Resgatando a radicalidade dos direitos humanos

AutorRoriz, Jo
CargoA False Tree of Liberty: Human Rights in Radical Thought

MARKS, Susan. A False Tree of Liberty: Human Rights in Radical Thought. New York: Oxford University Press, 2020.

Em O Capital, Karl Marx nomeia como 'acumulação primitiva' o processo histórico que separa os trabalhadores e a propriedade privada das condições da realização do trabalho. Dele, os meios sociais de subsistência e de produção transformam-se em capital, e os produtores em trabalhadores assalariados - condições para o desenvolvimento do modo de produção capitalista. Ao invés de uma ordem natural ou racional de divisão do trabalho, Marx mostra como esse processo é histórico e marcado pela violenta expropriação da terra e da produção campesinas.

Marx localiza o papel das leis na usurpação da propriedade comunal. Na Inglaterra, os atos de violência que transformaram lavouras em pastagens e terras comunais em cercados começaram no século XV e se seguiram nos demais. Durante esse período, a legislação foi empregada contra tais atos violentos individuais, sem muito sucesso. Mais tarde, no século XVIII, "a própria lei se torna, agora, o veículo de roubo das terras do povo, embora os grandes arrendatários também empreguem paralelamente seus pequenos e independentes métodos privados", pontua Marx. Por meio das leis para o cercamento da terra comunal (bills for inclosures of commons), os "proprietários fundiários presenteiam a si mesmos, como propriedade privada, com as terras do povo" (Marx, 2013, p. 796).

A questão do cercamento de terras comunais e transformação da propriedade privada na Inglaterra é um dos fios condutores de A False Tree of Liberty: Human Rights in Radical Thought de Susan Marks. Professora na London School of Economics and Political Science, Marks é apontada como uma das autoras que têm buscado resgatar leituras marxistas do direito internacional (Knox, 2016; Marks, 2008). Em obra anterior, ela empregou a noção de ideologia para mostrar como o direito internacional opera de forma a monitorar Estados periféricos a partir de pretensos critérios democráticos (Marks, 2000). Nos últimos anos, Marks tem publicado reflexões críticas sobre direitos humanos (e.g., Marks, 2009; 2011; 2019), e o subtítulo do livro aqui resenhado indica sua intenção de resgatar um uso radical da ideia.

A False Tree of Liberty conecta dois grandes temas: o desenvolvimento do capitalismo e as disputas sobre os direitos do homem. (1) Parte do livro é centrada no final do século XVIII, momento em que vários fatores confluem para possibilitar o florescimento do capitalismo. Marks destaca práticas como o cercamento que separou os camponeses dos seus meios de sobrevivência e organizou a dinâmica da vida social com uma lógica de mercado e trabalho assalariado. Para traçar o desenvolvimento do capitalismo inglês, Marks parte de historiadoras e historiadores marxistas, como E. P. Thompson, Ellen Wood, Christopher Hill e Rodney Hilton. Para a literatura sobre a formação do sistema capitalista, seu livro conecta a história de uma ideia que ganhou projeção à época, os direitos do homem, com as mudanças da vida material.

Na opinião da própria Marks, seu livro oferece uma história dos direitos humanos. Ela localiza seu livro no "giro histórico" sobre o tema que ganhou espaço no final dos anos 2000 e na década seguinte. Referência difícil de contornar dessa bibliografia, o historiador Samuel Moyn em The Last Utopia argumenta que os direitos humanos surgem na década de 1970, "aparentemente do nada" (2010, p. 3) e desconectado de noções anteriores, como os direitos do homem do final do século XVIII ou mesmo da Declaração Universal de 1948. O trabalho de Moyn cindiu o debate historiográfico seguinte entre aqueles que discordam e entendem que há uma continuidade dos direitos humanos com usos passados, e outros adeptos à sua hipótese da descontinuidade. Marks se situa com os primeiros. Apesar de declarar não se interessar pela discussão sobre a...

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