O grafite e a preservação de sua integridade: a pele da cidade e o 'droit au respect' no direito brasileiro e comparado / Graffiti and the preservation of its integrity: the skin of the city and the 'droit au respect' in brazilian and comparative law

AutorMarcílio Toscano Franca Filho
CargoProfessor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba (graduação, mestrado e doutorado). Pós-Doutor (European University Institute, Florença, Calouste Gulbenkian Post-Doctoral Fellow). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Membro da International Association of ...
Páginas1344-1361
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.24789
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 4. ISSN 2317-7721 pp.1344 - 1361 1344
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“L'art ne reproduit pas le visible; il rend visible.”
Paul Klee, Credo du Créateur
Ano após ano, o grafite tem aumentado o seu prestígio como manifestação artística urbana. Em
certos lugares, chegou mesmo a virar atração turística, objeto de culto e alvo de peregrinação.
Galerias e museus de renome consagram espaços cada vez mais valorizados àquela manifestação
cultural. Com fundamento no Direito Comparado, o presente texto busca analisar se há ou não um
direito moral dos grafiteiros à preservação de suas obras nos muros da cidade. A conclusão segue
no sentido de que não parece razoável, hoje, deixar de conferir proteção jurídica adequada às
imagens grafitadas em paredes e muros da cidade, todavia o direito moral à integridade da obra
está longe de ser absoluto e pode ser rel ativizado em face das circunstâncias do caso concreto.
-Direito da Arte. Grafite. Direito à Integridade da Obra. Direito Moral de Autor.
Direitos Culturais. Novos Direitos Urbanos .
Graffiti has increased its prestige as ar tistic manifestation year after year. In some places, they have
even become tourist attraction. Galleries and museums all over the world devote valued spaces to
that cultural object. Based on Comparative Law, this text seeks to analyze whether there is a moral
right to the preservation of graffiti.
Art Law. Graffiti. Right to Integrity. Moral Right
1 Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba (graduação, mestrado e doutorado).
Pós-Doutor (European University Institute, Florença, Calouste Gulbenkian Post-Doctoral Fellow). Professor
Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Membro
da International Association of Constitutional Law, da International Society of Public Law e do Instituto
Hispano-Luso-Americano de Derecho Internacional. Presidente do Ramo Brasileiro da International Law
Association. Líder do LABIRINT Laboratório Internacional de Investigações em Transjuridicidade. E-mail:
mfilho@tce.pb.gov.br
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 4. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.24789
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 4. ISSN 2317-7721 pp.1344 - 1361 1345
Em uma matéria intitulada “O Grafite da Discórdia”, a edição de março de 2013 da revista
Piauí trouxe a público a história do artista plástico e professor piauiense Willyams Martins, que,
como parte de suas pesquisas para o mestrado em artes visuais na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), defendido em maio de 2006, desenvolvera uma técnica com
resina e tecido de nylon que, uma vez aplicados sobre a superfície de um muro ou parede,
retiravam todo tipo de textura encontrada neles. O projeto, denominado “Peles Grafitadas: uma
Poética do Deslocamento”, vencedor do Prêmio Braskem de Cultura e Arte, realocou e retrabalhou
grafites retirados da paisagem citadina soteropolitana para o interior de uma galeria de arte. Essa
prática rendeu ao artista uma grande polêmica entre os grafiteiros locais, que o acusaram de
usurpar seus trabalhos e comercializá-los sem indicar a exata aut oria.
Em quatro casos semelhantes, ocorridos entre 2012 e 2014, o famoso e valorizado artista
visual britânico Banksy teve seus grafites também retirados das paredes em que foram
originalmente pintados, sendo levados para galerias de arte ou leilões onde seriam negociados por
grandes somas. Os alvos foram os grafites "Slave Labour", “Sperm Alarm”, “Mobile Lovers” e “Art
Buff” – imagens de todos eles são encontradas faci lmente na internet.
Todas aquelas controvérsias, porém, tinham pouca coisa de novo... Já na Europa dos
séculos XII a XVI, um intenso debate dominou os meios jurídicos medievais. Tradicionalmente
conhecida como “tabula picta”, a polêmica referia-se, de modo muito resumido, à seguinte
questão: quem é o verdadeiro proprietário de uma pintura? Aquele que desenhou as figuras e
aplicou sobre ela as cores ou, do cont rário, aquele que detém a propriedade do pedaço de madeira
onde traços e pigmentos coloridos foram sobrepostos? Longos e complexos argumentos foram
desenvolvidos de parte a parte sem que se estabelecesse uma verdade definitiva. É fato que, como
bem lembra André Malraux, “um crucifixo românico não era, de início, uma escultura; a Madona de
Cimabue não era, de início, um quadro; nem sequer a Atena de Fídias era, de início, uma estátua”. A
arte, portanto, não nasceu como o objeto estético que hoje a conhecemos. Mesmo assim, a
polêmica da “tabula picta” torna a despertar interesse com impressionante atualidade quando se
nota que, no panorama cultural contemporâneo, o grafite realizado sobre a propriedade alheia
ganha status artístico prestigioso e obras pintadas por gente como Keith Haring, Jean-Michel
Basquiat, Banksy, Eduardo Kobra ou Os Gêmeos (ou OSGEMEOS) alcançam facilmente grande
valorização cultural, paisagística e monetár ia.

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