Ilha das cobras

AutorAnita Zippin
Páginas250-251
ALÉM DO DIREITO
250 REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 669 I ABR/MAIO 2021
Foi pelos idos de 1955 que
comunicaram a meu pai,
advogado desde 1935, que
estavam indo à Ilha das Co-
bras, em Paranaguá. O juiz
Tufi Nicolau foi representan-
do o Tribunal de Justiça do
Paraná e convidou o amigo
para conhecerem a prisão
máxima de menores.
Era um Alcatraz! Nin-
guém fugia; ninguém entra-
va; ninguém saía.
Contam que quando lá
chegaram, a situação era dra-
mática. Meninos passando
fome, sem cobertor, muito
menos roupas para trocar. Al-
guns já tinham completado a
maioridade, mas nem uma
autoridade ia até a ilha mu-
dar o local para torná-lo mais
adequado para os detentos
cumprirem a pena, ou conse-
guirem a liberdade.
E o juiz Tufi contou a meu
Dálio pai:
– Do jeito que está, teremos
de fechar a Ilha das Cobras.
Meu pai, mais do que rápido:
– E o que vão fazer com os
menores ou maiores presidiá-
rios?
– Ainda não sabemos, meu
amigo. Não sabemos!
E, sem destino, os mais de
cinquenta presos foram pa-
rar na minha casa de infân-
cia, no bairro Seminário, em
Curitiba. Era uma chácara
com cinco mil metros qua-
drados e enorme garagem
para quatro carros, dois ba-
nheiros e andar de cima. Meu
pai ficou com a posse e guar-
da de todos.
Conta minha mãe Lili, que
o avisou:
– Dálio, teremos apenas
uma semana de mantimentos
para todos. E como vem o frio,
faltam roupas e cobertores!
Meu pai foi ao seu progra-
ma de rádio, creio que era na
PrB2, e aos jornais, e fez a pri-
meira Campanha do Agasalho
de que se tem conhecimento
no Paraná. Contam que, em 24
horas, estavam com estoque
de mantimento para seis me-
ses, além de roupas, coberto-
res, camas, armários, acolcho-
ados, toalhas de banho para
todos. E muita alegria! Come-
çaram a comemorar.
Se parasse por aqui, a his-
tória seria bonita, mas conti-
nua. O que virá?
Dálio Zippin passou a dar
aulas aos “meninos da Ilha
das Cobras”, como ficaram
conhecidos pelos daquela
geração, sempre com ajuda
da comunidade, em especial
de advogados, magistrados e
professores. Foram mais de
seis meses; enquanto isso, já
iam cuidando de empregar
um por um dos que ali esta-
vam sem rumo, sem lenço,
muitas vezes, até sem docu-
mento.
Minha mãe, que era pinto-
ra, conta que viu uma cena
linda. Um jovem forte, more-
no, estava a segurar pela mão
aquela menina loirinha de
apenas três anos e, ao fundo,
muitas árvores. Essa peque-
na era eu. Ela ficou com von-
tade de iniciar um quadro,
quando, por curiosidade, foi
perguntar ao meu pai qual
havia sido o delito daquele
que parecia ser tão bom.
A resposta foi a dura reali-
dade!
Dálio contou que o jovem
matou o pai a machadadas,
porque este queria matar a
mãe. Ele saiu em defesa dela
e pegou o que encontrou pela
frente.
História que seguiu meus
passos pela vida afora, ver
que eu corria perigo, mas
sempre me cuidaram demais
e, quem sabe, aquele jovem
merecia, da vida, uma segun-
da chance.
Com o tempo, contam
que “os meninos da Ilha das
ILHA DAS COBRAS
Tragam-me sempre diculdades. As boas
notícias me enfraquecem!
(Dálio Zippin)

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