Como funciona o IVA hoje?

AutorMelissa Guimarães Castello
Ocupação do AutorProcuradora do Estado do Rio Grande do Sul
Páginas9-87
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1. COMO FUNCIONA O IVA HOJE?
No presente capítulo, o Imposto sobre Valor Agregado
será estudado, efetuando-se uma análise de suas caracterís-
ticas estruturantes. Este é o ponto de partida para compreen-
der se o IVA, tal qual formatado hoje, está adequado às rela-
ções de consumo do século XXI, que são aquelas relações de
consumo desencadeadas na economia digital.13
Portanto, aqui serão estudados os tributos que têm por
base de incidência o consumo, e não a renda ou o capital. So-
bre as bases da tributação, Alfredo Augusto Becker afirma
que “no mundo pré-jurídico (plano econômico), todo o tributo
incide (incidência econômica), em última análise, sobre a ren-
da ou sobre o capital”.14 Não obstante, o autor pontua que a
política fiscal pode discriminar diferentes espécies econômi-
cas de renda e de capital, que são delimitadas pelo legislador,
para formar o Direito Tributário,15 configurando as bases de
incidência tributária.
Ainda no “mundo pré-jurídico”, Adam Smith, considera-
do o “pai fundador da economia”,16 já afirmava que todos os
13. Tema que será aprofundado no capítulo 2.
14. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6ª ed. SP: No-
eses, 2013, p. 384.
15. Ibid. p. 385.
16. Conforme pontuado por Carlos Alexandre de Azevedo Campos, além de
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UM NOVO IVA?
OS TRIBUTOS SOBRE O CONSUMO E A ECONOMIA DIGITAL
impostos provêm, ao fim e ao cabo, da renda, seja ela oriunda
da remuneração do trabalho, dos lucros sobre investimento,
ou da exploração da propriedade (terra).17 Segundo Baleei-
ro, que parte dos ensinamentos de Smith, o que varia são “as
situações ou oportunidades em que a renda dos particulares
pode ser espreitada e atingida pelo Fisco”: no caso de imposto
de renda, quando ela é recebida; e no caso de imposto sobre
o consumo, quando a renda é gasta.18 No caso dos impostos
sobre o capital, estes usualmente são medidos pelo capital,
mas pagos com a renda.19 Logo, a única base de tributação,
efetivamente, seria a renda.
Com enfoque mais amplo, Ricardo Lobo Torres esclarece
que, sob a perspectiva econômica, há várias formas de classifi-
car os impostos.20 Tipke e Lang, por exemplo, classificam-nos
em impostos sobre a renda (incremento patrimonial), impos-
tos sobre o patrimônio (fundo de consumo e investimento) e
impostos sobre o consumo (consumação de bens).21 Segundo
os autores, os impostos sobre o consumo são percebidos como
mais adequados para a economia do final do século XX, por re-
fletir de forma mais precisa o resultado da economia nacional.22
Mehl, citado por Torres, agrupa os impostos em impostos sobre
prestigiado economista, Adam Smith atribuía grande importância ao estudo dos
princípios gerais do direito, tendo lecionado direito e jurisprudência nas Universi-
dades de Edimburgo e Glasgow (CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Adam
Smith. In: CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo; CAVALCANTE, Denise Luce-
na; e CALIENDO, Paulo. Leituras Clássicas de Direito Tributário. Salvador: JusPo-
divm, 2018. p. 49 e 66).
17.
SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations [recur-
so eletrônico]. 1776. Disponível em: https://bit.ly/3rjcOni Acesso em: 19 . 2021. Cap. VI.
18. BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças.18ª ed. RJ: Foren-
se, 2012. p. 338.
19. Ibid. p. 338-9.
20. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-
rio. v. IV, RJ: Renovar, 2007. p. 84.
21. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito Tributário (Steuerrecht). Vol. I, 18ª ed,
POA: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. p. 210.
22. Ibid. p. 208.
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MELISSA GUIMARÃES CASTELLO
a renda, sobre o capital e sobre o gasto (circulação e consumo).23
Ou seja, não há consenso acerca da classificação econômica das
bases de tributação, ainda que os conceitos se aproximem.
Adotando-se a classificação de Baleeiro sobre o momen-
to em que o fisco atinge a renda dos particulares, percebe-se
que a tributação sobre o consumo – que é a que interessa ao
presente trabalho – é enquadrada dentro do gênero tributa-
ção sobre a renda, mas com a particularidade de incidir de
forma indireta, após o auferimento de renda pelo contribuinte
de fato. Os tributos indiretos são os relevantes para o desen-
volvimento do raciocínio desenvolvido neste livro, portanto.
Por sua natureza, estes tributos têm impacto na formação dos
preços de venda ao consumidor final.
Assim, são irrelevantes para o problema objeto desta
pesquisa os tributos que incidem diretamente sobre a renda,
motivo pelo qual não serão estudados. Neste capítulo, serão
analisados os princípios estruturantes dos tributos indiretos
incidentes sobre o consumo; depois, passa-se ao histórico de
consolidação internacional dos IVAs; e, por fim, ao estudo das
características essenciais destes impostos.
Na análise de situações concretas, o tributo que será ob-
jeto de estudo mais aprofundado será o Imposto sobre Opera-
ções Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações
de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e
de Comunicação. Mesmo que não haja consenso acerca da
classificação do ICMS como um imposto sobre valor agrega-
do, no sentido mais estrito do termo, é o tributo incidente so-
bre o consumo de maior complexidade no país, e também o
que mais se aproxima de um IVA, conforme relembra Flávio
Couto Bernardes.24 Estes dois motivos justificam seu estudo.
23. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributá-
rio. v. IV, RJ: Renovar, 2007. p. 84.
24. BERNARDES, Flávio Couto. Conflito de Competência no ICMS: os Convênios,
o Princípio da Legalidade e a Reforma Tributária. In: SILVA, Paulo Roberto Coim-
bra; BERNARDES, Flávio Couto; e FONSECA, Maria Juliana. Tributação sobre o
Consumo. SP: Quartier Latin, 2008. p. 143.

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