o local serviria como “taberna” (saloon). Embora haja
precedente no sentido de que os contratos deveriam ser mantidos na
medida em que o locatário poderia utilizar o espaço para outras f‌ina-
lidades – como a venda de bebidas não-alcóolicas –, tal entendimento
41. Kiley ressalta que a doutrina destacou o termo ‘frustrado’ que constava do julgado
Krell v. Henry e passou a denominar o instituto como “doctrine of frustration” (KILEY,
Roger. The doctrine of frustration. In: American Bar Association Journal, v. 46, n. 12,
Dezembro, 1960. p. 1293).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
22
é criticado pela doutrina e por outros julgados, que concluíram que
a atividade comercial de uma taberna não teria viabilidade diante da
proibição de sua f‌inalidade principal.42
A partir desses e de outros casos concretos – alguns dos quais
serão explorados ao longo deste livro –, o instituto se desenvolveu
nos Estados Unidos. A sua aplicabilidade no ordenamento americano
foi reconhecida pelo Restatement (Second) of Contracts, documento
elaborado pelo American Law Institute com a pretensão de unifor-
mizar o entendimento doutrinário e jurisprudencial em relação a
princípios gerais de contratos. De acordo com o referido enunciado,
a frustração do f‌im do contrato autoriza a liberação das partes, nas
seguintes circunstâncias:
§ 265. Liberação por frustração superveniente: Quando, após a celebração
do contrato, a principal nalidade da parte é substancialmente frustrada sem
a sua culpa, em razão da ocorrência de evento, cuja não ocorrência era uma
presunção básica com base na qual o contrato foi celebrado, suas obrigações
remanescentes são liberadas, ao menos que a linguagem ou as circunstâncias
indiquem o contrário.43
A frustration of purpose44 é vista pela doutrina como a outra
face da impracticability, esta última conf‌igurada quando um evento
extraordinário tornar o cumprimento da obrigação comercialmente
impraticável, isto é, quando importar em custo excessivo ou irrazo-
ável para o devedor.45
42. Para uma análise sobre esse grupo de casos, conf‌ira-se: TREITEL, Sir Guenter. Frustra-
tion and force majeure. 3 Ed., Londres: Thomson Sweet & Maxwell, 2014. p. 332-334.
43. Tradução livre de: “Discharge by supervening frustration. Where, after a contract is made,
a party’s principal purpose is substantially frustrated without his fault by the occurrence
of an event the non-occurrence of which was a basic assumption on which the contract was
made, his remaining duties to render performance are discharged, unless the language or
circumstances indicate the contrary.
44. Vale registrar que, na Inglaterra, o termo frustration é gênero do qual impossibilidade e
frustração do f‌im do contrato são espécies. Para facilidade de referência, será utilizada a
terminologia americana. (FARNSWORTH, E. Allan et al. Contracts – Cases and Material.
4 Ed., Nova Iorque: Foundation Press, 2008. p. 634).
45. A impracticability foi positivada na Seção 2.615(a) do Código Comercial Uniforme dos
Estados Unidos: “Liberação por falha das condições pressupostas. O atraso na entrega
ou a não entrega total ou parcial pelo vendedor que cumprir os parágrafos (b) e (c) não
será considerado inadimplemento de suas obrigações em um contrato de compra e venda
se o cumprimento conforme acordado se tornou impraticável diante da ocorrência de
contingências cuja não ocorrência era uma assunção básica do contrato (...)”.
23
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Nesse sentido, Treitel leciona que, no Common Law, “a frus-
tração do f‌im do contrato, portanto, se assemelha à impracticability
na medida em que pode autorizar a extinção de contrato em casos
que não atendem os requisitos de impossibilidade”.46 No entanto,
de modo geral, a impracticability costuma ser alegada pela parte que
tem a obrigação de fornecer determinado produto ou serviço – cujo
fornecimento se tornou excessivamente oneroso –, enquanto o re-
médio da frustration é normalmente invocado pelo credor porque a
obrigação do devedor, embora ainda possível, “se tornou inútil para
o credor para a f‌inalidade que ambas as partes pretendiam”.47
Não obstante o instituto tenha sido objeto de críticas, perma-
nece, atualmente, “amplo consenso” no reconhecimento da sua
utilidade nos Estados Unidos e na Inglaterra, à vista da insuf‌iciência
de institutos próximos.48 Nessa linha, vale citar trecho da decisão da
House of Lords inglesa, que se tornou famosa por def‌inir a seara de
aplicação do instituto:
Tradução livre de: “Section 2.615(a) of the Uniform Commercial Code: Excuse by Failure
of Presupposed Conditions. Delay in delivery or non-delivery in whole or in part by a seller
who complies with paragraphs (b) and (c) is not a breach of his duty under a contract for sale
if performance as agreed has been made impracticable by the occurrence of a contingency
the non-occurrence of which was a basic assumption on which the contract was made (…)”.
46. Tradução livre de: “Frustration of purpose thus resembles impracticability in that it can lead
to discharge of contracts in cases falling short of impossibility.” (TREITEL, Sir Guenter. Frus-
tration and force majeure. 3 Ed., Londres: Thomson Sweet & Maxwell, 2014. p. 307).
47. Tradução livre de: “because the supplier’s performance is no longer of any use to the recipient
for the purpose for which both parties had intended it to be used.” (TREITEL, Sir Guenter.
Frustration and force majeure. 3 Ed., Londres: Thomson Sweet & Maxwell, 2014. p. 307).
48. “Por essa razão, os tribunais e comentaristas concordam que o uso da doutrina da frus-
tração deve ser ‘estritamente limitado’, e alguns até favorecem a abolição. No entanto,
ainda existe um amplo consenso de que, em casos suf‌icientemente graves, em que um
evento verdadeiramente extraordinário e inesperado destrói totalmente o valor de
um contrato para uma parte – como em Krell v. Henry – a doutrina da frustração deve
liberar essa parte do cumprimento da prestação.”
Tradução livre de: “For this reason, courts and commentators agree that the use of the
Frustration doctrine should be ‘rather strictly limited’, and some even favor abolition. Ne-
vertheless there remains a broad consensus that in a suff‌iciently severe cases, where a truly
extraordinary and unexpected event totally destroys the value of a contract to a party – as
in Krell v. Henry – the Frustration doctrine should excuse that party from performance.
(SCHWARTZ, Andrew A. A ‘standard clause analysis’ of the frustration of doctrine and
the material adverse change clause. In: 57 UCLA L. Rev. 789 (2010). Disponível em: <
https://scholar.law.colorado.edu/articles/451/>. Acesso em: 28 set. 2018. p. 18).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
24
Portanto, talvez seja mais simples dizer, desde o início, que a frustração ocorre
quando a lei reconhece que, sem inadimplemento de qualquer das partes, a
obrigação contratual não pode mais ser cumprida porque as circunstâncias em
que se requer o cumprimento o tornariam algo radicalmente diferente daquilo
que foi contratado. Non haec in foedera veni. Não foi isso o que prometi fazer.49
Também na Alemanha a discussão acerca da frustração do f‌im
contrato – ou da perturbação da base do contrato – se consolidou por
meio da atividade jurisprudencial. Após o fracasso da tentativa de
incluir a teoria da pressuposição na redação original do BGB, como
visto no item 1.1 acima, a questão voltou pela “janela”, conf‌irmando
a profecia de Windscheid.
Com efeito, a partir da realidade vivida no pós-guerra, a juris-
prudência tedesca passou a admitir a extinção ou revisão de contratos
diante da alteração das circunstâncias, em casos caracterizados pela
perturbação grave da equivalência das prestações e perturbação ou
frustração do f‌im do contrato.50
49. Tradução livre de: “So perhaps it would be simples to say at the outset that frustration occurs
whenever the law recognizes that without default of either party a contractual obligation
has become incapable of being performed because the circumstances in which performance is
called for would render it a thing radically different from that which was undertaken by the
contract. Non haec in foedera veni. It was not this that I promised to do.” (INGLATERRA.
Davis Contractors Ltd. v. Fareham Urban District Council [1956] AC 696, House of
Lords. Disponível em: g/311200/_/davis-contractos-ltd-v%-
C2%A0fareham-urban-district-council%C2%A0%5B1956%5D-ac-696//>. Acesso em:
10 out. 2018).
50. “A aceitação do conceito de Geschäftsgrundlage ocorreu no período de hiperinf‌lação
após a Primeira Guerra Mundial. Após resistência inicial a intervir, a Corte Imperial
(Reichsgericht: RG) começou a equiparar a situação na qual a prestação não pode ser ra-
zoavelmente esperada com a de impossibilidade de prestação (chamada impossibilidade
econômica); o Tribunal também se referiu aos §§ 157, 242 BGB, ou seja, as disposições
sobre boa fé, em geral. Então, na decisão Vigognespinnerei proferida em 3 de fevereiro
de 1922, o RG pela primeira vez referiu-se a Oertmann. Com base na noção de boa-fé,
sua doutrina permitia que um contrato fosse reajustado ou mesmo rescindido pelo
tribunal em vista de uma mudança fundamental de preço que ocorrera desde a sua
conclusão (RG 3 de fevereiro de 1922, RGZ 103, 328, 331ff; GR 28 de novembro de
1923, RGZ 107, 78 e segs.”
Tradução livre de: “The acceptance of the concept of Geschäftsgrundlage took place in
the hyperinf‌lation period after World War I. Following initial resistance to intervene, the
Imperial Court (Reichsgericht: RG) f‌irst began to equate the situation where performance
cannot reasonably be expected with that of impossibility of performance (so-called economic
impossibility); the Court also referred to §§ 157, 242 BGB, ie. the provisions on – good faith,
in general. Then, in the Vigognespinnerei decision handed down on 3 February 1922, the
RG for the f‌irst time referred to Oertmann. Based on the notion of good faith, his doctrine
allowed a contract to be re-adjusted or even to be terminated by the court in view of a fun-
25
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Já em 1961, admitia-se que a aplicação da doutrina da pertur-
bação da base do contrato não levava a uma intervenção judicial
injustif‌icada, em violação à máxima do pacta sunt servanda, mas de-
corria de uma exigência da cláusula geral de boa-fé estabelecida nos
§§ 15751 e 24252 do BGB, na medida em que “o direito dos contratos
não pode ser visto como uma avenida para o exercício absoluto da
autonomia privada, abstraída dos elementos sociais”.53
E, pouco a pouco, a aplicação do instituto no ordenamento
alemão foi se afastando de uma abordagem “subjetiva” e “f‌ictícia”,
para passar a compreender a base do contrato como “as circunstâncias
cuja existência continuada seja objetivamente necessária para que
se alcance o propósito do contrato”.54
De acordo com a doutrina, a aplicação jurisprudencial da frus-
tração do f‌im do contrato evidencia que “as cortes alemãs parecem
mais dispostas a intervir e ajustar contratos do que as inglesas” e que
“demonstram uma forte preferência a fazê-lo através da noção de frus-
tração ao invés de impossibilidade ou erro, talvez porque lhes conf‌ira
mais espaço para manobrar e ajustar as obrigações contratuais”.55
damental price chance that had occurred since its conclusion (RG 3 February 1922, RGZ
103, 328, 331ff; RG 28 November 1923, RGZ 107, 78 ff).” (RÖSLER, Hannes. Change
of Circumstances. In: The Max Planck Encyclopedia of European Private Law. Oxford:
Oxford University Press, 2012. p. 164).
51. “§ 157. Interpretação de contratos. Os contratos devem ser interpretados de acordo
com a boa-fé, levando-se em conta os usos comuns.” Tradução livre de: “Section 157.
Interpretation of contracts. Contracts are to be interpreted as required by good faith, taking
customary practice into consideration.” (Disponível em:
wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Alemao-BGB-German-Civil-Code-BGB-
-english-version.pdf>. Acesso em: 10 out. 2018).
52. “§ 242. Cumprimento de boa-fé. O obrigado tem o dever de cumprir sua obrigação
de acordo com a boa-fé, levando-se em conta os usos e costumes.” Tradução livre de:
Section 242. Performance in good faith. An obligor has a duty to perform according to the
requirements of good faith, taking customary practice into consideration.” (Disponível
em: -
-BGB-German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf>. Acesso em: 10 out. 2018).
