O fundamento do cultivo na fase inicial da aplicação do regime sesmarial no Brasil

AutorAlbenir Itaboraí Querubini Gonçalves
Páginas67-75

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O presente capítulo terá como objetivo analisar como se deu a aplicação do regime sesmarial na fase inicial da colonização brasileira, no período compreendido entre o ano de 1531 e a edição do "Regimento das Sesmarias do Brasil", pelo Alvará de 5 de outubro de 1795.

3.1 O fundamento do cultivo na fase inicial da aplicação do regime sesmarial no Brasil

Conforme visto anteriormente, o descobrimento do Brasil representou um desafio ao Direito português no sentido de como regulamentar a colonização do vasto território descoberto no ano de 1500 por Pedro Álvares Cabral. Nesse sentido, também foi visto que a efetiva solução ao problema de como colonizar o território brasileiro iniciou durante o reinado de Dom João III, por intermédio de Martim Afonso de Souza que, a partir de sua chegada no ano de 1531, organizou a divisão político-territorial pelas Capitanias e deu início à distribuição de terras aos interessados em explorá-las, implantando no Brasil o regime sesmarial como instrumento de ocupação e povoamento.

Conforme já foi salientado, a implantação do regime sesmarial não se deu pela edição de uma lei específica dispondo sobre a ocupação e regulamentação das terras brasileiras. Pelo contrário, buscou-se no diálogo com a tradição a solu-

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ção para tal problemática, através da adaptação das disposições da "Lei das Sesmarias" de Dom Fernando I, que na época do descobrimento já se encontravam nas Ordenações Afonsinas e, quando da chegada de Martim Afonso de Souza no Brasil, nas Ordenações Manuelinas, sendo que, após, continuaram nas Ordenações Filipinas. Por isso, alguns autores falam que as disposições da Lei das Sesmarias foram transplantadas para o território brasileiro, a exemplo de Costa Porto1. Mas, nesse sentido, seria mais correto dizer que as disposições sobre as sesmarias foram adaptadas ou moldadas, ao invés de transplantadas. Isso porque não pode ser esquecido que o Brasil colonial era território português, ou seja, em outras palavras, o Brasil também era Portugal. Logo, enquanto território português, por consequência, o Brasil estava sujeito à jurisdição de suas leis e a Lei das Sesmarias era a lei vigente que dispunha sobre a agricultura e a propriedade agrária, razão pela qual naturalmente poderia ser aplicada também no Brasil.

Pelo simples distanciamento temporal e pelos contextos históricos distintos, verifica-se que a Lei das Sesmarias teve no Brasil uma aplicação distinta daquela que teve em Portugal, amoldando-se a uma realidade distinta de suas raízes históricas, mas mantendo seus princípios preservados ao longo do tempo pela tradição, especialmente quanto ao cultivo. Eis o ponto central de investigação desta parte do estudo: confrontar as distinções entre a aplicação da Lei das Sesmarias em Portugal e no Brasil e, após, ver como as previsões contidas nas Ordenações amoldavam-se às situações advin-

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das nas terras brasileiras, tendo o cultivo como fundamento do regime sesmarial.

Quanto à grande distância temporal existente entre a edição da Lei das Sesmarias em 26 de junho de 1375 e o início da efetiva aplicação de seus dispositivos para a colonização do Brasil, cujo marco se dá com a chegada de Martim Afonso de Souza na data de 30 de janeiro de 1531, contabiliza-se uma diferença de mais de 155 anos. Só para se ter uma noção concreta do que isso representa em termos de mudanças ocorridas na realidade portuguesa, basta considerar que durante esse período de mais de um século e meio Portugal passou de um país medieval que lutava contra a grave crise vivenciada na agricultura para um Portugal que foi o grande responsável pelo início das grandes navegações, sendo que em 1531 era detentor de vários territórios espalhados pelo mundo, dentre eles o Brasil2. Essa observação sobre as diferentes realidades vivenciadas por Portugal já seria suficiente para demonstrar que a Lei das Sesmarias não poderia ter uma aplicação idêntica ao longo desse vasto período, pois estamos diante da aplicação de uma lei em fases e com finalidades muito distintas.

Em Portugal, a finalidade inicial da Lei das Sesmarias era dar respostas à crise agrícola durante o medievo, regula-

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mentando a prática de ocupação e cultivo das terras sem uso ou desaproveitadas pelos proprietários negligentes, enquanto que no Brasil sua aplicação tinha como principal finalidade a colonização do território. Vejamos, então, essas diferenças a partir do texto das Ordenações.

O primeiro ponto a observar está na conceituação legal das sesmarias, que aparece pela primeira vez no texto das Ordenações Manuelinas (Livro IV, Título LXVII)...

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