A aplicação do princípio da eficiência à administração pública: levantamento bibliográfico e estudo da jurisprudência do TJRS

AutorLuciano Benetti Timm; Giuliano Toniolo
Páginas43-54

Luciano Benetti Timm. Pós-doutor pela U.C. Berkeley; doutor em Direitos dos Negócios e da Integração Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Master of Laws (LLM) pela University of Warwick; mestre em Direito Privado pela UFRGS; advogado e professor do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA

Giuliano Toniolo. Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA; especialista em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

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1 Introdução

A partir do advento da Emenda Constitucional 19/98, é incumbência do gestor público atuar segundo o Princípio da Eficiência. Não se trata de mero princípio agregado ao texto constitucional. Em um país com escassez de recursos econômicos para serem aplicados em diversos setores e necessidades sociais, tratar, eficientemente, dos custos (evitando desperdícios) é questão de justiça social.

O propósito deste artigo é, de um lado, fazer levantamento bibliográfico de qual tem sido a interpretação doutrinária acerca do referido dispositivo constitucional. Como se demonstrará no item 1, a doutrina especializada administrativa entende que eficiência é, viaPage 44 de regra, sinônimo de boa administração em sentido empregado pela Ciência Econômica e Administrativa, ou seja, o de obter o melhor resultado possível com a menor despesa (medida típica da relação entre custo e benefício).

Em segundo lugar, far-se-á análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) a respeito dos sentidos que são atribuídos à eficiência pelos julgadores. Foram pesquisados 100 acórdãos no site do Tribunal (www.tj.rs.gov.br), prolatados durante o período de 01/01/05 a 23/02/07 e relativos ao assunto, em que apareceram as palavras-chave eficiência e princípio da eficiência, relacionadas à gestão pública. O resultado, como se demonstrará no item 2, foi que o Poder Judiciário gaúcho entende, majoritariamente, a eficiência ser sinônimo de boa administração, porém com conotação diversa daquela defendida pela majoritária doutrina jurídica. O entendimento predominante no TJRS é o de que a eficiência não seja o melhor resultado possível diante do contexto orçamentário (análise de custo e benefício), mas no sentido de qualidade do serviço público prestado.

2 Conceito de eficiência

A eficiência adquiriu grande importância no Direito, especialmente após o advento da Emenda Constitucional 19, de 4.6.1998, a qual a acrescentou como princípio que rege a Administração Pública no caput do artigo 37 da Constituição Federal. Sua origem é a Mensagem Presidencial 886/95, que restou convertida na Proposta de Emenda Constitucional 173/95, cuja conclusão foi a EC 19/98. Apareceu também como princípio no caput do artigo 2º da Lei 9.784, de 29.1.1999, que trata do processo administrativo federal. A Lei 8.987, que é de 1995, ou seja, anterior à EC 19/98, já fazia referência ao mencionado princípio, por exemplo, no § 1º do artigo 6º.

A literatura jurídica faz distinção entre eficiência e eficácia1. Por exemplo, na visão de Torres2, eficácia é a concreção dos objetivos desejados por determinada ação do Estado, não sendo levados em consideração os meios e os mecanismos utilizados para tanto. Assim, o Estado pode ser eficaz em resolver o problema do analfabetismo no Brasil, mas pode estar fazendo isso com mais recursos do que necessitaria. Na eficiência, por sua vez, há clara preocupação com os mecanismos que foram usados para a obtenção do êxito na atividade do Estado. Assim, procura-se buscar os meios mais econômicos e viáveis, para maximizar os resultados e minimizar os custos. Em suma: é atingir o objetivo com o menor custo e o melhor resultado possíveis.

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No mesmo diapasão, Sztajn3 define eficiência assim: “Eficiência significa a aptidão para obter o máximo ou o melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços; associa-se à noção de rendimento, de produtividade; de adequação à função.” Ressalta, por fim, que a eficácia, por sua vez, é a aptidão para produzir efeitos.