53. Tradução livre de: “Contract law is not regarded as an avenue for the exercise of complete
party autonomy abstracted from social elements.” (HAY, Peter. Frustration and its solution
in German law. In: The American Journal of Comparative Law, v. 10, n. 4, 1961, p. 362).
54. Tradução livre de: “the basis of the contract has been def‌ined in terms of the circumstances
whose continued existence is objectively necessary to achieve the contractual purpose.
(HAY, Peter. Frustration and its solution in German law. In: The American Journal of
Comparative Law, v. 10, n. 4, 1961, p. 361).
55. Tradução livre de: “(…) the German courts seem if anything more willing than the English
to intervene and adjust the contract. The cases also show a strong preference for doing this
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
26
Em 2002, com a reforma do direito das obrigações no BGB, in-
cluiu-se previsão legal expressa que trata da hipótese de perturbação
da base do negócio. Conf‌ira-se:
§ 313. Perturbação da base do negócio.
(1) Caso as circunstâncias que serviram de base para o negócio se alterem de
forma signicativa após a celebração do contrato e se as partes não teriam con-
tratado ou teriam contratado de forma diversa se pudessem prever tal alteração,
o reajuste do contrato poderá ser pleiteado, na medida em que, levando em
conta todas as circunstâncias do caso concreto, em particular a distribuição
de riscos contratual e legal, não se possa esperar razoavelmente que uma das
partes mantenha o contrato sem alterações.
(2) É equivalente à alteração das circunstâncias a situação em que as concepções
materiais que formaram a base do contrato estiverem incorretas.
(3) Caso o reajuste do contrato não seja possível ou não se possa razoavelmente
esperar que uma das partes o aceite, a parte em desvantagem poderá se retirar
do contrato. No caso de obrigações contínuas, o direito de rescisão toma o
lugar do direito de se retirar.56
Interessante notar que a referida disposição não foi considerada
uma grande inovação no ordenamento alemão, vindo apenas positi-
var o entendimento já consolidado na jurisprudência e na doutrina.57
Além disso, vale registrar que, em linha com a teoria da base objetiva
through the notion of ‘frustration’ rather than impossibility or mistake, perhaps because this
gives them more room to maneuver and f‌ine-tune the contractual obligations.” (MARKE-
SINIS, Basil S. et al. The German Law of Contract. 2 Ed., Oxford: Hart Publishing,
2006. p. 343).
56. Tradução livre de: “Section 313. Interference with the basis of the transaction.
(1) If circumstances which became the basis of a contract have signif‌icantly changed since
the contract was entered into and if the parties would not have entered into the contract or
would have entered into it with different contents if they had foreseen this change, adaptation
of the contract may be demanded to the extent that, taking account of all the circumstances
of the specif‌ic case, in particular the contractual or statutory distribution of risk, one of the
parties cannot reasonably be expected to uphold the contract without alteration.
(2) It is equivalent to a change of circumstances if material conceptions that have become
the basis of the contract are found to be incorrect.
(3) If adaptation of the contract is not possible or one party cannot reasonably be expected to
accept it, the disadvantaged party may withdraw from the contract. In the case of continuing
obligations, the right to terminate takes the place of the right to withdraw.” (Disponível
em: -
GB-German-Civil-Code-BGB-english-version.pdf>. Acesso em: 10 out. 2018).
57. RÖSLER, Hannes. Hardship in German Codif‌ied Private Law – In Comparative Perspective
to English, French and International Contract Law. In: European Review of Private Law, v.
15, n. 4, 2007. p. 486.
27
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
de Larenz, as hipóteses de onerosidade excessiva e frustração do f‌im
do contrato são tratadas no mesmo dispositivo, como espécies da
perturbação da base do negócio.
Na Itália, a chamada presupposizione – em tradução literal do
termo cunhado por Windscheid – foi aplicada pela primeira vez em
1932, tendo a Corte de Cassação af‌irmado que “pressuposição é
aquela circunstância ou evento que, embora não desenvolvido, cons-
titui, apesar disso, sempre parte ou elemento do conteúdo volitivo,
circunscrevendo a ef‌icácia”.58
Com a promulgação do Código Civil italiano de 1942, posi-
tivou-se a disciplina da onerosidade excessiva, nos termos do art.
1467,59 dispositivo esse que, aliás, serviu de modelo60 para o art.
478 do Código Civil brasileiro.61 A primeira reação da jurisprudên-
cia italiana foi negar relevância à teoria da pressuposição diante da
58. Tradução livre de: “Presupposizione è quella circonstanza od evento che, sebbene non svolto,
costituisce pur sempre parte od elemento del contenuto volitivo, circoscrivendone l’eff‌icacia
(GALLO, Paolo. Sopravvenienza contrattuale e problemi di gestione del contrato. Milão:
Dott. A. Giuffrè Editore, 1992. p. 298).
59. Art. 1467. Contrato com prestações correspondentes.
Nos contratos de execução continuada ou periódica ou, ainda, de execução diferida,
se a prestação de uma das partes torna-se excessivamente onerosa pela ocorrência de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode
pleitear a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos pelo art. 1.458.
A resolução não pode ser pleiteada se onerosidade superveniente cair na álea comum
do contrato.
A parte contra a qual é pleiteada a resolução pode evita-la oferecendo-se a modif‌icar
equitativamente as condições do contrato (962, 1623, 1664, 1923).”
Tradução livre de: “Art. 1467. Contratto con prestazioni corrispettive
Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la presta-
zione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verif‌icarsi di avvenimenti
straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domandare la risoluzione
del contratto, con gli effetti stabiliti dall’art. 1458 (att. 168).
La risoluzione non può essere domandata se la sopravvenuta onerosità rientra nell’alea
normale del contratto.
La parte contro la quale è domandata la risoluzione può evitarla offrendo di modif‌icare
equamente le condizioni del contratto (962, 1623, 1664, 1923).
60. Para análise sobre a questão, conf‌ira-se: SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual
e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 161-164.
61. Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma
das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em
virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir
a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da
citação.”
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
28
inovação legislativa. Entretanto, logo se reconheceu que se tratam
de fattispecie diversas, que servem para tutelar situações jurídicas
distintas.62
Com efeito, uma corrente jurisprudencial minoritária sustentou
inicialmente que a teoria da pressuposição encontraria fundamento
legal no art. 1467 do Código Civil italiano, tendo sido objeto de duras
críticas pela doutrina especializada,63 que defende que a pressupo-
sição e a onerosidade excessiva tem ratios diversas e não devem ser
confundidas, na medida em que “a primeira é aplicável a casos em
que as expectativas das partes desapareceram e a segunda a casos
em que há um desequilíbrio objetivo entre as contraprestações”.64
62. “E, de fato, a primeira reação da nossa jurisprudência depois da codif‌icação foi aquela
de negar qualquer relevância à pressuposição com base na consideração de que o le-
gislador não havia disciplinado este instituto. Esse estado de coisas não durou, porém,
no tempo. A falta de recepção da pressuposição por parte do código não é, de fato,
apta a extinguir o instituto na jurisprudência, a qual depois das primeiras hesitações
continuou a aplica-la não menos do que antes.
Tradução livre de: “Ed infatti la prima reazione della nostra giurisprudenza dopo la
codif‌icazione è stata quella di negare ogni rilevanza alla presupposizione in base alla
considerazione che il legislatore non aveva disciplinato questo istituto. Questo stato di
cose non è però durato nel tempo. La mancata recezione della presupposizione da parte del
codice non è infatti valsa ad estinguere l’istituto nella giurisprudenza, la quale dopo i primi
tentennamenti ha continuato a farne applicazione non meno di prima.” (GALLO, Paolo.
Sopravvenienza contrattuale e problemi di gestione del contrato. Milão: Dott. A. Giuffrè
Editore, 1992. p. 299).
63. Na esteira da doutrina voluntarista desenvolvida sob o império do código civil anterior,
af‌irmava-se que o art. 1467 do código civil traduzia em norma o princípio expresso
da conhecida cláusula rebus sic stantibus. Esta corrente de pensamento sustenta que o
instituto da onerosidade excessiva superveniente tinha dado uma vestimenta norma-
tiva unitária à pressuposição. Referida abordagem atraiu muitas objeções na literatura
jurídica, induzindo a jurisprudência a abraçar um conceito de pressuposição forjado
sobre a base da elaboração objetiva da Geschäftsgrundlage.
Tradução livre de: “Sulla scia delle dottrine volontaristiche sviluppatesi sotto l’impero
del codice civile previgente, si assertì che l’art. 1467 c.c. tradusse in norme il principio
espresso dalla risalente clausola rebus sic stantibus. Questa corrente di pensiero ritenne che
l’istituto dell’eccessiva onerosità sopravvenuta avesse dato una veste normativa unitaria
alla presupposizione.
Detta impostazione ha sollevato molte obiezioni nella letteratura giuridica, inducendo la
giurisprudenza ad abbracciare un concetto di prezupposizione forgiato sulla base dell’ela-
borazione oggettiva di Geschäftsgrundlage.” (PENNAZIO, Rossana. La presupposizione
tra sopravvenienza ed equilibrio contrattuale. In: Rivista trimestrale di diritto e procedura
civile, Ano LX, n. 1, 2006. p. 680).
64. Tradução livre de: “the former is applicable to cases where the expectations of the parties
have disappeared and the latter to cases of an objective imbalance between the counter-per-
29
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Atualmente, entende-se que o art. 1467 do Código Civil ita-
liano se limitou a disciplinar apenas uma espécie de alteração nas
circunstâncias, deixando de fora a questão da impossibilidade de se
alcançar o escopo do contrato. Essa segunda espécie, por sua vez,
se desenvolveu de forma autônoma, com base na teoria da pressu-
posição, assumindo grande relevância no ordenamento italiano.65
A evolução do instituto no ordenamento italiano se deu a partir
de esforço para objetivar a aplicação teoria da pressuposição, o que
se fez, em grande parte, com apoio na noção de causa do contrato.
Conforme se verá no item a seguir, a doutrina italiana utiliza a noção
de causa – aqui entendida como função econômico-individual do
contrato66 – para identif‌icar o “fundamento do ajuste, situação base,
pressuposto comum a ambos os contratantes, os quais fundaram
sobre sua existência e persistência o seu consenso, sem deduzir o
evento pressuposto como condição”.67
Uma vez identif‌icada a f‌inalidade do contrato e verif‌icando-se
ser ela inalcançável, a jurisprudência italiana reconhece a inef‌icácia
formances.” (URIBE, Rodrigo Momberg. The effect of a change of circumstances on the
binding force of contracts. Cambridge: Intersentia, 2011. p. 85).
65. “Não devemos, porém, desconsiderar que o legislador italiano, por meio desta disciplina,
havia se limitado a regular uma só fattispecie relevante de superveniência contratual,
qual seja, o objetivo agravamento da dif‌iculdade de execução, deixando completamente
de fora justamente os casos de impossibilidade de alcançar o escopo contratual. Daí a
persistência e relevância da pressuposição no ordenamento italiano. A pressuposição é,
de fato, a resposta italiana a esta ordem de problemas. Graças à teoria da pressuposição,
a Itália é, aliás, provavelmente um dos ordenamentos em que a ‘inalcançabilidade’ do
escopo contratual assume maior relevância.”
Tradução livre de: “Non dobbiamo però trascurare che il legilatore italiano mediante
questa disciplina si era limiato a regolare una sola fattispecie rilevante di sopravvenienza
contrattuale, vale a dire l’oggettivo aggravio delle diff‌icoltà di esecuzione, lasciando com-
pletamente fuori i casi per l’appunto di impossibilità di raggiungere lo scopo contrattuale.
Di quì la persistenza e la rilevanza della presupposizione nell’ordinamento italiano. La
presupposizione è infantti la risposta italiana a quest’ordine di problemi. Grazie alla
teoria della pressupposizione l’Italia è anzi probabilmente uno degli ordinamenti in cui
l’irraggiungibilità dello scopo contrattuale assume maggior rilevanza.” (GALLO, Paolo.
