Igualdade substantiva revisitada/Substantive equality revisited.

AutorFredman, Sandra

Introdução (*)

O direito àigualdade é um compromisso central nas normas de direitos humanos. A aspiração àigualdade ressoa poderosamente nos preâmbulos de uma multiplicidade de instrumentos de direitos humanos e constituições domésticas e o direito àigualdade e não-discriminação estão invariavelmente entre os principais direitos enumerados nesses instrumentos. No entanto, o significado do direito àigualdade é profundamente contestado. Westen (1982), por exemplo, argumenta que "igualdade é uma ideia que deve ser banida do discurso moral e jurÃÂdico como uma norma explicativa" (WESTEN, 1982, p. 542). Para outros, o direito àigualdade não vai longe o suficiente. Mesmo se a igualdade perante a lei estiver estabelecida, a desvantagem persiste, e essa desvantagem tende a ser concentrada em grupos de condição particular, como mulheres, pessoas com deficiências, minorias étnicas e outros (BRODSKY; DAY, 2002).

Essas preocupações levaram àbusca por concepções mais sofisticadas, passando de uma compreensão formal focada em semelhança de tratamento para concepções mais substantivas. Tanto a Suprema Corte do Canadá (CANADÁ, 1999) quanto a Corte Constitucional da África do Sul (ÁFRICA DO SUL, 1997a) adotaram o princÃÂpio da igualdade substantiva na interpretação da igualdade, uma tendência refletida em nÃÂvel internacional (ONU, 2004). Todavia, o significado do direito àigualdade substantiva permanece fugidio. Doutrinadores, legisladores e juÃÂzes elucidaram vários significados centrais, entre os principais: igualdade de resultados, igualdade de oportunidades e dignidade. Esses, por sua vez, estão refletidos em algum nÃÂvel em fórmulas jurÃÂdicas, como discriminação injusta, impacto desproporcional ou discriminação indireta, acomodação razoável e assédio. Enquanto isso, na Suprema Corte dos Estados Unidos, juÃÂzes conservadores consideram a igualdade substantiva como altamente problemática (MINOW, 2010; ESTADOS UNIDOS, 2009; ESTADOS UNIDOS, 2007).

Argumenta-se neste artigo que, embora seja claro que o direito àigualdade deve se mover para além de concepção formal que iguais devem ser tratados igualmente, uma concepção substantiva resiste àcaptura por um único princÃÂpio. Em vez disso, aproveitando os pontos fortes de princÃÂpios conhecidos no discurso da igualdade substantiva, propõe-se um princÃÂpio de quatro dimensões: reparar desvantagem; enfrentar estigma, estereotipagem, preconceito e violência; aumentar a voz e participação; e abranger diferenças e alcançar mudança estrutural (FREDMAN, 2011a, 2002). Por trás disso está o princÃÂpio básico de que o direito àigualdade deve ser localizado no contexto social em resposta àqueles que estão em desvantagem, são aviltados, excluÃÂdos ou ignorados.

A abordagem de quatro dimensões objetiva fornecer um quadro analÃÂtico para iluminar melhor a natureza multifacetada da desigualdade e auxiliar a determinar se ações, práticas ou instituições impedem ou promovem o direito àigualdade. Ela é deliberadamente enquadrada em termos de dimensões para nos permitir focar em sua interação e sinergias, ao invés de afirmar uma prioridade lexical pré-estabelecida. Nesse sentido, somos capazes de entender a maneira pela qual diferentes dimensões podem ser usadas para reforçar uma a outra. Onde haja conflitos, ou uma atravesse a outra, a tensão pode ser resolvida referindo-se ao quadro como um todo, com o objetivo sendo não tanto insistir que uma dimensão tenha prioridade, mas criar uma sÃÂntese que leve em consideração todas as dimensões. Por exemplo, embora a dignidade deva ser estimulada, isso não deve ocorrer às custas da reparação de desvantagem. Similarmente, a afirmação de diferença e identidade deve ser circunscrita ànecessidade de se prevenir estigmas, estereotipagem e preconceito. Reconhece-se que as fronteiras entre as dimensões podem ser fluÃÂdas; mas argumenta-se que é analiticamente útil mantê-las separadas.

O quadro seguramente não busca resolver todas as questões relacionadas ao direito àigualdade substantiva. O objetivo da abordagem multidimensional é, em última análise, avaliativo, para fornecer um conjunto de critérios para determinar se uma lei, polÃÂtica, prática ou instituição é propensa a cumprir o direito àigualdade e para apontar modos em que elas devem ser reformadas para melhor cumpri-lo. Por exemplo, sistemas de bem-estar social baseados na transferência condicionada de renda podem aparentar melhorar a desvantagem material de pessoas em situação de pobreza. Mas cumprem eles o direito àigualdade substantiva para as mulheres e, se não, como podem ser reformulados? (FREDMAN, 2015).

