A imagem como direito autônomo da personalidade

AutorLeonardo Estevam de Assis Zanini
CargoLivre-docente e doutor em direito civil pela USP
Páginas76-92
76 REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 678 I OUT/NOV 2022
DOUTRINA JURÍDICA
Leonardo Estevam de Assis ZaniniLIVRE-DOCENTE E DOUTOR EM DIREITO CIVIL PELA USP
A IMAGEM COMO DIREITO
AUTÔNOMO DA PERSONALIDADE
PROTEGER A IMAGEM SIGNIFICA TUTELAR UM DIREITO QUE NÃO
SE CONFUNDE COM OUTROS. DAÍ A NECESSÁRIA RELEITURA DO
ARTIGO 20 DO CÓDIGO CIVIL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO
Osurgimento e a evolução da técnica fo-
tográfi ca foram fundamentais para que
o direito à imagem passasse a ter rele-
vância jurídica, o que foi admitido pelos
tribunais e somente depois foi consa-
grado pela legislação.
Procuramos analisar a relação existente en-
tre o direito à imagem, o direito à privacidade
e o direito à honra. É inegável que ao se violar
a imagem pode ocorrer também lesão a outros
bens jurídicos. Contudo, é necessário que se evi-
dencie que o direito à imagem protege um bem
jurídico autônomo, que não pode ser confundi-
do com outros bens jurídicos, como é o caso da
honra e da privacidade.
O texto também aprecia dois julgados de tri-
bunais brasileiros, os quais apresentam soluções
diametralmente opostas para casos de violação
do direito à imagem. A contraposição dos julga-
dos é pertinente, pois permite que se constate a
difi culdade de compreensão acerca da tutela do
direito à imagem, o que, por si só, já serve de jus-
tifi cativa para a elaboração da presente refl exão.
Os resultados alcançados demonstram que
a interpretação equivocada da Constituição Fe -
deral e do Código Civil, muitas vezes realizada
pela doutrina e pelos tribunais, pode levar a re-
sultados bastante danosos. Por isso, para que se
garanta a tutela autônoma do direito à imagem,
é necessária a releitura do art. 20 do Código Ci-
vil à luz da Constituição Federal.
1. BREVE HISTÓRICO
O direito à imagem passa a ter relevância jurídi-
ca e econômica a partir do advento da fotografi a,
que mudou completamente a relação tempo-
ral e espacial que se estabelecia entre a pessoa
e sua própria imagem. Antes da fotografi a, as
imagens eram fi xadas em pinturas e esculturas,
o que, salvo situações muito excepcionais, não
gerava discussão jurídica. É que o pintor ou o es-
cultor necessitava de muito tempo para repro-
duzir a imagem de uma pessoa em uma obra, fa-
zendo-se então presumir o seu consentimento1.
Entretanto, é de se notar que houve um
longo processo até o desenvolvimento da fo-
tografi a, que passou pela câmara obscura, por
conhecimentos prévios de  sica e de química,
chegando até à fi xação da imagem em um su-
porte material. Nos primórdios, a fi xação da
imagem demorava muitas horas, por isso ainda
não havia interesse jurídico. Todavia, com a mo-
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REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 678 I OUT/NOV 2022
Leonardo Estevam de Assis ZaniniDOUTRINA JURÍDICA
dernização, surgiu o fi lme fotográfi co e a popu-
larização da fotografi a.
Nesse contexto, com o aperfeiçoamento da
técnica fotográfi ca, vieram então as primei-
ras decisões tratando de problemas atinentes
ao direito à imagem, que foram publicadas na
França, na segunda metade do século 19. Afi r-
ma-se que, historicamente, a imagem foi o pri-
meiro atributo da personalidade a ser efetiva-
mente protegido pela jurisprudência2. Por isso,
a proteção da imagem na França é considerada
uma criação dos tribunais, ante a ausência de
legislação específi ca.
De fato, já no ano de 1855, por meio de uma
ordonnance de référé, o presidente do Tribunal
Civil do Sena proibiu a exposição pública de um
quadro em que a diretora da congregação cató-
lica Soeurs de la Providence tinha sido retrata-
da, pois ela não havia permitido tal utilização
de sua imagem3.
A despeito do reconhecimento pelos tribunais,
o desenvolvimento do direito à imagem naquele
país se deu sem a existência de um texto legal ex-
presso. A positivação da tutela da vida privada
na França somente veio com a Lei 70-643, de 17 de
julho de 1970, que alterou o art. 9º do código civil
francês, o qual passou a prever: “Cada um tem di-
reito ao respeito de sua vida privada”4. Contudo,
não existe verdadeiramente uma lei em matéria
de direito à imagem, visto que o art. 9º do código
civil francês somente sanciona o fato de fotogra-
far uma pessoa se houver atentado à vida priva-
da5. Assim sendo, pode-se dizer que os franceses
primeiro admitiram o direito à imagem pela
jurisprudência e só muito mais tarde é que a le-
gislação veio salvaguardar a imagem, hoje vista
como um direito da personalidade6.
Caminho diverso foi trilhado pela tutela da
imagem na Alemanha, o que decorreu de dois
importantes julgados que defi niram os rumos
desse direito e conduziram ao seu reconheci-
mento legislativo bastante precoce.
No primeiro deles, o Tribunal do Império
(Reichsgericht), em 29 de novembro de 1898, se
deparou com uma demanda que envolvia uma
fotografi a clandestina de uma jovem em trajes
de banho, a qual foi tirada na piscina feminina.
A imagem foi posteriormente vendida e utiliza-
da na confecção de “peso para papel” e outros
objetos, o que gerou o litígio. Os responsáveis
pela foto foram condenados a uma pena de seis
meses de prisão pela prática de crime de ofensa
(Beleidigung), com fundamento no § 185 do có-
digo penal alemão ()7.
O outro caso importante para o reconheci-
mento legislativo do direito à imagem na Alema-
Historicamente a imagem foi o primeiro atributo da personalidade a
ser efetivamente protegido pela jurisprudência. Por isso, a proteção da
imagem na França é considerada uma criação dos tribunais
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