Sopravvenienza contrattuale e problemi di gestione del contrato. Milão: Dott. A. Giuffrè
Editore, 1992. p. 299-300).
66. Conforme se verá no item 1.3.1 deste trabalho.
67. Tradução livre de: “fondamento dell’affare, situazione base, presupposto comune ad
entrambi i contraenti, i quali sulla esistenza e persistenza hanno fondato il loro consenso,
senza dedurre l’evento presupposto in condicione.” (PENNAZIO, Rossana. La presuppo-
sizione tra sopravvenienza ed equilibrio contrattuale. In: Rivista trimestrale di diritto e
procedura civile, Ano LX, n. 1, 2006. p. 681).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
30
da relação, vez que não persiste interesse das partes na continuação
ou mesmo na modif‌icação do contrato celebrado.68
Por f‌im, vale dar notícia da recente positivação da frustração
do f‌im do contrato no ordenamento argentino,69 no âmbito do art.
1.090 do Código Civil e Comercial, aprovado em 2014, o qual dispõe
que “a frustração def‌initiva do contrato autoriza a parte prejudicada
a declarar sua resolução, se tem causa em uma alteração de caráter
extraordinário nas circunstâncias existentes ao tempo da contrata-
ção, alheia às partes e que supera o risco assumido pela parte afetada
(...)”.70
68. “De modo geral, dois remédios são considerados aplicáveis: rescisão ou nulidade
(invalidità) no caso de falsa presupposizione’, e extinção (ou, em termos mais amplos,
inef‌icácia, ineff‌icacia) quando o evento pressuposto futuro não ocorre ou falha. Esses
remédios têm a característica comum de dissolver ou extinguir a relação contratual,
o que é justif‌icado na doutrina em razão da natureza da presupposizione, qual seja, a
ocorrência ou permanência daquelas circunstâncias consideradas pelas partes como
decisivas para a continuação ou execução do contrato. Portanto, a falta de tais circuns-
tâncias torna improvável que haja interesse das partes em preservar o relacionamento
e conf‌iar em soluções como a adaptação do contrato.”
Tradução livre de: “Normally, two remedies have been considered to be applicable: rescission
or nullity (invalidità) in the case of ‘falsa presupposizione’, and termination (or in wider
terms ineffectiveness, ineff‌icacia) when the future presupposed event does not occur or fails.
Those remedies have the common feature of dissolving or putting an end to the contractual
relationship, which is justif‌ied in doctrine because of the nature of the presupposizione, i.e.
the occurrence or permanence of those circumstances considered by the parties to be decisive
for the continuation or performance of the contract. Therefore, the lack of such circumstances
makes it unlikely that an interest exists for the parties to preserve the relationship and rely
on remedies such as the adaptation of the contract.” (URIBE, Rodrigo Momberg. The effect
of a change of circumstances on the binding force of contracts. Cambridge: Intersentia,
2011. p. 87-88).
69. A matéria, no entanto, não é nova naquele ordenamento. Em 1991, foi aprovado enun-
ciado na XIII Jornada Nacional de Direito Civil realizada em Buenos Aires, dispondo
que: “A frustração do f‌im do contrato é capítulo inerente à causa, entendida esta como
motivo determinante, razão de ser ou f‌im individual e subjetivo que as partes levara
em conta no momento de celebrar o contrato.”
Tradução livre de: “La frustración del contrato es capítulo inherente a la causa; entendida
ésta como móvil determinante, razón de ser o f‌in individual o subjetivo que las partes
han tenido en vista al momento formativo del negocio.” (XIII Jornadas Nacionales de
Derecho Civil, Buenos Aires, Comisión n° 3, Contratos: Frustración del f‌in del contrato,
I.1).
70. Tradução livre de: “Frustración de la f‌inalidad. La frustración def‌initiva de la f‌inalidad
del contrato autoriza a la parte perjudicada a declarar su resolución, si tiene su causa
en una alteración de carácter extraordinario de las circunstancias existentes al tiempo
de su celebración, ajena a las partes y que supera el riesgo asumido por la que es afec-
tada.”
31
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
1.3 CONTORNOS TEÓRICOS DA FRUSTRAÇÃO DO FIM DO
CONTRATO
Como já se pôde perceber, embora o instituto seja aplicado em
diferentes experiências jurídicas, a noção de frustração do f‌im do
contrato não se af‌igura exatamente idêntica nesses diversos contex-
tos. Daí a importância de investigar os contornos teóricos da f‌igura,
permitindo que se f‌ixe um conceito de frustração do f‌im do contrato
e se examine a sua utilidade no ordenamento jurídico pátrio.
1.3.1 Conceito de frustração do m do contrato
Atualmente, há relativo consenso de que a frustração do f‌im
do contrato é remédio que conduz à inef‌icácia do contrato quando
um evento posterior à contratação ensejar a perda da f‌inalidade
do contrato, muito embora a execução da prestação ainda seja
possível.71
A def‌inição de frustração do f‌im do contrato está, portanto,
evidentemente ligada ao que se compreende por f‌im do contrato.
A grande dif‌iculdade em torno da identif‌icação do f‌im contratual
– que permeia as principais críticas à teoria da pressuposição – está
em evitar que este seja confundido com os motivos internos de uma
das partes,72 pois isso conduziria ao risco de “admitir a relevância
de qualquer motivo individual e, assim, poder ameaçar a exigência
de certeza na vida da relação”.73
71. Como sintetiza Rodrigo Cogo, a partir da análise de diferentes def‌inições, “trata-se de
hipótese na qual a prestação é plenamente possível, mas o contrato perdeu seu sentido,
sua razão de ser, por não ser mais possível alcançar seu f‌im, seu escopo, sua função
(concreta) em decorrência da alteração das circunstâncias.” (COGO, Rodrigo Barreto.
A frustração do f‌im do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 168-169)
Registre-se que, além de conf‌igurada a frustração do f‌im do contrato, é necessário que se
encontrem presentes os demais requisitos do instituto, os quais serão objeto de estudo
no próximo capítulo.
72. “Em regra, os motivos que levaram o agente a praticar determinado negócio jurídico são
irrelevantes para o direito. Assim, não importa que posteriormente ao ato seja verif‌icada
a frustração da motivação subjetiva, interna e psicológica das partes.” (TEPEDINO,
Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República, v. I. 3 Ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2014, p. 277).
73. Tradução livre de: “ammettere la rilevanza di qualsiasi motivo individuale e così
porterebbe a mettere in pericolo l’esigenza della certezza nella vita di relazione (...)”
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
32
Diante dessa preocupação, a jurisprudência italiana evoluiu no
sentido de identif‌icar o f‌im do contrato com a sua causa concreta (ou
função econômico-individual).74 Caminhou nesse sentido, no Brasil,
a doutrina de Junqueira de Azevedo que, baseada na experiência
italiana, sustenta que “a expressão ‘f‌im do negócio jurídico’ designa
justamente a causa (função) concreta que objetivamente resulta do
negócio jurídico, individualmente considerado”.75
Contudo, considerando a polissemia do termo e as inúmeras
correntes existentes,76 é importante esclarecer de que causa se está
tratando.77 A mencionada causa concreta – também denominada
função econômico-individual – é, segundo Perlingieri, “ora o inte-
resse perseguido, ora a síntese dos efeitos essenciais tal qual emerge
(BETTI, Emilio. Teoria generale del negozio giuridico. Apud: FERRI, Giovanni
Battista. Motivi, presupposizione e l’idea di meritevolezza. In: Europa e diritto privato,
1/2009. p. 364).
74. PENNAZIO, Rossana. La presupposizione tra sopravvenienza ed equilibrio contrattuale.
In: Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Ano LX, n. 1, 2006. p. 680.
75. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Remissão interessada de dívida. Erro sobre o motivo
determinante. Análise do negócio jurídico por suas bases subjetiva e objetiva. Frustração
do f‌im do negócio jurídico e consequente enriquecimento sem causa. In: AZEVEDO,
Antônio Junqueira de. Novos ensaios e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 56.
76. Exemplo disso é a notória discussão travada na doutrina francesa, que culminou na
recente supressão da causa do Código Civil francês no âmbito da reforma do direito
contratual. Sobre o tema, conf‌ira-se: WICKER, Guillaume. La suppression de la cause
et les solutions alternatives. In: SCHULZE, Reiner et al. (coord.). La reforme du droit des
obligations em France – 5émes journées franco-allemandes. Paris: Société de Législation
Comparée, 2015. p. 107-149.
77. Não se explorará, pois isso fugiria ao escopo do presente trabalho, as diferentes concep-
ções de causa, limitando-se a descrever aquela comumente utilizada pela doutrina como
sinônimo de f‌im do contrato. Sobre o tema, conf‌ira-se: FERRI, Giovanni Battista. Causa
e tipo nella teoria del negozio giuridico. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1966; BETTI, Emilio.
Teoria generale del negozio giuridico. Torino: Unione Tipográf‌ico Editrice Torinese, 1952.
ALPA, Guido; BESSONE, Mario (coord.). Causa e consideration. Padova: Dott. A Milani,
1984. Em doutrina pátria: KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social
do contrato: estudo comparativo sobre o controle da autonomia negocial. In: Revista
Trimestral de Direito Civil, v. 43, Julho/Setembro, 2010; MORAES, Maria Celina Bodin
de. A causa dos contratos. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa
humana – Estudos de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 289-
342; MARTINS-COSTA, Judith. A Teoria da Causa em Perspectiva Comparativista: A
Causa no Sistema Civil Francês e no Sistema Civil Brasileiro. Revista Ajuris, v. 45, Porto
Alegre, 1989.
33
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
do concreto interesse que a operação contratual é destinada a satis-
fazer”.78 Assim, sustenta o autor:
É preferível vislumbrar na causa a função econômica-individual, indicando
com tal expressão o valor e a dimensão que as próprias partes tenham dado à
operação em sua globalidade, isto é, o valor individual que uma determinada
operação negocial assume para as partes, considerando-se a sua concreta
manifestação.79
Também elucidativa, nesse sentido, a explicação de Konder,
citando a jurisprudência da Corte de Cassação italiana:
A jurisprudência superior italiana recentemente vem se manifestando em
concordância com essa reformulação, sustentando a obsolescência da matriz
ideológica que congura a causa do contrato como instrumento para o controle
da utilidade social do negócio e, a partir disso, defendendo uma fattispecie cau-
sal concreta, que reconstrói este elemento em termos de síntese dos interesses
reais que o próprio contratante tende a nalizar. Em recente decisão, a Corte
de Cassação expressamente dene: ‘Causa, portanto, ainda inscrita na órbita
da dimensão funcional do contrato, mas agora, função individual do singu-
larizado, especíco contrato realizado, prescindindo do relativo estereotipo
abstrato, seguindo um iter evolutivo do conceito de função econômico-social
do negócio que, movendo-se da cristalização normativa dos vários tipos con-
tratuais, volta-se anal a captar o uso que os contratantes entenderam realizar
de cada um daqueles, adotando aquela determinada, especíca (a seu modo
única) convenção social. (...) Causa do contrato é o escopo prático do negócio,
a síntese dos interesses que ele está concretamente dirigido a realizar (chamada
‘causa concreta’), como função individual da singular e especíca negociação,
além do modelo abstrato utilizado.’80
É importante registrar que a causa enquanto função econômi-
co-individual não se confunde com os motivos internos das partes.
78. Tradução livre de: “(...) la causa ora è l’interesse perseguito, ora la sintesi degli effeti
essenziali quale emerge dal concreto interesse che l’operazione contrattuale è destinata a
soddisfare.” (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 4 Ed. Nápoles: Edizioni
Scientif‌iche Italiane, 2005. p. 374).
79. Tradução livre de: “è preferible ravvisare nella causa la funzione economico-indviduale,
indicando con tale espressione il valore e la portata che all’operazione nella sua globalità le
parti stesse hanno dato, cioè il valore individuale che una determinata operazione negoziale,
considerata nel suo concreto atteggiarsi, assume per le parti.” (PERLINGIERI, Pietro.