  1. Background e metodologia

    Minha preocupação, enquanto uma advogada de direitos humanos, é com a evolução do significado do direito àigualdade no direito internacional e doméstico de direitos humanos. Não pretendo explicar uma concepção de igualdade em abstrato, que atenderia às objeções dos filósofos que tentaram fazê-lo. Sempre reconheci que a escolha entre diferentes concepções de igualdade não é de lógica, mas de valores ou polÃÂticas. (FREDMAN, 2011a). Minha abordagem é enraizada em entendimentos existentes. Embora o direito àigualdade seja um princÃÂpio de textura aberta, não é um recipiente vazio que possa conter quaisquer significados que alguém queira atribuir a ele. O conceito de igualdade substantiva deve se desenvolver e se basear em entendimentos existentes do direito àigualdade na legislação e na literatura. Mas tampouco é meu objetivo encontrar uma concepção que, no sentido dworkiniano, seja "o melhor ajuste", dando sentido aos princÃÂpios existentes. (COLLINS, 2003). Há muitos entendimentos conflitantes sobre o direito àigualdade para que se possa encontrar um princÃÂpio subjacente que dê sentido às interpretações existentes. O projeto está, portanto, enraizado em entendimentos existentes, mas também participa conscientemente na evolução contÃÂnua de um direito àigualdade substantiva. Em particular, argumento que o direito àigualdade deve ser capaz de responder a injustiças concretas. Meu objetivo, então, é encontrar e extrapolar aqueles entendimentos de igualdade substantiva que são sensÃÂveis às injustiças vivenciadas por mulheres e outros grupos excluÃÂdos em razão de sua condição. Embora não haja um consenso único, há consenso suficiente em relação a alguns princÃÂpios para dar credibilidade ao projeto de se extrapolar a partir desses princÃÂpios. Também é possÃÂvel, por meio de engajamento e discussões permanentes, criar novos consensos (1).

    Este artigo se baseia em materiais jurÃÂdicos comparativos principalmente dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e África do Sul, a fim de fundamentar a concepção de igualdade substantiva na experiência de quatro paÃÂses de lÃÂngua inglesa que estiveram na vanguarda do desenvolvimento do direito àigualdade em nÃÂvel doméstico. Os Estados Unidos, o Canadá e a África do Sul possuem o direito àigualdade arraigado constitucionalmente. O Reino Unido possui um sofisticado quadro legislativo, o qual é complementado pela União Europeia e pela Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH--UNIÃO EUROPEIA, 1950), atualmente incorporada no Human Rights Act. Em todas essas jurisdições, diversas concepções substantivas de igualdade disputam a proeminência com o princÃÂpio do igual tratamento. Essas concepções incluem discriminação indireta ou impacto desproporcional, acomodação razoável, ação afirmativa, discriminação sistêmica e discriminação injusta.

    Embora formulados diferentemente, esses direitos são construÃÂdos em torno de um núcleo central. O mais aberto é o previsto na Décima Quarta Emenda dos Estados Unidos, que afirma simplesmente que "Nenhum Estado deve... negar a qualquer pessoa a igual proteção das leis". Tanto o Canadá quanto a África do Sul possuem uma garantia geral de igualdade em conjunto com uma proibição mais especÃÂfica de discriminação com base em critérios enumerados exemplificativamente (CANADÁ, 1982, c. 11, [section] 15; ÁFRICA DO SUL, 1996a, [section] 9). Ambos possuem previsões expressas para ação afirmativa. O quadro legislativo do Reino Unido foi recentemente consolidado no Equality Act 2010, o qual possui previsões de discriminação direta, discriminação indireta, acomodação razoável e vitimização, mas apenas uma previsão muito limitada para ação afirmativa (REINO UNIDO, 2010, [section][section]13, 19) (2). No entanto, inclui previsões para uma ação proativa por parte das autoridades públicas para ter "devida consideração" ànecessidade de promover igualdade de oportunidades e boas relações (REINO UNIDO, 2010, [section]149) (3). O artigo 14 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, incorporado ao Human Rights Act 1998, exige que os direitos e as liberdades da Convenção sejam garantidos sem discriminação por critérios listados exemplificativamente (4). O direito àigualdade no direito internacional dos direitos humanos é geralmente definido em termos de textura aberta. As convenções centrais simplesmente se referem a uma obrigação dos Estados de garantir os direitos humanos sem "distinção", "discriminação", "exclusão", ou "restrição" ou "com base na igualdad...

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