Princípios da igualdade e da proporcionalidade: tutela da dignidade das mulheres pela lei 11.340/06
Autor | Pedro Gonzaga Alves |
Cargo | Mestrando em Ciência Jurídica (Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro/PR – UENP) |
Páginas | 16-21 |
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A Lei 11.340/06, conhecida tanto popularmente quanto juridicamente como “Lei Maria da Penha”, foi promulgada em homenagem a uma biofarmacêutica que ficou paraplégica em razão das agressões que sofria do ex-marido.
Referido sistema normativo está em vigor desde 22 de novembro de 2006, com a proposta de modificar a triste realidade dos lares brasileiros, visto que a violência doméstica e familiar contra as mulheres é uma constante e os dados são assustadores, pois, segundo a Fundação Perseu Abramo, o resultado anual é de 2,1 milhões de mulheres agredidas no Brasil.
A inovação legislativa obedeceu a previsões constitucionais e convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, que objetivam eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres.
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Dessa forma, pretendeu-se evidenciar, na primeira seção, a importância conferida à família pela Constituição Federal e a relevância da Lei 11.340/06, tendo em vista que foi editada com o intuito de garantir efetividade jurídica às normas constitucionais de eficácia limitada, que previam a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar.
Todavia, em razão do tratamento especial atribuído ao sexo feminino, há várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da constitucionalidade da Lei
11.340/06, por potencial ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Assim, mister observar, no segundo capítulo, o significado constitucional dos princípios acima citados, bem como sobre a validade da referida legislação, em virtude de decisões proferidas pelo Poder Judiciário.
Mencionada análise constitui pressuposto necessário para se poder questionar, no capítulo ulterior, se há adequação da Lei 11.340/06 aos critérios principiológicos ditados pela Carta Magna.
No último capítulo, abordou-se a Lei Maria da Penha sob a perspectiva de sua efetividade na proteção da dignidade das mulheres, salientando a responsabilidade social do Estado na promoção dos direitos humanos fundamentais.
A violência doméstica contra as mulheres é uma realidade que merece atenção de todas as instâncias da sociedade, sendo imprescindível o estudo sistematizado e crítico dos mecanismos jurídicos existentes, de forma que se viabilizem as alternativas de redução da violência e suas inegáveis consequências para toda a sociedade.
Em virtude da superação do regime militar e a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, instaurou-se no Brasil uma nova ordem jurídica, que resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988.
De acordo com os ditames da novel Carta Magna, o Estado brasileiro tornou-se Democrático de Direito e, com o escopo de seguir a tendência mundial, os direitos fundamentais foram recrudescidos, tutelando-se, além dos direitos individuais e sociais, os direitos da solidariedade. (BREGA FILHO, 2002, p. 39)
Assim, um dos princípios informadores de todo o arcabouço jurídico é o da dignidade humana, já constante no artigo 1°, inciso III, da Constituição da República.
A preocupação do Poder Constituinte Originário com os direitos humanos é salutar, tanto que, de modo minucioso, declarou-se em capítulo específico os direitos e os meios hábeis para a proteção dos direitos fundamentais.
Como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, exsurge um amplo rol protetivo que visa garantir não apenas a vida mas, também, a vida digna.
Por esta razão, é preciso observar harmonicamente todos os princípios e disposições constitucionais, sem perder de vista esse princípio fundamental da República. (SARLET, 2007, p. 68-69)
Desse modo, em obediência ao princípio da igualdade, o artigo 5°, inciso I, da Constituição Federal evidencia que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, sendo vedada qualquer diferenciação arbitrária.
A legislação infraconstitucional poderá atenuar as diferenças oriundas em razão de qualquer prática discriminatória que tenha como parâmetro o sexo.
Desta feita, a mulher não poderá sofrer qualquer discriminação, possuindo todos os direitos e prerrogativas legais instituídas ao homem, podendo, inclusive, haver discriminações positivas, com a finalidade de amortecer os desníveis sociais existentes entre os sexos.
Nesse sentido, o sexo feminino, além de gozar de uma posição igualitária e protetiva em relação aos homens, ganha relevo em face do reconhecimento constitucional da especial importância das relações familiares, conforme se observa no capítulo da Constituição destinado à ordem social.
Uma das regras de regência das relações familiares, que deixa em evidência o princípio da igualdade, é a constante no artigo 226, parágrafo 5°, da Carta Maior, instituindo que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Considerando que o texto constitucional reza que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção, o legislador constituinte assegurou, no parágrafo 8° do mesmo artigo da Constituição, que o Estado criará mecanismos para coibir a violência no âmbito familiar, assegurando a assistência na pessoa de cada um dos que a integram.
Depreende-se, portanto, que referida norma constitucional é de eficácia limitada, sendo necessária a edição de norma infraconstitucional para que referido dispositivo da Lei Maior seja dotado de eficácia plena.
Com esse intento, promulgou-se a Lei 11.340/06, que acabou por criar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, tornando mais gravosas as condutas violentas dirigidas contra o gênero, excluindo tais modalidades de agressão do âmbito de aplicabilidade da Lei 9.099/95, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, alterando, por conseguinte, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. (NUCCI, 2006, p. 859)
Todavia, citada legislação ordinária não seguiu, rigorosamente, os ditames do parágrafo 8° do artigo 226 da Constituição da República, tendo em vista que instituiu mecanismos protetivos para coibir a violência doméstica e familiar somente contra a mulher, não abrangendo, por conseguinte, todos os membros que integram essa entidade.
Dessa forma, muito tem se questionado sobre a constitucionalidade da mencionada legislação, pois, embora tenha efetivado comando da Magna Carta, disciplinou a matéria, em tese, de forma deficiente e discriminatória, porque ao proteger somente a mulher, segregou, arbitrariamente, os homens integrantes da sociedade familiar, ferindo, de modo hipotético, o princípio da igualdade e da proporcionalidade garantido pela Constituição Federal.
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A Constituição de 1988 dispõe já no caput do artigo 5° que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”. Desta feita, todos os cidadãos têm direito de possuir tratamento idêntico pela legislação, observados os critérios contidos no...
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