Manuale di diritto civile. 4 Ed. Nápoles: Edizioni Scientif‌iche Italiane, 2005. p. 374).
80. KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: estudo
comparativo sobre o controle da autonomia negocial. In: Revista Trimestral de Direito
Civil, v. 43, Julho/Setembro, 2010. p. 52-53.
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
34
Para que assuma relevância e seja objeto de tutela pelo ordenamento,
é preciso que se “dê dimensão objetiva ao interesse invocado pela
parte e a relevância que este tem para a posição contratual dela pró-
pria”.81 Nessa linha, a doutrina contemporânea assevera que vários
indicativos podem ser relevantes em tal investigação, como o preço
de compra, as relações entre as partes, a natureza do contrato, entre
outras.82
Ao defender a relevância do conceito de causa enquanto função
econômica-individual do contrato, Ferri af‌irma que o fenômeno
da presupposizione – denominação utilizada pela doutrina italiana
ao tratar da frustração do f‌im do contrato – pode ser resolvido não
apenas com a aplicação de princípios contratuais, mas também com
base na importância que o motivo pode assumir na função individual
concreta da operação negocial.83
81. KONDER, Carlos Nelson. Causa do contrato x função social do contrato: estudo
comparativo sobre o controle da autonomia negocial. In: Revista Trimestral de Direito
Civil, v. 43, Julho/Setembro, 2010. p. 54.
82. “Um ponto sobre o qual todos concordam é que nessa matéria não é possível atribuir
relevância aos motivos e escopos de caráter pessoal. Ocorre, portanto, determinar caso
a caso se o motivo pelo qual se celebra o contrato, por exemplo construir um edifício,
patentear uma invenção, exportar bens e assim por diante, passou ou não a fazer parte
do fundamento do contrato. Para estes f‌ins, podem assumir relevância vários indícios,
como, por exemplo, o preço de aquisição, as relações entre as partes, a natureza do
contrato, e assim por diante; os quais podem fornecer úteis indicações para se aferir se
o contrato foi celebrado ou não exclusivamente em vista daquele escopo, na verdade
inalcançável.”
Tradução livre de: “Um punto sul quale tutti concordano è che in questa matéria non è
possibile attribuire rilevanza ai motivi ed agli scopi di carattere personale. Occorre quindi
accertate caso per caso se il motivo per cui si conclude il contratto, per esempio edif‌icare un
palazzo, brevettare un’invenzione, esportare beni, e così via, è entrato o meno a far parte
del fondamento del contratto. A questi f‌ini possono assumere rilevanza vari indizi, come
per sempio il prezzo d’acquisto, i rapporti tra le parti, la natura del contratto, e così via;
i quali possono fornire utili indicazioni per accertare se il contratto era stato concluso o
meno esclusivamente in vista di quello scopo in realtà irraggiungibile.” (GALLO, Paolo.
Sopravvenienza contrattuale e problemi di gestione del contrato. Milão: Dott. A. Giuffrè
Editore, 1992. p. 323-324).
83. “(...) fenômeno da pressuposição solucionável, ao que nos parece, sem excessiva
dif‌iculdade, aplicando às hipóteses que concretamente se podem colocar, variados
princípios da teoria dos contratos; princípios que, caso a caso, podem ser e não apenas
aqueles dos arts. 1.337, 1.362 e 1.366 do Código Civil, mas também aqueles derivados
da relevância que o motivo pode assumir na função individual da concreta operação
negocial.”
Tradução livre de: “(...) fenomeno della presupposizione risolvibile, ci sembra, senza ecces-
siva dif‌icoltà, applicando alle ipotesi che concretamente si possono porre, vari principi della
35
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Há, porém, outro caminho, desenvolvido principalmente na
doutrina hispânica, para def‌inir a noção de f‌im do contrato, partindo
dos conceitos trazidos por Larenz em sua obra seminal. De acordo
com o autor, a f‌inalidade objetiva do contrato é “a f‌inalidade de uma
parte se a outra a fez sua”.84 Larenz esclarece, porém, que, embora
não se deva exigir que a f‌inalidade esteja expressamente prevista no
instrumento contratual, é imprescindível que ela tenha sido levada
em conta pelas partes ao determinar o conteúdo do contrato.85 Assim,
o motivo individual de uma das partes, ainda que conhecido pela
contraparte, não será juridicamente relevante se não inf‌luenciar a
celebração ou o conteúdo do contrato. Impõe-se, com efeito, que
a f‌inalidade tenha incidido na decisão de celebrar o contrato e na
determinação do seu conteúdo.86
A partir da lição de Larenz, Díez-Picazo af‌irma que o f‌im do
contrato é “o propósito ao qual o contrato serve na vida real, isto
é, o resultado empírico ou prático que, em atenção aos próprios e
peculiares interesses, se pretende alcançar”.87 Assim, “a prestação
contratada ou contemplada como conteúdo do contrato perde seu
sentido e sua razão de ser quando deixa de ser útil, isto é, quando
teoria dei contratti; principi, che volta a volta, possono essere e non soltano, quelli dell’art.
1337 c.c., dell’art. 1362 o dell’art. 1366 c.c., ma anche quelli derivanti dalla rilevanza che
il motivo può assumere nella funzione individuale della concreta operazione negoziale.
(FERRI, Giovanni Battista. Causa e tipo nella teoria del negozio giuridico. Milão: Dott.
A. Giuffrè, 1966. p. 385).
84. Tradução livre de: “la f‌inalidad de una parte si la otra la hizo suya” (LARENZ, Karl. Base
del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora Revista de Derecho
Privado, 1956. p. 170).
85. “Não é necessário que a f‌inalidade em questão tenha se convertido no conteúdo do
contrato no sentido de que seja expressamente mencionado nele; mas esta deve ter
sido levada em conta por ambas as partes ao determinar o conteúdo e manifestar-se,
pelo menos mediatamente, nele.”
Tradução livre de: “No es necesario que la f‌inalidad en cuestión se haya convertido en el
contenido del contrato en el sentido de que se mencione expresamente en él; pero debe haberse
tenido en cuenta por ambas las partes al determinar tal contenido y manifestarse, al menos
mediatamente, en el mismo.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento
de los contratos. Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 166).
86. LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora
Revista de Derecho Privado, 1956. p. 166.
87. Tradução livre de: “(…) el propósito a que el contrato sirve dentro de la vida real, es decir,
el resultado empírico o práctico que en orden a los proprios y peculiares intereses se pretende
alcanzar.” (DÍEZ-PICAZO, Luis. Prefácio da obra SANZ, Vicente Espert. La frustración
del f‌in del contrato. Madri: Editorial Tecnos, 1968. p. 10).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
36
não pode satisfazer o interesse do credor, seja porque é impossível
alcançar o f‌im pretendido, seja porque o f‌im foi alcançado por outros
meios”.88
Também nessa linha Espert-Sanz def‌ine o f‌im do contrato como
“o propósito prático e básico a que a parte credora da prestação mais
específ‌ica, menos fungível, vai aplicar à mencionada prestação, quan-
do o propósito é conhecido e aceito pela outra parte, ou, ao menos,
não é rechaçado”.89 Para o autor, a frustração do f‌im do contrato é a
perda do interesse de uma das partes, conhecido e aceito – ou, ao me-
nos, não rechaçado – pela contraparte, em razão da impossibilidade
de alcançar o f‌im ou porque o f‌im foi alcançado por outros meios.90
Partindo dessa noção de f‌im, Freytes def‌ine a frustração do f‌im
do contrato nos seguintes termos:
A frustração do m do contrato é uma hipótese especíca de inecácia produ-
zida em consequência da variação das circunstâncias objetivas pressupostas
pelas partes ao celebrar contrato válido, que impede a realização do propósito
prático, básico ou elementar que o credor aplicará à prestação prometida
pelo devedor, se esse propósito for também aceito ou pressuposto por este,
provocando que aquele perca o interesse no cumprimento do contrato ao se
tornar desprovido de seu sentido originário.91
No direito brasileiro, Pontes de Miranda esclarece:
88. Tradução livre de: “La prestación convenida o contemplada como contenido del contrato
pierde su sentido y su razón de ser cuando deja de ser útil, esto es, cuando no puede satisfacer
el interés del acreedor, bien porque es imposible alcanzar el f‌in pretendido o bien porque el
f‌in ha sido alcanzado por otros medios.” (DÍEZ-PICAZO, Luis. Prefácio da obra SANZ,
Vicente Espert. La frustración del f‌in del contrato. Madri: Editorial Tecnos, 1968. p. 11).
89. Tradução livre de: “(…) el propósito práctico y básico a que la parte acreedora de la pres-
tación, más específ‌ica, menos fungible, va a aplicar dicha prestación, cuando el propósito es
conocido y aceptado por la otra parte, o, al menos, no rechazado.” (SANZ, Vicente Espert.
La frustración del f‌in del contrato. Madri: Editorial Tecnos, 1968. p. 187).
90. SANZ, Vicente Espert. La frustración del f‌in del contrato. Madri: Editorial Tecnos, 1968.
p. 202-203.
91. Tradução livre de: “La frustración del f‌in del contrato es un supuesto específ‌ico de inef‌icacia
producido a consecuencia de la variación de las circunstancias objetivas presupuestas por
las partes al celebrar un contrato válido, que impide la realización del propósito práctico,
básico o elemental que el acreedor aplicará a la prestación prometida por el deudor, si ese
propósito es también aceptado o presupuesto por éste, provocando que aquél pierda interés
en el cumplimento del contrato al quedar desprovisto de su sentido originario.” (FREYTES,
Alejandro E. La frustración del f‌in del contrato. 2 Ed., Bogotá: Grupo Editorial Ibáñez,
2016. p. 213).
37
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Assim no direito privado como em direito público, somente se há de atender, a favor
do devedor, à mudança das circunstâncias, quando a continuidade das circuns-
tâncias faz parte do conteúdo do negócio, ou se foi concluído tendo-se em conta,
acordemente, circunstâncias cuja persistência ou aparição seria de esperar-se (...).92
Como se vê, ainda que partindo de premissas teóricas diversas,
os conceitos apresentados pela doutrina se aproximam substan-
cialmente, tendo como f‌io condutor a tutela jurídica da hipótese
de inalcançabilidade do resultado prático que as partes pretendem
extrair do contrato.
Logo, em linha com a clássica lição de Larenz, tem-se que a
frustração do f‌im do contrato é remédio que conduz à inef‌icácia do
vínculo obrigacional93 quando a f‌inalidade objetiva do contrato – aqui
compreendida como a f‌inalidade comum das partes, que tenha sido
levada em conta ao determinar o conteúdo do contrato – se tornar
inalcançável, embora a prestação ainda seja possível.94
1.3.2 Utilidade da frustração do m do contrato
De modo a demonstrar a utilidade da frustração do f‌im do
contrato no Brasil, passa-se a efetuar breve cotejo entre o instituto e
f‌iguras próximas admitidas no ordenamento brasileiro95, demons-
trando que tais f‌iguras são insuf‌icientes para solucionar as situações
tuteladas pela doutrina objeto do presente estudo.
1.3.2.1 A frustração do m do contrato e a impossibilidade
superveniente de prestação
A impossibilidade superveniente da prestação ocorre quando,
como próprio termo indica, “a prestação se torna irrealizável”.96
92. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. XXV. Atu-
alizado por NERY JR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012. p. 346.
93. Impõe-se, ainda, que os demais pressupostos e requisitos do instituto sejam preenchidos,
conforme se verá no Capítulo 2.
94. LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora
Revista de Derecho Privado, 1956. p. 166-170.
95. Note-se que não se pretende estudar as referidas f‌iguras, mas apenas demonstrar os
pontos em que elas se diferenciam da frustração do f‌im do contrato.
96. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 2. 30 Ed., São Paulo, Editora Saraiva: 2002. p. 35.
