O fundamento da responsabilidade kantiana: um instrumento contra a inefetividade dos direitos

AutorRaphael Bruno Veloni, Newton de Oliveira Lima
CargoMestre em Ciências Jurídicas, na área de concentração em Direito Econômico, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas (PPGCJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na qual foi bolsista Capes/Doutor em Filosofia (UFPE/UFPB/UFRN)
Páginas129-152
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
O fundamento da responsabilidade kantiana:
um instrumento contra a inefetividade dos
direitos
1
The foundation of Kantian responsibility: an instrument
against the ineffectiveness of rights
Raphael Bruno Veloni*
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa PB, Brasil
Newton de Oliveira Lima**
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa PB, Brasil
1. Introdução
A Após a r uína de grande parte dos regimes políticos autocráticos, o prestígio c onferido às
situações jurídicas subjetivas passivas entrou em descrédito. Essas situações cederam espaço
a uma proliferação de direitos, em virtude do uso imoderado do instituto dos deveres
fundamentais que, em última análise, sufocou a liberdade individual nesses regimes.
A crise dos deveres e subsequente difusão de direitos foram seguidas por uma
ausência de efetividade. Independente do título conferido ao instituto direitos humanos,
fundamentais, existenciais ou patrimoniais , a inefetividade é possivelmente uma constante
que afasta o direito formal daquele produzido na realidade nacional.
Nesse cenário, instrumentos que auxiliem na concretização dos direitos cumprem
uma significativa função. Neste artigo, o problema que norteou a pesquisa foi: Diante da
admissão de uma comunidade de direitos sem deveres, quais as implicações e/ou relevância
da aplicação da responsabilidade kantiana assim como de suas funções no mercado? A
hipótese fundamental, para esse questionamento, é pela possibilidade de empregar
validamente a responsabilidade kantiana no mercado, tendo por instrumento as funções
promocional e pedagógica da responsabilidade civil.
1
O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior - Brasil
(CAPES).
*Mestre em Ciências Jurídicas, na área de concentração em Direito Econômico, pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências Jurí dicas (PPGCJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na qual foi bolsista Capes. Advogado.
Especialista em direito Civil e empresarial pela Damásio Educacional. Graduado em Direito pelo Insti tuto de
Educação Superior da Paraíba (IESP). E-mail: raphaelveloni7@gmail.com.
**Doutor em Filosofia (UFPE/UFPB/UFRN). Professor Adjunto III, lotado no Departamento de Ciências Jurídicas (DCJ) do
Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor permanente do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas (PPGCJ) da UFPB. E-mail: newtondelima@gmail.com.
Raphael Bruno Veloni
Newton de Oliveira Lima
Direito, Estado e Sociedade n. 61 jul/dez 2022
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De forma resumida, mas buscando demonstrar uma reflexão um tanto quanto
aprofundada, pode-se destacar que o artigo está respaldo em uma pesquisa filosófica com
influxos político e dogmático. Dessa forma, desenvolveu -se uma investigação bibliográfica,
partindo de dados bibliográficos consubstanciados na literatura jurídica brasileira,
estrangeira e normativa pertinente ao tema em questão.
2. Uma comunidade de direitos sem deveres
No direito contemporâneo, múltiplos institutos compõem a estrutura da ordem jurídica,
todavia, não guardam um diálogo lógico entre si. Dentre esses inúmeros institutos, pode-se
citar os direitos naturais, direitos humanos, direitos fundamentais, direitos da personalidade,
bem como as diversas gerações de direitos, por vezes, produtos de lobby ostensivo ou
velado.
Diante do enfraquecimento de um desses institutos, a opção corriqueira está na mera
recriação semântica. O conteúdo, por sua vez, tende a ser aproximado ou até idêntico. A
predileção pelo “binômio enfraquecimento/recriação” de institutos, na visão de Ascenção
2
,
concebeu uma comunidade de direitos sem deveres.
O ato de destituir para depois reelaborar semanticamente tornou-se uma const ante
nesse período histórico em que se tinha: “uma sociedade obsessivamente preocupada em
definir e proclamar uma lista crescente de direitos humanos e impotente para fazer descer
do plano de um formalismo abstrato e inoperante [...]” estas inúmeras situações jurídicas
ativas
3
.
Essa inefetividade dos direitos está associada ao desinteresse político na sua
realização, bem como à trivialização dos grandes princípios. A simplória elaboração de
direitos, desvinculada da significante função dos deveres autônomos ou a estes conexos,
referenda a visão do outro como um obstáculo ao direito próprio, olvidando a função positiva
na realização individual. Nessa senda, os deveres não representam institutos de uso
excepcional, mas simples representação da integração social dos indivíduos, sem os quais a
pessoa não lograria êxito em sua autorrealização da personalidade
4
.
Essa passagem, de uma sociedade de deveres para uma comunidade sociopolítica de
direitos sem deveres, ocorreu em decorrência de experiências históricas negativas. Dessa
forma, a visão contemporânea da ordem jurídica é diametralmente oposta daquela
elaborada a partir do século XVIII primeira fase da modernidade. Por um largo período,
desde a grande eclosão do ocidente nessa fase da modernidade, os deveres e direitos
tiveram uma valoração assemelhada.
A desconfiança com as situações jurídicas passivas tem sua origem nos excessos das
experiências nacional-socialista e outros regimes políticos autocráticos. Na primeira, os
deveres do cidadão robusteceram o Estado, permitindo a exigência de inúmeros deveres do
povo. Pode-se citar, a título de exemplo, o dever de trabalho, de defender o povo, entre
outros
5
. Nesses regimes, os deveres excepcionam os direitos e até mesmo sufocam a
autonomia dos indivíduos.
2
2008.
3
FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 174.
4
ASCENÇÃO, 2008.
5
CANOTILHO, 2003.

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