A ideia de autoridade no pensamento de Peter Winch

AutorDaniel Peixoto Murata
CargoUniversity of Surrey - SY, Reino Unido
Páginas81-104
A ideia de autoridade no pensamento de
Peter Winch*
The idea of authority in the thought of Peter Winch
Daniel Peixoto Murata*
University of Surrey – SY, Reino Unido
1. Introdução
O filósofo britânico Peter Winch tornou-se famoso com a publicação de
seu The Idea of a Social Science and its Relation to Philosophy, em 1958, quan-
do possuía apenas 32 anos. A publicação precoce de sua obra mais impor-
tante acabou ofuscando muitos de seus escritos mais maduros1. Dentre
os trabalhos ofuscados estão suas contribuições para a filosofia política.
Neste artigo, pretendo apresentar de maneira sistemática a contribuição
de Winch sobre um tema de filosofia política, a saber, a questão sobre a
possibilidade de autoridades. O interesse de Winch pelo fenômeno da au-
toridade política pode ser detectado em diversos pontos de sua obra, mas
nesse quesito destacam-se os artigos Certainty and Authority2, publicado em
1990, e o póstumo How is Political Authority Possible?3, publicado em 2002.
É de conhecimento comum também que Winch preparava uma monogra-
fia sobre o tema da autoridade quando faleceu.
* Todas as traduções de textos em inglês constantes nesse artigo são livres e de minha autoria. O
autor gostaria de agradecer a Caio Gentil Ribeiro pelos comentários em uma versão preliminar
deste artigo.
** Doutorando em Direito na University of Surrey (Reino Unido), Mestre em Direito pela Facul-
dade de Direito da Universidade de São Paulo, Bacharel em Direito pela mesma instituição. Foi
bolsista de mestrado pela FAPESP. E-mail: daniel.peixotomurata@surrey.ac.uk.
1 HERTZBERG, 2009, p. 27.
2 WINCH, 1990a.
3 WINCH, 2002.
Direito, Estado e Sociedade n.58 p. 81 a 104 jan/jun 2021
82
Direito, Estado e Sociedade n. 58 jan/jun 2021
Neste artigo, pretendo apresentar o argumento de Winch sobre auto-
ridades dentro do contexto de seu projeto filosófico mais amplo e explicar
de que maneira ele poderia responder a seus possíveis críticos4. A seção
II, “O projeto filosófico de Winch”, apresenta as linhas gerais da filosofia
do autor, principalmente a partir de The Idea of a Social Science and its Re-
lation to Philosophy e do artigo Understanding a Primitive Society. Na seção
III, “O problema de autoridades práticas”, uso o argumento anarquista de
Robert Paul Wolff para explicar os desafios enfrentados por uma teoria da
autoridade. A resposta de Winch ao tipo de desafio elaborado por Wolff
começa a ser esboçada na seção IV, “Winch sobre Wittgenstein e o papel da
educação”, na qual explico o uso que Winch faz da filosofia de Wittgens-
tein, especialmente de On Certainty. Na seção V, “Autoridade, legitimidade
e crítica”, completo o argumento iniciado em IV e – me valendo da obra
de Bernard Williams – faço uma defesa de Winch contra algumas críticas
possíveis, notadamente de que sua filosofia seria desnecessariamente con-
servadora5.
2. O projeto losóco de Peter Winch
O contexto intelectual no qual Winch escreveu The Idea of a Social Science
era bastante distinto do atual. Se hoje se vive na filosofia, na sociologia e
nas humanidades em geral uma febre de “subjetivismos”, “identitariedades”
e “rupturas epistemológicas”, que possuem uma série de potencialidades e
problemas, nos anos 50 de Winch a febre era aquilo que podemos chamar
de uma “atitude científica” nas humanidades. Cientistas sociais tentavam
emular em sua metodologia os procedimentos das ciências exatas ou bio-
lógicas, o paradigma de método científico sendo a física. Essa meta ainda
exerce um fascínio poderoso e é um reflexo daquilo que Bernard Williams
4 Nesse sentido, meu artigo guarda afinididade temática com a excelente reconstrução do
pensamento político de Winch feita por Lagerspetz. Enquanto o artigo de Lagerspetz é mais
conjectural sobre os rumos do pensamento de Winch nos anos 90, meu artigo engaja-se mais
diretamente com uma crítica específica, a de que o pensamento de Winch seria desnecessaria-
mente conservador, e para responder a essa crítica, me apoio no trabalho em filosofia política
de Bernard Williams. Cf. LAGERSPETZ, 2012, p. 279.
5 O presente artigo é um exercício de “leitura estrutural”. Segundo Macedo Jr., o método de
leitura estrutural se preocupa “primordialmente com a concatenação argumentativa das teses
de um autor, a sua estrutura e coerência interna”. Cf. MACEDO Jr., 2007, p. 06. Nesse senti-
do, muito de meu esforço aqui será no sentido de apresentar Winch da forma mais coerente e
precisa possível. Disso não decorre, naturalmente, que eu concorde com todas as suas ideias.
Daniel Peixoto Murata

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