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
38
Portanto, haverá impossibilidade superveniente “sempre que a
coisa despareça ou não mais esteja à disposição do devedor”, assim
como nas hipóteses em que a desproporcionalidade do custo para
o cumprimento é tamanha que se equipara à impossibilidade.97 98
O art. 248 do Código Civil estabelece que “se a prestação do fato
tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obriga-
ção (...)”. Assim sendo, “a impossibilidade absoluta superveniente
inimputável libera o devedor e desonera-o de reparar os prejuízos
(...). Há extinção ipso jure”.99
Já a frustração do f‌im do contrato se conf‌igura quando, embora a
prestação ainda seja possível, o f‌im do contrato se torna inalcançável.
Em outras palavras, “o critério para a distinção reside em verif‌icar se
o ato de prestar em si pode ser realizado ou não ante a alteração das
circunstâncias. Se puder, estaremos diante da frustração do f‌im do
contrato; caso contrário, no terreno da impossibilidade”.100
Conforme leciona Ettore Nanni:
97. “A impossibilidade def‌initiva é a que inviabiliza para sempre a prestação, ou a que
somente pode ser prestada mediante esforço ou risco extraordinários. O cumprimento
de obrigação específ‌ica é impossível sempre que a coisa devida desapareça ou não mais
esteja à disposição do devedor. A genérica, de sua vez, sempre é possível, enquanto
houver o gênero, ainda que não esteja eventualmente no patrimônio do devedor. A
simples dif‌iculdade não exonera, mas a desproporcionalidade do custo para o cumpri-
mento da prestação é equiparável à impossibilidade.” (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado
de. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Comentários ao novo Código Civil, v.
VI, Tomo II. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 548).
98. Essa última hipótese não se confunde com a mera dif‌iculdade econômica no cum-
primento ou com o instituto da onerosidade excessiva, concretizando-se apenas nas
circunstâncias em que o esforço para que se realize a prestação é tamanho a ponto
de se equiparar a impossibilidade. Trata-se do exemplo clássico em que o devedor se
obriga a entregar um anel que, posteriormente, cai em um enorme lago, sem sua culpa.
Segundo Menezes Cordeiro, “seria possível drenar o lago e pesquisar adequadamente
na areia, numa operação de milhões. Haveria, todavia e perante a boa-fé, um grave de-
sequilíbrio perante o interesse do credor.” (MENEZES CORDEIRO, António Manuel.
Modernização do direito das obrigações. In: Revista da Ordem dos Advogados de Portugal,
v. II, abr./2002. Disponível em: < http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.
aspx?idc=31559&idsc=13744&ida=13767>. Acesso em: 05 nov. 2018.
99. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Co-
mentários ao novo Código Civil, v. VI, Tomo II. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011.
p. 546-547.
100. COGO, Rodrigo Barreto. A frustração do f‌im do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
p. 305.
39
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Com efeito, considerando que na frustração do m do contrato o seu cumpri-
mento ainda é plenamente possível, contudo não há mais utilidade, inexiste
mais razão de ser, levando à sua inecácia, é indiscutível que o mesmo suporte
fático não pode dar ensejo à conguração da impossibilidade da prestação. Isso
porque são incompatíveis, extremam-se. Na frustração do m do contrato o seu
cumprimento é inteiramente plausível, porém seu desígnio restou fracassado.
De outra banda, na impossibilidade da prestação se constata característica inde-
clinável, qual seja, a absoluta impossibilidade de cumprimento da prestação.101
Pense-se, por exemplo, no caso em que um imóvel é alugado
para determinado f‌im, como a venda de bebidas alcóolicas. Caso o
imóvel pegue fogo e deixe de existir, haverá impossibilidade super-
veniente, já que será impossível cumprir a prestação de disponibili-
zação da área para aluguel. Se, porém, a venda de bebidas alcóolicas
é proibida naquela região, haverá frustração do f‌im do contrato, na
medida em que, embora o aluguel do espaço ainda seja possível e
lícito, o imóvel não servirá à f‌inalidade visada pelas partes.
Outro exemplo é a contratação de prestação de serviços de pin-
tura da abóbada e de construção de porta para uma igreja, que venha
a ser destruída por um bombardeio. A destruição da igreja torna a
pintura da abóbada impossível – pois a própria abóbada deixou de
existir –, mas frustra o f‌im do contrato para construção da porta,
uma vez que a prestação do referido serviço, a rigor, ainda é possível
conquanto tenha se tornado inútil.102
A doutrina anglo-saxã faz essa distinção ao comentar o clássico
caso Krell. v. Henry. Conf‌ira-se:
Perante a corte, Henry alegou que seu dever de pagar o aluguel foi dispensado
com base na doutrina da impossibilidade. Essa doutrina, porém, não é a mais
correta, pois o cancelamento da coroação não tornou a obrigação de Henry – de
101. NANNI, Giovanni Ettore. Frustração do f‌im do contrato: análise de seu perf‌il conceitual.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 23, jan./mar. 2020. p.
56.
102. “(..) A diferença está em que nos dois primeiros o ato da prestação tornou-se inviável:
não se pode desencalhar um navio se ele não está encalhado; não se pode pintar a
abóbada de uma igreja se ela não existe mais. No entanto, pode-se construir a porta
independentemente da existência da igreja, da mesma forma como é possível alugar
as janelas do edifício independentemente da realização do cortejo real.
O critério para a distinção reside em verif‌icar se o ato de prestar em si pode ser realizado
ou não ante a alteração das circunstâncias.” (COGO, Rodrigo Barreto. A frustração do
f‌im do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 280).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
40
pagar aluguel – impossível. Pelo contrário, o cancelamento não teve qualquer
efeito sobre a capacidade de Henry fazer o pagamento. Ele ainda poderia ter
realizado o pagamento ou assinado um cheque, com a mesma facilidade que
faria se a coroação não tivesse sido cancelada. Não obstante, a corte julgou em
seu favor, fazendo uma analogia com a impossibilidade e criando uma nova
doutrina de dispensa do cumprimento, a da frustração.103
Ao realizar o cotejo entre os dois institutos – impossibilidade
de prestação e frustração do f‌im do contrato –, Espert Sanz aduz que
pertencem a campos conceituais distintos, sendo que a frustração é
ontologicamente superior à impossibilidade. Isso porque a impos-
sibilidade é verif‌icada no plano do poder ser: ou bem a prestação é
jurídica e f‌isicamente possível, ou bem não o é e, portanto, não há o
que se discutir acerca da sua existência. Já no âmbito da frustração
do f‌im do contrato, não há dúvida de que a prestação é possível,
contudo, investiga-se se o contrato deve permanecer hígido diante
da sua inutilidade para as partes:
Certas prestações podem ser, tem aptidão metasica para se tornar realidade.
Porém, têm utilidade vital, existencial para se tornarem realidades?
A prestação que se tornou inútil, que carece de sentido para seu credor, mesmo
que ainda possa ser realizada, atualizada pelo devedor da mesma, merece ser?
Pode o direito tutelar seu nascimento, sua execução, a despeito do ônus que,
no mundo dos valores, dos sacrifícios econômicos e jurídicos, representará
à contraparte?
Não pertencem ao mesmo campo de estudo, ontologicamente falando, o
problema da impossibilidade e o da frustração. Ser não é o mesmo que me-
recer ser.104
103. Tradução livre de: “Before the court, Henry asserted that his duty to pay rent was excused
under the Impossibility doctrine. That doctrine was not directly on point, however, as can-
cellation of the coronation did not render Henry’s performance—to pay the rent—impossible.
To the contrary, the cancellation had no effect whatsoever on Henry’s ability to tender the
funds. He could still have tendered cash or written a check just as easily have had the coro-
nation never been cancelled. The court nevertheless ruled in his favor by analogizing from
Impossibility to create a new excuse doctrine, that of Frustration.” (SCHWARTZ, Andrew
A. A ‘standard clause analysis’ of the frustration of doctrine and the material adverse change
clause. In: 57 UCLA L. Rev. 789 (2010). Disponível em: < https://scholar.law.colorado.
edu/articles/451/>. Acesso em: 28 set. 2018. p. 16-17).
104. Tradução livre de: “Ciertas prestaciones pueden ser, tienen aptitud metafísica para devenir
realidades. Pero, ¿tienen utilidad vital, existencial para devenir tales realidades?
La prestación que ha devenido inútil, que carece de sentido para su acreedor, aunque aún
puede ser realizada, actualizada por el deudor de la misma, ¿merece ser? ¿Puede el Derecho
41
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Mencione-se, ainda, que, em regra – mas nem sempre –, há
diferença entre as esferas de interesse tuteladas por cada instituto.
Enquanto a impossibilidade superveniente tende a proteger os in-
teresses do devedor, que não pode ser obrigado a algo que se tornou
impossível, a frustração, normalmente, atende aos interesses do cre-
dor, com fundamento no princípio de que este não pode ser obrigado
a receber prestação que não lhe é útil, eis que o propósito que fundou
a celebração do contrato não é mais alcançável.105
Há, porém quem sustente, que as hipóteses identif‌icadas como
frustração do f‌im do contrato estariam abarcadas no ordenamento
brasileiro pela impossibilidade superveniente, valendo-se de uma
visão mais alargada do instituto. Af‌irma-se, nessa linha, que se estaria
diante da “impossibilidade de concretização do programa contratual
originário, isto é, da concretização da síntese de interesses que as
partes objetivamente inseriram na avença (informada pela noção de
causa contratual em concreto)”. Ou seja, se trataria de uma chamada
impossibilidade superveniente no “plano funcional”.106
tutelar su nacimiento, su ejecución, aun a pesar de la carga que en el mundo de los valores, de
los sacrif‌icios económicos y jurídicos va ello a representar frente a la otra parte contratante?
No pertenecen al mismo campo de estudio, ontológicamente hablando, el problema de la
imposibilidad y el de la frustración. No es lo mismo ser que merecer ser.” (SANZ, Vicente
Espert. La frustración del f‌in del contrato. Madri: Editorial Tecnos, 1968. p. 194).
105. “Na frustração do f‌im a prestação ainda é possível, mas o credor não tem interesse nela;
na impossibilidade, por outro lado, a prestação já não pode ser cumprida. Ademais, do
ponto de vista do interesse tutelado, a impossibilidade protege o devedor da prestação
que tornou-se irrealizável, fundando-se no princípio de que ninguém pode ser obrigado
ao impossível, enquanto a frustração do f‌im protege o interesse do credor, que não pode
ser obrigado a receber uma prestação carente de utilidade, pois esse propósito prático,
básico, elementar do negócio, que o animou a celebra-lo já não pude ser alcançado.”
Tradução livre de: “En la frustración del f‌in de la prestación es aún posible, pero el acreedor
no tiene interés en ella; en la imposibilidad, en cambio, la prestación ya no puede cumplirse.
Además, desde el punto de vista del interés tutelado, la imposibilidad protege al deudor de
la prestación que devino irrealizable, fundándose en el principio de que nadie puede ser
obligado a lo imposible, mientras que la frustración del f‌in protege el interés del acreedor,
al que no se le puede obligar a recibir una prestación carente de toda utilidad, pues ese
propósito practico, básico, elemental del negocio, que lo animó a celebrarlo ya no puede
alcanzarse.” (FREYTES, Alejandro E. La frustración del f‌in del contrato. 2 Ed., Bogotá:
Grupo Editorial Ibáñez, 2016. p. 215).
106. SOUZA, Eduardo Nunes de e SILVA, Rodrigo da Guia. Resolução contratual nos tempos
do novo coronavírus. In: Migalhas Contratuais. Disponível em:
com.br/coluna/migalhas-contratuais/322574/resolucao-contratual-nos-tempos-do-
-novo-coronavirus>. Acesso em: 08.04.2020.
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
42
Essa construção, porém, se afasta do conceito técnico de im-
possibilidade superveniente. Com efeito, o que o art. 248 do Código
Civil disciplina é a impossibilidade superveniente da prestação, e
não a impossibilidade superveniente do contrato ou, ainda, de sua
função concreta. O objeto da obrigação (a prestação) e o objeto
do contrato (que inclui a sua função) são, evidentemente, coisas
diferentes, que não podem ser confundidas pelo intérprete. Como
leciona Díez-Picazo, “a causa da obrigação responde à pergunta cur
debetur, isto é, porque se deve (causa debendi, causa obligationis). A
causa do contrato responde à pergunta cur contraxit, isto é, porque
se contratou, porque se celebrou o contrato (causa contractus, causa
negotii)”.107
Tanto é assim que a função concreta do contrato vai além dos
efeitos essenciais do tipo contratual – e, portanto, da prestação e
contraprestação –, sendo informada por todo o concreto regulamento
de interesses estabelecido entre as partes em cada situação específ‌ica.
