Inserindo a desigualdade entre os conceitos jurídicos fundamentais

AutorTaurino Araújo
Ocupação do AutorDoutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, 2017)
Páginas95-127
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INSERINDO A
DESIGUALDADE ENTRE
OS CONCEITOS JURÍDICOS
FUNDAMENTAIS
“Só aquilo em que acreditamos
sabemos com certeza”.
W B
Para situarmos o presente tópico, é necessário recorrer às observações fei-
tas por L F C ()198 para quem a construção teórica dos
conceitos jurídicos fundamentais remete tanto aos referenciais do pensamento
analítico quanto ao direito civil. Sabe-se da ultrapassagem dessa postura epis-
temológica em torno de conceitos comuns a todas as normas jurídicas que, ao
mesmo tempo, formariam o núcleo das relações jurídicas, mas é nessa limita-
ção mesma que a desigualdade se insere enquanto categoria, conceito jurídico
com validez constante e permanente, independentemente das variações do di-
reito positivo, ainda mais observando-se a perspectiva institucional.
Foram os pandectistas, no âmbito da escola histórica alemã, os primei-
ros a armar que afora a variabilidade das leis, costumes e demais formas de
expressão do direito havia um conjunto de conceitos que permaneciam inva-
riáveis: pessoa, contrato, delito, propriedade, e que tais conceitos seriam co-
muns a todas as relações jurídicas, independemente do ramo de sua regulação.
Entrementes, L F C () critica, com razão, que o direito
civil não pode esgotar os conceitos universais do conhecimento jurídico, mas
armamos que a desigualdade dá conta de aludido papel, e exemplica com os
198 L F  C. Aulas, op. cit., p. 195-209.
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conceitos de criminoso e vítima do direito penal através dos quais surgiram a
criminologia e a vitimologia.
Na verdade, “alguma coisa está fora da ordem”, como diria C
V, e esse “fora da ordem mundial” é a desigualdade que os antigos e os
modernos não consideraram adequadamente, crendo na força e na ilusória
coerência de um sistema fechado e na suposta “onisciência” do legislador.
Observados em sua acepção lógico-analítica e institucional, os conceitos
jurídicos fundamentais, conforme salienta L F C (),
podem ser observados tanto na estrutura da relação jurídica quanto a par-
tir de conceitos oriundos de outras ciências e é no pressuposto das categorias
objetivas principais referentes à norma jurídica, à relação jurídica e ao valor
jurídico que armamos ser a desigualdade componente da realidade do direito
como experiência dialeticamente articulada no mundo. Abstraindo a desigual-
dade de suas elucubrações, entretanto, tanto C quanto K tiveram
em mira apenas a análise de estruturas lógicas para compreender os conceitos
jurídicos fundamentais. O primeiro, focalizando a conduta (lícita ou ilícita,
até porque a licitude é regra do ordenamento) e o segundo restringindo-se
à categoria de ilícito e, com isso, deixando de analisar o lícito cumprimento/
efetividade das normas, conforme entendimento de C, para quem cate-
gorias endonormativas (fato antecedente, dever-ser, prestação, sujeito obrigado
e sujeito pretensor)e perinormativas (não-prestação ou ilícito, sanção, Estado
e comunidade pretensora) formariam o elenco dos conceitos jurídicos funda-
mentais. A primeira série, constituindo a licitude (endo, o que está por dentro)
e a segunda série a ilicitude199 (ou seja, peri, o que está em derredor da norma,
para delimitar a relação jurídica).
199 Sobre ilicit ude, . R M F S , op. cit., p. 102-104. Para ele, embo-
ra a dogmática jur ídica procure oferecer critérios pa ra distinguir i licitude penal e ilicit ude
civil, não há cr itérios universa is, sendo preferível adotar o caráter históric o que demarca
uma transiç ão da ilicitude pena l para a ilicitud e civil com base no aume nto da divisão
social do trab alho e da especi alização f uncional das so ciedades ocidentai s, conforme a
visão de D : “Decerto nas socied ades primitivas, reg idas pela solidaried ade mecâ-
nica, a consciência c oletiva prevalecia sobre o indivíduo, ass umindo o direito uma feição
prevalentemente repressiva. O i lícito seria uma nódoa a ser apagada do te cido social, sen-
do utilizad as sanções pena is de exclusão socia l, v.g., bani mento e pena de morte. Com o
crescimento demográ co e o incremento da divisão soc ial do trabalho, as soc iedades mais
avançadas não pod eriam prescindi r da individualização dos atore s sociais, adqui rindo o
direito uma sionomia ma is restitutiva, porque voltada para a rest auração do status qu o
ante, sendo aplicadas sa nções civis, e. g, inde nização de perdas e danos”.
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Esse código de oposição binária (a partir de um programa condicional se/
então, lícito/ilícito) é explicado por T F S J (),
com base em N L, como sendo algo que não seja exclusivo ao
direito e, tampouco, uma descoberta recente. O mesmo se dá com a econo-
mia e seu código de propriedade (proprietário/não proprietário), que é trazido
para complexidades ainda maiores, ou para a ciência, cujo código (verdadeiro/
falso) seria a própria dialetização da “verdade” (B). Nesse sentido,
tem-se um conjunto de regras que determinam as relações entre os elemen-
tos de um sistema (estrutura) sejam esses códigos biológicos, inorgânicos, -
siológicos ou culturais, cuja importância radical é a língua e sua capacidade
de negação. Assim a negação básica para todo código cultural é uma esque-
matização binária do tipo sim/não, verdadeiro/falso, válido/não válido. Com
isso, haveria uma generalização redutora para não discutir, caso por caso, a
orientação comum, com risco de que as possibilidades oferecidas pela situação
concreta não fossem aproveitadas, do mesmo modo que as relações jurídicas
seguem por conta de conceitos dispositivos: direito subjetivo, dever, competên-
cia, faculdade200.
Ao se reportar à função legitimadora do procedimento, agora, sob a pers-
pectiva de um programa nalístico, A C  A D
() se referirá a N L e seus conceitos, observações e reela-
borações com vistas à completude do programa decisório (como um todo)
no abrangente campo da psicologia do desenvolvimento social, cibernética,
biologia, antropologia política e análise organizacional, para armar que a or-
ganização social moderna exige uma concepção de legitimidade compatível
com sua renovada dinâmica se “no decurso do desenvolvimento civilizacional
aumentam a complexidade e a variabilidade das condições naturais, psíquicas
e sociais da vida — um processo onde a complexidade crescente da própria
sociedade e do direito constitui uma causa preponderante concorrente — tor-
na-se cada vez mais inadequada uma estrutura jurídica rígida”. Daí a conclusão
de L no sentido de que apenas as sociedades simples possuíriam um
direito tradicionalmente determinado, sendo desejável (no campo do desen-
volvimento social) que o direito adquira elasticidade conceitual-interpretativa
200 T S F J. Estud os de losoa do direito: reexões sobre o pod er, a liber-
dade, a justiça e o d ireito. São Paulo: Atlas, 2002 , op. cit., p. 47-48.
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