Inconstitucionalidade e exceção jurídica

AutorEmanuel De Melo Ferreira
Ocupação do AutorProfessor Assistente I da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN - Mossoró)
Páginas1-61
I
INCONSTITUCIONALIDADE
E EXCEÇÃO JURÍDICA
O tema central deste capítulo diz respeito à não aplicação de
uma regra de competência ante a suposta caracterização de situação
excepcional no bojo do controle de constitucionalidade. Analisa-se,
assim, o papel do juiz quando este encontra-se diante da aplicação
de certa regra jurídica perante a situação que ensejou sua criação,
a saber, à causa relevante tida como necessária e suciente para a
atribuição de poder e, mesmo assim, afasta sua aplicação por supor
a existência de uma situação excepcional. Eis o problema central, le-
vando em conta a função de tais regras: como elas podem ser supe-
radas no bojo do controle judicial de constitucionalidade? Está em
jogo uma análise voltada especicamente para as regras de compe-
tência, as quais atribuem poder para certas instituições, tais como os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Para a compreensão da questão relacionada à superação de regra
de competência, é útil analisar como as regras em geral podem ser
superadas, pois, uma vez caracterizada corretamente determinada
excepcionalidade, pode-se cogitar do afastamento, por exemplo, de
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Emanuel de Melo Ferreira
regras de conduta, tendo-se os princípios constitucionais como pos-
síveis normas aptas a justicar a decisão nal, especialmente diante
da textura aberta de certas regras. Veja-se, por exemplo, a superação
da regra de conduta que impõe o limite de velocidade quando é ne-
cessário dirigir além desse limite para salvar a vida de alguém.
Problema diverso ocorre quando, a pretexto de se estar diante
de uma exceção, argumenta-se retoricamente com princípios unica-
mente para superar uma regra de competência cujo conteúdo não é
aprazível, por qualquer motivo, ao julgador. No caso dessas últimas
regras, a superação judicial delas se agrava diante da consequência
de tal ato, o qual acarreta o aumento do poder dos juízes por ato
jurisdicional próprio. A superação da regra contida no art. 52, X,
da Constituição, que prevê a competência do Senado Federal para
suspender a lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), é um exemplo, como mencionado adiante e aprofun-
dado no capítulo V.
Mas como identicar corretamente tal excepcionalidade? A in-
dagação somente pode ser respondida a partir das considerações em
torno do caráter sub e sobreinclusivo das regras jurídicas, explicitado
em seguida. As regras, a m de promover os valores segurança e e-
ciência no sistema jurídico, acabam por incorrer em generalizações
que, em certo momento, incluem fatos em excesso e, em outros, dei-
xam de incluir fatos relevantes5. Tem-se, assim, problemas típicos do
raciocínio indutivo. A hipótese do texto parte dessa diferenciação:
se em determinado caso não se está diante de um desses problemas
ínsitos à generalização de condutas e, mesmo assim, o juiz afasta a
regra, tem-se uma excepcionalidade fabricada que merece ser recha-
çada, tendo em vista a exorbitância das regras de competência xa-
das ao Poder Judiciário.
5 SCHAUER, Frederic k. Playing by the ru les. A philosophic al examination of
rule-base d decision-maki ng in law and in life. Claredon Press, Oxford , 1991.
Kindle edit ion, p. 17-20.
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INCONSTITUCIONALIDADE E EXCEÇÃO JURÍDICA
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A hipótese objeto de análise investiga se haverá uma exceção ju-
dicialmente não justicada quando6: a) o julgador entende que um
princípio constitucional é mais importante que uma regra igualmen-
te constitucional, fazendo com que a regra não ofereça nenhum tipo
de resistência ao julgador, não afastando suas considerações morais;
b) quando o juiz inicia incursões exclusivamente particularistas em
torno da justicação ou propósitos subjacentes à regra, por meio da
função interpretativa dos princípios, sem levar em conta todas as
possíveis normas aplicáveis ao caso, mesmo que colidentes, mas so-
mente argumentando com base naquelas que convêm à escolha pre-
viamente tida como moralmente melhor; e c) quando a superação
da regra possa gerar insegurança jurídica a partir de tal precedente,
diante da possibilidade real e comprovada de criação de outras ex-
ceções de modo generalizado, a partir da análise do modelo propos-
to por Humberto Ávila7. Em seguida, retorna-se à questão central
acerca da possibilidade de superação especicamente das regras de
competência constitucionalmente previstas.
O objetivo ideal do controle de constitucionalidade é garantir a
Constituição e, em última análise, o Estado Democrático de Direito.
Alega-se que, se o Texto Magno não contasse com um instrumental
capaz de assegurar suas disposições, sancionando os seus descum-
primentos com a declaração de nulidade do ato impugnado, a força
normativa da Constituição restaria fatalmente enfraquecida, causan-
do agrante desprestigio às suas disposições. Assim, da mesma for-
ma que a Constituição contempla as clássicas garantias fundamen-
tais como mecanismos de defesa do indivíduo ante o Poder estatal,
6 A partir dos c asos estudados neste liv ro, percebe-se que as patologias descr itas
nas alínea s “a”, “b” e “c” do parágrafo ocor rem em conjunto: princípios são
utilizado s para superar regras e toma r decisões particu laristas, denotando que
aqueles seriam ma is importantes que estas, c ausando insegura nça jurídica.
7 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princíp ios – da denição à aplicação dos pr incí-
pios jurídicos. 15ª ed. São Paulo: Mal heiros, 2014, p. 141-142.
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