Nesse sentido, não há que se falar em impossibilidade superveniente
da prestação, nos termos do art. 248 do Código Civil, quando o que
se torna impossível é o atingimento da função concreta do contrato,
e não o cumprimento da prestação em si.
Por f‌im, tem-se que os institutos geram efeitos diversos. Confor-
me se verá em maior detalhe no capítulo 3, o risco da prestação – e,
portanto, de sua impossibilidade superveniente – corre por conta
do devedor, enquanto o risco da impossibilidade de se atingir o f‌im
do contrato é comum às partes. Nesse sentido, a impossibilidade
superveniente da prestação conduz ao retorno das partes ao status
quo ante, arcando o devedor com eventuais custos já incorridos para
o seu cumprimento. Já na frustração do f‌im do contrato, o ônus da
inef‌icácia do negócio não recai sobre apenas uma das partes, de modo
que os prejuízos sofridos devem ser equitativamente distribuídos
entre elas.
107.La causa de la obligación contesta a la pregunta cur debetur, esto es, por qué se debe (causa
debendi, causa obligationis). La causa del contrato responde a la pregunta cur contraxit, es
decir, por qué se contrajo, por qué se celebró el contrato (causa contractus, causa negotii).”
(DÍEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial – Vol. I. 6 Ed., Navarra:
Civitas, 2007. p. 272).
43
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
1.3.2.2. A frustração do m do contrato e a condição
Nos termos do art. 121 do Código Civil, condição é “a cláusula
que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o
efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. Segundo Caio
Mário da Silva Pereira, trata-se do “acontecimento futuro e incerto,
de cuja verif‌icação a vontade das partes faz depender o nascimento
ou a extinção das obrigações e direitos”.108
Pontes de Miranda defende que não se trata de uma cláusula
acessória do negócio jurídico, mas de um elemento “inexo” à de-
claração de vontade das partes, uma parcela incindível do negócio
jurídico.109 A doutrina ressalta, ainda, que é “elemento essencial da
condição a incerteza sobre a ocorrência do evento, que deve ser ob-
jetiva, não bastando que o evento seja desconhecido pelas partes”.110
De fato, pode-se notar algumas similaridades entre a condi-
ção e o instituto ora objeto de estudo, tanto que um dos principais
antecedentes teóricos da frustração do f‌im do contrato, explorava
justamente a noção de pressuposição como uma condição “não
desenvolvida” e não expressamente prevista no contrato, mas que
teria servido de pressuposto para o programa contratual, extraível
de uma suposta vontade das partes.
No entanto, a teoria evoluiu justamente com o objetivo de se
desprender de uma vontade hipotética ou presumida das partes.
Mesmo nos ordenamentos anglo-saxões, onde ainda se utiliza a
terminologia de tacit assumptions, a doutrina ressalta que os “pres-
supostos tácitos não são explicitados, ainda que formem a base do
contrato, justamente porque são tomados como certos. Eles estão
108. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. 27 Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014. p. 464.
109. “As condições e os termos não são manifestações anexas de vontade, como modus; são
inexas. O nexo, que entre elas e o ato jurídico existe, é interior, íntimo. Não são conexas,
nem anexas. A conexidade torna em relação as manifestações de vontade, mas sem se dar
a inserção de uma na outra, o que a inexão supõe.” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti
Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. V. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. p. 98).
110. BOUÇAS, Danielle Fernandes e LEAL, Livia Teixeira. Condição e Autonomia Existen-
cial: In: TEPEDINO, Gustavo e OLIVA, Milena Donato (coord.). Teoria Geral do direito
civil: questões controvertidas. Rio de Janeiro: Fórum, 2018. p. 190-191.
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
44
tão profundamente incorporados nas mentes das partes que simples-
mente não lhes ocorre explicitar os pressupostos (...)”.111
Também no direito continental, af‌irma-se que, ao estabelecer
uma condição, os contraentes partem da incerteza acerca do evento,
enquanto nas hipóteses que caracterizam a frustração do f‌im, as
partes pressupõem certo estado fático, partindo da certeza de que
tal estado acontecerá ou subsistirá.
Além disso, tem-se que, enquanto a condição é uma modalida-
de do negócio jurídico e, como tal, uma limitação voluntária à sua
ef‌icácia que tem como fonte a vontade das partes,112 a frustração do
f‌im do contrato é “uma vicissitude que pode ser invocada inobstante
a falta de previsão expressa no contrato”.113
1.3.2.3 A frustração do m do contrato e o erro sobre motivo
O art. 138 do Código Civil prevê que “são anuláveis os negócios
jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro subs-
tancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal,
em face das circunstâncias do negócio”.
O erro consiste em uma falsa representação que vicia a vontade
do contratante no momento da celebração do contrato.114 Segundo
Gomes, o erro impede que a vontade do declarante “se forme em
consonância com sua verdadeira motivação. Tendo sobre um fato
111. Tradução livre de: “Tacit assumptions are not made explicit, even where they are the basis
of a contract, precisely because they are taken for granted. They are so deeply embedded
in the minds of the parties that it simply doesn’t occur to them to make these assumptions
explicit.” (EISENBERG, Melvin A. Impossibility, impracticability and frustration. In:
Journal of Legal Analysis, v. 1, No. 1, 2009. p. 211).
112. “A condição, em sentido técnico-jurídico, é sempre uma modalidade do negócio ju-
rídico e, portanto, uma limitação voluntária à sua ef‌icácia. Tem como fonte a vontade
das partes.” (SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018. p. 229).
113. Tradução livre de: “(…) una vicisitud que puede invocarse pese a la falta de previsión
expressa de los contratantes.” (FREYTES, Alejandro E. La frustración del f‌in del contrato.
2 Ed., Bogotá: Grupo Editorial Ibáñez, 2016. p. 232-233).
114. “O legislador de 1916 já equiparara a ignorância – ausência completa de conhecimento
de um pressuposto ou elemento essencial do negócio jurídico a ser celebrado – ao
erro – falsa representação da realidade na qual se funda a declaração de vontade.”
(TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de.
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. I. 3 Ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2014. p. 138).
45
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
ou sobre um preceito noção inexata ou incompleta, o agente emite
sua vontade de modo diverso do que a manifestaria, se deles tivesse
conhecimento exato, ou completo”.115
Das hipóteses disciplinadas no Código Civil, a que mais se
aproxima da frustração do f‌im do contrato é a do erro quanto ao
motivo. Nesse particular, estabelece o art. 140 do Código Civil que
“o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso
como razão determinante”.116
Assim como ocorre na frustração do f‌im do contrato, o erro so-
bre os motivos não terá relevância jurídica quando se estiver diante
de motivos internos, não exteriorizados pelo contratante. É o que
ocorre, por exemplo, quando uma pessoa adquire determinando
bem, pretendendo presentear um amigo em seu aniversário, mas se
equivoca quanto à data do referido evento. Evidentemente, a compra
e venda não poderá ser anulada à luz de tais circunstâncias.
Com efeito, para que esse remédio seja aplicável, impõe-se
que “o outro contratante, tenha conhecimento do motivo e o aceite
como razão essencial do negócio, gerando, assim, um acordo a seu
respeito”.117 Embora haja discussão no que tange a esse ponto, parte
relevante da doutrina sustenta que o referido acordo não precisa,
necessariamente, ser escrito, entendendo-se que ao utilizar o termo
“expresso”, o legislador pretendeu se referir a acordo que é “mani-
festo, real, mas pode ser verbal e até pode constar de declarações
receptícias tácitas”.118
115. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Coordenador: BRITO, Edvaldo. 19 Ed.
rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 373-374.
116. O art. 139 do Código Civil prevê, ainda, que:
Art. 139. O erro é substancial quando:
I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das
qualidades a ele essenciais;
II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se ref‌ira a decla-
ração de vontade, desde que tenha inf‌luído nesta de modo relevante;
III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou
principal do negócio jurídico.”
117. THEODORO JÚNIOR, Humberto. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord). Co-
mentários ao novo Código Civil, v. III, Tomo I. 2 Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2003. p. 91-92.
118. THEODORO JÚNIOR, Humberto. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.).
Comentários ao novo Código Civil, v. III, Tomo I. 2 Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2003. p. 92.
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
46
Nessa linha, Schreiber leciona que o negócio jurídico será
anulável quando o falso motivo for razão determinante do negócio,
“assim entendida não apenas a razão expressa, mas também aquela
que resulte inequivocamente das circunstâncias”. E, ao assim fazer,
o autor menciona que “o ponto aqui discutido associa-se à antiga
teoria da pressuposição de Windscheid”.119
De fato, há visível proximidade entre o erro sobre motivo e a
teoria da pressuposição que, como se viu no item 1.1.2, se baseava
na existência de uma relação de dependência entre a declaração de
vontade e determinadas circunstâncias pressupostas pelo declarante,
cuja ausência autorizaria o desfazimento do negócio. Tanto é assim
que uma das principais críticas sofridas por Windscheid foi a proxi-
midade com o conceito de motivo interno.
Essa questão foi abordada por Larenz ao separar a base subjeti-
va e a base objetiva, def‌inindo a primeira como uma representação
mental que inf‌luiu fortemente na formação dos motivos – o que seria
relevante justamente na aplicação do instituto do erro –, e a segunda
como o “conjunto de circunstancias cuja existência ou persistência
é pressuposto do contrato”.120
Não há dúvida de que a teoria da frustração do f‌im do contrato
evoluiu no sentido de objetivar o conceito de f‌im, o qual é atualmente
descrito como “o propósito ao qual o contrato serve na vida real,
isto é, o resultado empírico ou prático que, em atenção aos próprios
e peculiares interesses, se pretende alcançar”.121 Ainda assim, tal
noção guarda similaridades com o conceito de motivo enquanto
razão determinante do contrato atualmente utilizado pela doutrina
ao tratar do erro.
Na realidade, a diferença mais marcante entre a frustração do
f‌im do contrato e o erro é o momento da contratação em que cada
119. SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil contemporâneo. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018. p. 250.
120. Tradução livre de “el conjunto de circunstancias cuya existencia o persistencia presupone
debidamente el contrato.” (LARENZ, Karl. Base del negocio jurídico y cumplimiento de
los contratos. Madrid: Editora Revista de Derecho Privado, 1956. p. 37).
121. Tradução livre de: “(…) el propósito a que el contrato sirve dentro de la vida real, es decir,
el resultado empírico o práctico que en orden a los proprios y peculiares intereses se pretende
alcanzar.” (DÍEZ-PICAZO, Luis. Prefácio da obra SANZ, Vicente Espert. La frustración
del f‌in del contrato. Madri: Editorial Tecnos, 1968. p. 10).
47
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
instituto incide. Espert Sanz esclarece que, ainda que se busque a
anulação em momento posterior, a causa da inef‌icácia gerada pelo
erro surge no momento da formação da vontade contratual – tanto é
assim que se trata de defeito do negócio jurídico. Já inef‌icácia gerada
pela frustração do f‌im do contrato ocorre após a contratação, sendo
certo que o contrato “goza de uma vida perfeita, não claudicante,
como no caso do erro, por todo o tempo que decorre entre o seu
aperfeiçoamento e a ocorrência do evento que frustra a possibilidade
de se alcançar o f‌im do contrato”.122
Como se vê, a frustração do f‌im do contrato e o erro tem função
bastante similar: tutelar os motivos determinantes ou os resultados
práticos diretos e imediatos que cada uma das partes pretende extrair
do cumprimento do contrato, desde que reconhecidos pela outra
parte expressa ou implicitamente. Porém, enquanto o erro é um
defeito do negócio jurídico que surge no momento da contratação,
a frustração do f‌im do contrato é causa superveniente de inef‌icácia
de contrato que, até a ocorrência do evento que a gerou, era plena-
mente válido e ef‌icaz.
