Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos

AutorRoberto Luís de Oliveira Pimentel
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade de São Paulo
Páginas13-62
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CAPÍTULO I
INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Sumário: 1. Interesses metaindividuais 1.1. Noções gerais – 1.2. Interesses difu-
sos – 1.3. Interesses coletivos stricto sensu 1.4. Interesses individuais homogêneos
– 1.5. Interesses transindividuais em espécie – 2. Tutela processual dos interesses
metaindividuais 2.1. Legitimação extraordinária e legitimidade adequada – 2.2. Ques-
tões processuais e procedimentais – 2.3. Efeitos da resolução de conflitos transindivi-
duais (coisa julgada) – 2.4. Cumprimento de títulos executivos judiciais e extrajudiciais
3. Tutela extrajudicial dos interesses metaindividuais 3.1. Legitimidade para a
tutela extrajudicial – 3.2. Compromisso de ajustamento de conduta
1. Interesses metaindividuais
1.1. Noções gerais
A tradicional visão a respeito da defesa de direitos parece
partir da clássica definição de justiça consagrada pelos gregos
antigos. Para Platão, que se debruçou sobre o conceito de justi-
ça em sua monumental “República”, assim como para Aristóteles,
a ideia de justo partiria das noções de verdade, de equilíbrio e de
igualdade entre os cidadãos da polis (é de Aristóteles, em sua
“Ética a Nicômaco”, a célebre concepção de que os desiguais
devem ser desigualmente tratados). A ideia de “dar a cada um
o que é seu” (também presente em autores posteriores, como,
v.g., nas obras de Cícero e de Santo Agostinho), portanto, é cal-
cada em uma visão individualista, que se centra no sujeito de
direitos e deveres como destinatário dos valores em questão.
Modernamente, no entanto, ao se tornarem mais comple-
xas, as sociedades passaram a comportar relações, interações
e, via de consequência, conflitos que ultrapassam a esfera do
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ROBERTO LUÍS DE OLIVEIRA PIMENTEL
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indivíduo. Gradativamente, assim, emergiu a necessidade da
criação de mecanismos concebidos, ainda em nome da pacifi-
cação e da segurança jurídica, para uma eficaz abordagem e um
adequado tratamento de tais situações.
Logo vêm à mente, quando se pensa na origem de deman-
das coletivas, as class actions, já há muito tradicionais em paí-
ses da common law. As origens desse instituto1 são apontadas
por Hensler et al.:
Por muitos anos, historiadores do direito apontaram a ori-
gem das class actions na Inglaterra do século XVII. Se-
gundo eles, as class actions teriam nascido como algo
denominado ‘Bill of Peace’, que habilitava demandantes
ou demandados múltiplos a resolver questões comuns em
uma única ação legal levada às Courts of Chancery[2]. Geral-
mente, todos os interessados tinham de estar presentes
fisicamente na corte e legalmente reunidos na ação. No
entanto, quando o número de demandantes era tão gran-
de a ponto de não se mostrar viável exigir a todos que se
apresentassem (física e legalmente), as cortes permitiam
que demandantes representativos apresentassem o caso
por todos os potenciais interessados, presentes ou ausen-
tes. Os representantes deveriam comprovar que refletiam
adequadamente os interesses de todo o grupo, porque o
julgamento obrigaria a todos os litigantes, estivessem ou
não efetivamente envolvidos nos procedimentos.
O professor Stephen Yeazell desafiou essa versão da
história legal inglesa, argumentando que, na verdade, a
litigância em grupos surgiu de múltiplas formas muitas
centenas de anos antes. (...) o ensinamento principal do
trabalho de Yeazell é que havia uma tradição na Inglaterra
medieval, tanto de grupos de indivíduos associados mais
organizados, quanto menos organizados formalmente
(...), sendo-lhe concedida audiência e remédios legais por
1 Segundo Owen Fiss (2003, pos. 2398), “Os Estados Unidos são responsáveis
por muitas inovações no processo civil, mas provavelmente a mais evidente é a
class action (tradução nossa).
2 No mesmo sentido: KLONOFF, 2017, pos. 1429.
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NEGOCIAÇÃO E MED IAÇÃO: CONFLITOS DIF USOS E COLETIVOS
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instituições governamentais (...). (HENSLER et al., p. 10,
pos. 276, tradução nossa)
Na tradição jurídica brasileira, aponta-se que a admissibi-
lidade da ação popular, por meio da qual, em linhas gerais, o
cidadão exerce a prerrogativa de, em nome próprio, defender em
juízo interesses mais amplos, já se encontrava presente em tem-
pos bastante remotos, ao menos em sede doutrinária, com base
em antigos precedentes de Direito Romano (MANCUSO, 1996,
p. 49). Prevista expressamente na Constituição do Império de
1824 (art. 157), e esquecida pela primeira Carta Republicana de
1889, teve sua possibilidade de uso, segundo o entendimento
majoritário da época, afastada pelo Código Civil de 1916, em
razão do disposto em seu art. 763. Foi novamente trazida ao
ordenamento jurídico pelas Constituições de 1934 e 1946 (res-
pectivamente, art. 113, inciso 38 e art. 141, § 38). Posterior-
mente, em 1965, foi regulamentada em diploma legal específico
nos textos constitucionais de 1967 e 1969 (e, é claro, na Cons-
tituição em vigor).
Vinte anos depois, em 1985, surge o primeiro diploma legal
a prever e sistematizar um instrumento processual destinado à
tutela judicial e extrajudicial de interesses metaindividuais.
da “lei da ação civil pública”, prevê, nesse sentido, a possibili-
dade de responsabilização por “danos morais e patrimoniais”4
causados a direitos que extrapolam o âmbito individual e dizem
respeito a toda a sociedade, ou a um número indeterminado de
pessoas.
3 “Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse
econômico, ou moral.”
4 O alcance de tal instrumento, mesmo antes do advento do Código de Defesa do
Consumidor, que o ampliou e propiciou uma sistematização maior do instituto,
já se mostrava mais alargado que a mera responsabilização por danos, na me-
dida em que o art. 4º já permitia, na redação original, o ajuizamento de ações
cautelares para prevenção dos mesmos danos.
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