Esta mesma linha de raciocínio é compartilhada por Dinorá. Além de distinguila da eficácia, a jurista paulista faz um liame da eficiência com a qualidade na prestação do serviço público. Salienta desta forma:4

É um conceito econômico, que introduz, no mundo jurídico, parâmetros relativos de aproveitamento ótimo de recursos escassos disponíveis para a realização máxima de resultados desejados. Não se cuida apenas de exigir que o Estado alcance resultados com os meios que lhe são colocados à disposição pela sociedade (eficácia), mas de que os efetue o melhor possível (eficiência), tendo, assim, uma dimensão qualitativa.

[...]

A eficiência diz respeito ao cumprimento das finalidades do serviço público, de molde a satisfazer necessidades dos usuários, do modo menos oneroso possível, extraindo-se dos recursos empregados a maior qualidade na sua prestação.

Nos posicionamentos expostos, percebe-se diferenciação entre eficácia e eficiência, sendo que a primeira se refere à capacidade de produção de resultados, enquanto a segunda é a busca pelo melhor resultado possível aliada ao menor gasto de forças possível. Preserva-se, desse modo, a origem econômica de eficiência constitucional, e, com isso, abre-se importante espaço de diálogo entre Direito e Economia.

Freitas5 sustenta que “[...] o administrador público está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo [...]”. Cabe a ele procurar encontrar a solução que seja a melhor possível sob o ponto de vista econômico.

No mesmo diapasão, Härger6, nos casos em que o gestor público tenha certa margem de discricionariedade, é sua obrigação constitucional procurar encontrar a melhor solução possível para que o interesse público seja corretamente atendido. Seria nos atos administrativos discricionários que o Princípio da Eficiência teria sido efetivamente sobrevalorizado pelo constituinte, pois embasaria a atuação do administrador público. Aliás,Page 46 em primeiro momento, o Princípio da Eficiência poderia ser confundido, inclusive, com os Princípios da Moralidade e da Razoabilidade da Administração. Härger, todavia, descarta esta hipótese no mesmo trecho:

Apesar disso, possui conteúdo próprio. Traduz o dever de administrar, não só de modo razoável e conforme a moral, mas utilizando as melhores opções disponíveis. É o dever de alcançar a solução que seja ótima ao atendimento das finalidades públicas. Não basta que seja uma solução possível. Deve, isto sim, ser a melhor solução. Há um dever jurídico de boa administração para o atendimento da finalidade legal.

Torres7 explica que a eficiência era um dos objetivos do Plano Diretor da Reforma do Estado, cuja implementação caberia ao recém-criado Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE. O plano foi apresentado pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, à sociedade em meados de novembro de 1995. Os principais nomes a ser destacados são os do ex-ministro do MARE, Sr. Luiz Carlos Bresser Pereira, e da ex-secretária executiva do MARE, Sra. Cláudia Costin. Naquela época, expressões, como choque de gestão e qualidade no serviço público, eram comuns e serviram de embasamento para a inclusão do Princípio da Eficiência no texto constitucional.

É certo que a inserção do Princípio da Eficiência no caput do artigo 37 da CF pela EC 19/98 decorreu da clara intenção de reformar o Estado. De acordo com Egon Bockmann Moreira8, o Princípio da Eficiência passou a constituir verdadeira diretriz para a Administração Pública. A inclusão no texto constitucional, segundo ele, resultou da reforma gerencial do Estado, a qual pretendia acabar com a “administração burocrática” e instalar a “Administração Pública Gerencial no Brasil”. Lembra o ex-consultor jurídico do MARE que o Princípio da Eficiência possui outros nomes na doutrina estrangeira, tais como, Princípio da Eficácia (art. 103, 1, da Constituição da Espanha) e Princípio do Bom Andamento ou da Boa Administração (art. 97 da Constituição da Itália).

A reforma do Estado buscava melhorar sua organização, seus servidores, suas finanças e seu sistema institucional-legal, proporcionando relação mais harmoniosa com a sociedade civil. A partir do advento da Reforma, consoante Torres,9 o núcleo estratégico do Estado tomaria decisões mais adequadas e ofereceria serviços públicos que operassem com maior eficiência. Nesse diapasão, houve a idealização de contratos de gestão, agências autônomas e organizações sociais para que conferissem efetividade à reforma estatal. Somado a isso houve a combinação de um programa de “desestatização”...

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