A constatação de que o erro, instituto absolutamente consolida-
do no Brasil, garante tutela à situação jurídica em que o contratante
se equivoca em relação ao motivo determinante da contratação,
vem apenas reforçar a relevância da aplicação da frustração do f‌im
do contrato no ordenamento brasileiro, eis que esta última tutela
interesse qualitativamente semelhante, porém em momento diverso
da relação contratual.
1.3.2.4 A frustração do m do contrato e o desequilíbrio
contratual superveniente
A frustração do f‌im do contrato e o desequilíbrio contratual
superveniente são comumente tratados em conjunto. Af‌inal, como
já noticiado, ambos os institutos encontram raízes na medieval
clausula rebus sic stantibus e se relacionam à alteração superveniente
122. Tradução livre de: “goza de una vida perfecta, no claudicante, como em el caso del error, por
todo el tempo que corre entre la perfección y el acontecimiento que frustra la posibilidad de
conseguir el f‌in del contrato.” (SANZ, Vicente Espert. La frustración del f‌in del contrato.
Madri: Editorial Tecnos, 1968. p. 136).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
48
de circunstâncias. Tanto é assim que, em conjunto, formam as situ-
ações tratadas por Larenz sob a ótica da quebra da base objetiva do
contrato.123
Não obstante, não há dúvida de que se tratam de institutos diver-
sos. Mesmo Larenz, apesar de abarca-los sob o mesmo gênero (quebra
da base objetiva do contrato), esclarece que se tratam de hipóteses
distintas, que, por conseguinte, merecem tratamentos diferentes.
Também na Itália, embora tenha havido tentativa de tutelar
ambas as hipóteses sob a égide do art. 1467 do Código Civil, jurispru-
dência e doutrina rapidamente notaram a insuf‌iciência do dispositivo
para tanto, passando a se valer de uma noção moderna da teoria da
pressuposição para lidar com as situações objeto do presente estudo,
como se viu no item 1.2 acima. Nesse sentido, ressalta Gallo:
Portanto, não devemos nos surpreender se na Itália, mesmo depois de o
Código ter expressamente regulado a impossibilidade de cumprimento e a
onerosidade excessiva superveniente, a jurisprudência continue a falar das
hipóteses mencionadas acima sob a ótica da pressuposição. Trata-se, de fato,
de fattispecie diferentes.124
123. “Entendemos por ‘base objetiva do negócio’ as circunstâncias e estado geral as coisas
cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato subsista,
segundo o signif‌icado das intenções de ambos contratantes, como regulação dotada de
sentido. Um contrato não pode subsistir como regulação dotada de sentido:
a) quando a relação de equivalência entre prestação e contraprestação que nele se
pressupõe se destruiu em tal medida que não se pode mais falar racionalmente em
‘contraprestação’;
b) quando a f‌inalidade objetiva do negócio, expressada no seu conteúdo, se tornar
inalcançável ainda que a prestação do devedor ainda seja possível.”
Tradução livre de: “Entendemos por ‘base del negocio objetiva’ las circunstancias y estado
general de cosas cuya existencia o subsistencia es objetivamente necesaria para que el
contrato subsista, según el signif‌icado de las intenciones de ambos contratantes, como
regulación dotada de sentido. Un contrato no puede subsistir como regulación dotada de
sentido:
a) cuando la relación de equivalencia entre prestación y contraprestación que en él se
presupone, se haya destruido en tal medida que no pueda ya hablarse racionalmente de
‘contraprestación’;
b) cuando la f‌inalidad objetiva del contrato, expresada en su contenido haya resultado
inalcanzable, aun cuando la prestación del deudor sea todavía posible.” (LARENZ, Karl.
Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madrid: Editora Revista de
Derecho Privado, 1956. p. 170).
124. Tradução livre de: “Non ci deve quindi stupire se in Italia, anche dopo che il codice ha
expressamente regolato l’impossibilità ad adempiere e l’eccessiva onerosità sopravvenuta,
la giurisprudenza continui a parlare delle ipostesi menzionate da ultimo sotto il colore pella
49
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Considerando as notáveis similaridades entre os dispositivos
relevantes dos Códigos Civis italiano e brasileiro, não é de se estra-
nhar que cenário semelhante se desenhe no ordenamento pátrio.
No Código Civil brasileiro, o desequilíbrio contratual superve-
niente é disciplinado pelos artigos 317 e 485. Enquanto o primeiro
autoriza a revisão do preço quando “por motivos imprevisíveis, so-
brevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o
do momento de sua execução”, o segundo estabelece que o devedor
poderá pleitear a resolução “nos contratos de execução continuada
ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessiva-
mente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”.125
De acordo com Schreiber, o art. 317 do Código Civil retrata a
hipótese de desequilíbrio contratual horizontal, “verif‌icado a partir
do agravamento do sacrifício econômico imposto ao contratante
no tempo – entre o momento da formação do contrato e momento
de sua execução”, enquanto o art. 478 do mesmo diploma tutela
situações de desequilíbrio contratual vertical, “constatado a partir
da comparação entre os direitos e obrigações (latu sensu) recíprocos
que compõem o objeto do contrato”.126
Seja qual for a hipótese, o autor explica que a questão do de-
sequilíbrio contratual superveniente deve ser abordada como um
problema de cunho econômico e objetivo, sendo certo que “o que
persegue a ordem jurídica com um princípio do equilíbrio contratual
é precisamente que o contrato não apresente uma grave desproporção
dos seus impactos econômicos sobre os contratantes, entre si ou ao
longo do tempo”.127
presupposizione. Si tratta in effeti di fattispecie differenti.” (GALLO, Paolo. Sopravve-
nienza contrattuale e problemi di gestione del contrato. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore,
1992. p. 276).
125. Não obstante a literalidade do dispositivo, atualmente, relevante doutrina defende a
revisão como remédio possível e até mesmo preferencial diante do desequilíbrio contra-
tual superveniente. Nesse sentido, uma das propostas interpretativas expostas na tese
de titularidade de Anderson Schreiber: SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual
e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 250-273.
126. SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018. p. 216.
127. SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva
Educação, 2018. p. 214.
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
50
Daí se extrai que a frustração do f‌im do contrato não se con-
funde com o desequilíbrio contratual superveniente, na medida em
que a primeira não se caracteriza pela desproporção dos impactos
econômicos do contrato, e sim pela superveniente impossibilidade
de alcançar o escopo contratual perseguido pelas partes.
Ou seja, a frustração do f‌im do contrato pode até gerar um
sacrifício excessivo a uma das partes, mas não sob a ótica de des-
proporção econômica das obrigações e direitos assumidos entre os
contratantes, e sim porque “o benefício pelo qual se está pagando não
tem mais qualquer utilidade ou razão de ser, uma vez que a f‌inalidade
do contrato se perdeu”.128
Interessante notar, por f‌im, que, conquanto a doutrina contem-
porânea caminhe no sentido de defender a revisão de contratos dese-
quilibrados, à luz do princípio da conservação dos pactos, tal remédio
parece incompatível com a maior parte das hipóteses contempladas
pela frustração do f‌im do contrato, já que a perda de f‌inalidade não
pode ser resolvida com a adaptação da relação contratual.
1.3.2.5 A frustração do m do contrato e o caso for tuito ou
força maior
caso fortuito ou de força maior verif‌ica-se no fato necessário, cujos
efeitos não era possível evitar ou impedir”. A partir disso, Pontes de
Miranda aponta para a inutilidade de distinção entre caso fortuito e
de força maior,129 conceituando-os como “acontecimento, previsível
ou não, que causa danos e cujas consequências são inevitáveis”.130
Assim, o devedor não responderá pelos danos causados pelo
caso fortuito ou de força maior, nos termos do art. 393 do Código
128. COGO, Rodrigo Barreto. A frustração do f‌im do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
p. 295.
129. Também nesse sentido: RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – v. 2. 30 Ed., São Paulo,
Editora Saraiva: 2002. p. 240; GOMES, Orlando. Obrigações. Coordenador: BRITO,
Edvaldo. 17 Ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 180; MARTINS-COSTA,
Judith. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord). Comentários ao novo Código Civil,
v. V, Tomo II. 2 Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 288.
130. IRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. XXIII. Atualizado
por NERY JR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. p. 159.
51
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Civil,131 vez que o incumprimento lhe será inimputável.132 Do mesmo
modo, o evento em questão poderá levar à impossibilidade superve-
niente da prestação,133 hipótese em que as partes se verão liberadas
do cumprimento das obrigações previstas nos contratos, conforme
visto no Item 1.3.2.1 acima.
Verif‌ica-se, portanto, que o caso fortuito ou de força maior é
situação de fato que poderá conduzir à impossibilidade supervenien-
te da prestação. Da mesma forma, um fato necessário, cujos efeitos
não era possível evitar ou impedir, pode conduzir à frustração do
f‌im do contrato, quando levar à impossibilidade de alcançar o f‌im
perseguido pelos contratantes.134
131. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”
132. “A respeito do não cumprimento propriamente dito, há que se verif‌icar qual a sua
causa. Importa distinguir, na verdade, se a prestação deixou de ser realizada em
consequência de facto do devedor, ou se, pelo contrário, isso derivou de facto do
credor ou de terceiro, de circunstância fortuita ou de força maior, ou, inclusive, da
lei. Assim, o incumprimento dir-se-á imputável ou não imputável ao devedor. Só no
primeiro caso existe uma autêntica e característica falta de cumprimento.” (COSTA,
Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 12 Ed., rev. e atual. Coimbra: Almedina,
2009. p. 1034).
133. MARTINS-COSTA, Judith. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord). Comentários
ao novo Código Civil, v. V, Tomo II. 2 Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p.
290.
134. Há quem sustente que há relação de causa e efeito entre a frustração do f‌im do contrato
e o caso fortuito ou de força maior: “O caso fortuito ou de força maior revela-se no
fato necessário e inevitável, inimputável a qualquer das partes, o qual acarreta, via
de regra, a impossibilidade de cumprimento da obrigação. Há, por consequência,
uma impossibilidade objetiva e absoluta de se executar a obrigação, de forma que o
devedor é exonerado da responsabilidade pelo incumprimento. No entanto, pode
ocorrer de o evento fortuito ou de força maior implicar somente em uma dif‌iculdade
ou maior onerosidade da prestação, o que não acarreta a liberação do devedor, nos
termos do art. 393 do Código Civil, mas pode dar ensejo à resolução por excessiva
onerosidade. Sendo assim, caso fortuito ou de força maior é fato e/ou evento que
acarreta a produção desses efeitos (impossibilidade ou dif‌iculdade). A frustração
do f‌im do contrato é mais um dos efeitos que o caso fortuito ou de força maior pode
gerar. Dessa forma, observamos que a relação entre eles é de causa e efeito, o que não
os torna idênticos.” (COGO, Rodrigo Barreto. A frustração do f‌im do contrato. Rio de
Janeiro: Renovar, 2012. p. 272-273). A af‌irmação, todavia, pode ser problemática à luz
da doutrina que defende que a impossibilidade absoluta é requisito para conf‌iguração
do caso fortuito ou de força maior. Sobre esse ponto, a clássica lição de Serpa Lopes:
“O devedor deve provar que deixou de cumprir a obrigação atento a que o evento
sobrevindo o privou de agir de outro modo, Daí o dizer-se que o evento constitutivo
da força maior deve ser invencível ou irresistível. Todavia não se deve confundir im-
possibilidade com dif‌iculdade, pois esta não exonera o devedor da responsabilidade
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
52
Assim, a impossibilidade superveniente e a frustração do f‌im
do contrato são efeitos diferentes que podem ser gerados a partir
de situação concreta que juridicamente se qualif‌icaria como caso
fortuito ou de força maior.
1.4 FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
A inexistência de dispositivo legal específ‌ico acerca da frus-
tração do f‌im do contrato no ordenamento pátrio não constitui
obstáculo para o seu reconhecimento no Brasil. Na realidade,
conforme narrado neste capítulo, o instituto surgiu e se desen-
volveu em diversas experiências jurídicas estrangeiras como uma
construção doutrinária e jurisprudencial, sendo posteriormente
positivado em algumas delas.
No Brasil, relevante doutrina sustenta que o instituto encontra
guarida no princípio da função social do contrato, positivado no arti-
go 421 do Código Civil.135 Nessa linha, o Enunciado n° 166, aprovado
na III Jornada de Direito Civil, dispõe que “a frustração do f‌im do
contrato, como hipótese que não se confunde com a impossibilidade
da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito
brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil”.
Cogo, propositor do verbete acima transcrito, entende que o
contrato que não pode mais cumprir sua f‌inalidade “não atende à
função social, visto que não permite mais que ele funcione como um
instrumento de troca que proporcione a satisfação dos interesses dos
contratantes, não sendo lícito exigir o seu cumprimento”.136
pelo inadimplemento da obrigação, reconhecendo, ainda, a melhor doutrina que a
impossibilidade deve ser absoluta e não relativa.” (LOPES, Miguel Maria de Serpa.
Curso de direito civil: v. 2 (obrigações em geral). 2 Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1954. p. 464).
135. Art. 421. A liberdade de contratar será exercida nos limites da função social do con-
trato.”
136. COGO, Rodrigo Barreto. A frustração do f‌im do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
p. 328. Também nesse sentido: NEVES, José Roberto de Castro. Direito das obrigações.
Rio de Janeiro: GZ Editora, 2008. p. 230; AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Natureza
jurídica do contrato de consórcio. Classif‌icação dos atos jurídicos quanto ao número de
partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos relacionais.
Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma
e resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. In:
53
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Todavia, como reconhecido pelo próprio autor essa posição
parte da premissa de que a função social do contrato também se
destina a tutelar os interesses dos contratantes.137 Tal premissa, a
nosso ver, não se alinha com o melhor conceito de função social
do contrato, que não deve ser entendida como um instrumento de
proteção dos contratantes, mas sim de imposição a eles de deveres
extracontratuais relevantes. Como leciona Tepedino, “a função
social, em última análise importa na ‘imposição aos contratantes de
deveres extracontratuais, socialmente relevantes e tutelados cons-
titucionalmente”, não devendo “signif‌icar, todavia, uma ampliação
da proteção dos próprios contratantes, o que amesquinharia a fun-
ção social do contrato, tornando-a servil a interesses individuais
patrimoniais que, posto legítimos, já se encontram suf‌icientemente
tutelados pelo contrato.”138
Desse modo, não parece tecnicamente correto apoiar a aplicação
da frustração do f‌im do contrato na função social do contrato, que
se destina a criar deveres para os contratantes, e não a servir como
meio de tutela do programa contratual e dos interesses individuais
das partes.
Mais acertada, nesse sentido, a doutrina que sustenta que a
frustração do f‌im do contrato teria fundamento na cláusula geral de
boa-fé objetiva, nos termos dos arts. 187 e 422 do Código Civil.139
Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, v. 6, jun. 2011. p. 22; MELO, Marco Au-
rélio Bezerra de. Curso de direito civil, v. III, direito dos contratos, tomo I. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 384.
137. “Essa af‌irmação revela outra convicção: a de que a função social do contrato con-
cretiza-se por meio de duas facetas, uma relativa aos interesses da sociedade com
relação ao contrato e outra referente aos interesses de pessoas determinadas, em
especial os contratantes ou terceiros perfeitamente identif‌icáveis. Isso quer dizer
que a concretização da função social do contrato pode ser feita tanto em razão de
um negócio jurídico que afete a coletividade (o que é mais comum em se tratando de
contratos que acarretem prejuízos aos consumidores ou ao meio ambiente) ou, ainda,
com relação a um contrato que está prejudicando um dos contratantes, entendida a
função social como função econômico-social concreta e objetiva do negócio’ (ou inter
partes).” (COGO, Rodrigo Barreto. A frustração do f‌im do contrato. Rio de Janeiro:
Renovar, 2012. p. 328).
138. TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gus-
tavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias
contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 398-399.
139. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
54
Esse foi o caminho trilhado no direito germânico. Não obs-
tante esteja atualmente positivada no BGB, a frustração do f‌im do
contrato foi consolidada ao longo de décadas na Alemanha por meio
de construção doutrinária e jurisprudencial com base no princípio
da boa-fé. A esse respeito, Zimmermann anota que “as regras de
alteração das circunstâncias tinham sido articuladas e reconhecidas
sob os auspícios da regra geral de boa-fé prevista no § 242 do BGB e,
portanto, representam um dos mais notórios exemplos de doutrina
construída a partir da jurisprudência, tendo agora encontrado nova
base legal no § 313 do BGB”.140
Antes da positivação do instituto no novo Código Civil
argentino, Freytes também argumentava que a frustração do
f‌im do contrato encontrava fundamento no princípio da boa-fé.
Para o autor, a boa-fé objetiva não só auxilia, enquanto critério
interpretativo, na identif‌icação da função concreta do negócio,
como impede que uma das partes pretenda o cumprimento literal
do contrato quando a f‌inalidade comum visada pelas partes se
tornar inatingível.141
No direito pátrio, Noronha também ressalta que “a boa-fé exige
que se dê o contrato por sem efeito quando a f‌inalidade que as partes
140. Tradução livre de: “The rules on change of circumstances had, prior to the reform, been
worked out and generally recognized under the auspices of the general good faith rule of §
242 BGB and they had thus constituted one of the most famous examples of a judge-made
legal doctrine; they have now found their statutory home in § 313 BGB.” (ZIMMERMANN,
Reinhard. The new German law of obligations. Oxford: Oxford University Press, 2005.
p. 46).
141. “Pautas desta natureza impossibilitam que uma parte pretenda o cumprimento literal
do contrato se a f‌inalidade comum que as impulsionou a negociar fracassou, despo-
jando o acordo do propósito prático que sustentava o interesse do credor. Ademais, o
standard de referência permite reconstruir a função concreta de um negócio que não
é senão a acumulação de propósitos práticos que as partes f‌ixaram nele e aos quais o
ordenamento outorgou efeitos jurídicos.”
Tradução livre de: “Pautas de esa naturaleza imposibilitan que una parte pretenda
el cumplimiento literal del contrato, si la f‌inalidad común que las impulsó a negociar
se malogró, despojando al acuerdo del propósito práctico que sustentaba el interés del
acreedor. Además, el estándar de referencia permite reconstruir la función concreta de
un negocio, que no es sino el cúmulo de propósitos prácticos que las partes han f‌ijado en
él y a los que el ordenamiento ha otorgado efectos jurídicos.” (FREYTES, Alejandro E.
La frustración del f‌in del contrato. 2 Ed., Bogotá: Grupo Editorial Ibáñez, 2016. p.
252).
55
1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
tinham em vista, e nele pressuposta, se torna def‌initivamente irrea-
lizável, não obstante as prestações a que ambas de obrigaram, em si
mesma, continuarem objetivamente possíveis”.142
Somando-se a isso, em recente inovação legislativa, o art. 113,
§1º, V, do Código Civil passou a dispor que o contrato deve ser
interpretado conforme o sentido que “corresponder a qual seria a
razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida
das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica
das partes, consideradas as informações disponíveis no momento
de sua celebração”. Embora se trate de regra interpretativa, o dispo-
sitivo vem referendar a importância dada pelo legislador brasileiro
à tutela do que foi efetivamente almejado pelas partes no momento
da contratação.
Com efeito, não há dúvida de que o corolário da boa-fé objetiva
impõe a observância e respeito pelas partes à f‌inalidade concreta que
era efetivamente visada por elas no momento da contratação, não se
podendo exigir a manutenção do vínculo a despeito da impossibi-
lidade de alcançar tal f‌im. Conforme célebre frase de Lord Radcliffe
na House of Lords inglesa, defendendo a extinção de contrato cuja
f‌inalidade foi frustrada, “non haec in foedera veni. It was not this that
I promised to do”.143
Como se isso não bastasse, a partir da promulgação da Consti-
tuição cidadã, assistiu-se a intenso processo de constitucionalização
das relações privadas no país.144 Uma das notas distintivas desse pro-
cesso foi a funcionalização não só dos institutos de direito privado,
142. NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo:
Editora Saraiva, 1994. p. 200.
143. INGLATERRA, Davis Contractos Ltd. v. Fareham Urban District Council, [1956] A.C.
696. Disponível em: . Acesso em 20 set. 2018.
144. Como sintetizado na sexta proposição da Carta de Curitiba, resultado do VIII Encontro
UFPR-UERJ dos Núcleos de Pesquisa em Direito Civil: “Necessário se faz ref‌letir sobre
as dimensões metodológicas e axiológicas da constitucionalização do Direito Civil,
de modo a assegurar a unicidade do ordenamento, a supremacia da Constituição e
a construção de critérios que permitam aferir o substrato axiológico dos princípios
constitucionais, visando à sua efetividade. Na relação entre os diversos titulares de
liberdades no âmbito das associações e comunidades intermediárias, deve existir espaço
apto a proporcionar relevantes intersecções entre direitos fundamentais e liberdade de
associação.” (RTDC, v. 44, 2010, p. v-vi. Disponível em: < https://www.ibdcivil.org.br/
volume/RTDC.Editorial.v.044.pdf >. Acesso em 20 jan. 2019).
FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO • MARIA PROENÇA MARINHO
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que devem ser relidos à luz do ordenamento como um todo, como
das situações jurídicas em geral. Com efeito, “hoje o perf‌il funcional
é o mais relevante nessa distinção, pois utiliza o recorte fático para
ref‌letir sobre a específ‌ica função daquela situação no ordenamento
jurídico”.145
Desse modo, ao analisar qualquer situação jurídica, o interprete
deve ir além do juízo de licitude, avaliando a legitimidade do ato a
partir da realização de sua função. Por meio de análise funcional,
deve-se realizar o que se denomina juízo de disfuncionalidade, “que
identif‌ica se o exercício de determinada situação jurídica subjetiva
se dá de acordo com a sua função; trata-se de juízo eminentemente
negativo, vale dizer, que reprime exercícios disfuncionais por meio
de sanções negativas”.146
Mais especif‌icamente no âmbito das relações contratuais, atu-
almente se compreende que, para que seja merecedor de tutela no
ordenamento jurídico, o adimplemento deve não só satisfazer os
interesses do credor, como também efetivamente realizar a função
concreta do negócio entabulado entre as partes.147
A frustração do f‌im do contrato ocorre, como se viu acima,
justamente quando a f‌inalidade do negócio – identif‌icada por muitos
autores como a sua função concreta – se torna inalcançável. Ora,
se o contrato é merecedor de tutela na medida em que realiza a sua
função concreta, não há sentido na manutenção do vínculo quando
a realização de tal função não for mais possível.
Como se vê, tanto as noções de função negocial e interesse das
partes, que são tão caras à civilistica pátria contemporânea, quanto
145. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e KONDER, Carlos Nelson. Situações jurídicas
dúplices: controvérsias na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimo-
nialidade. In: Diálogos sobre direito civil: v. III (coord. TEPEDINO, Gustavo e FACHIN,
Luiz Edson). Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 6.
146. SOUZA, Eduardo Nunes de. Função negocial e função social do contrato: subsídios
para um estudo comparativo. In: Revista de direito privado, v. 54, 2013. p. 86.
147. SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento: adimplemento
substancial, inadimplemento antecipado e outras f‌iguras. In: Revista Trimestral de Direito
Civil, v. 8, n. 32, out./dez. 2007. Disponível em: .andersonschreiber.com.
br/downloads/A_Triplice_Transformacao_do_Adimplemento.pdf>. Acesso em 10 jan.
2019. p. 12-13.
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1 • FRUSTRAÇÃO E FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
o princípio da boa-fé objetiva fundamentam a aplicação da teoria da
frustração do f‌im do contrato no Brasil ainda que não haja dispositivo
legal específ‌ico tratando do tema, assim como ocorre em diversas
experiências jurídicas.

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