Métodos autocompositivos e conflitos metaindividuais

AutorRoberto Luís de Oliveira Pimentel
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade de São Paulo
Páginas77-128
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CAPÍTULO III
MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS E CONFLITOS
METAINDIVIDUAIS
Sumário: 1. Ferramentas e técnicas de negociação e mediação – 2. Aplicação das fer-
ramentas e técnicas autocompositivas a conflitos coletivos lato sensu; adaptações e
adequações – 3. Mediação: confidencialidade e conflitos metaindividuais
1. Ferramentas e técnicas de negociação e mediação
A negociação, na definição de P. H. Gulliver:
(...) é um processo que leva à tomada de decisão conjun-
ta pelas próprias partes em disputa, como desfecho de
um processo interativo de troca de informações e aprendi-
zagem. (GULLIVER apud ROBERTS; PALMER, 2020, pos.
4026, tradução nossa)
Não é qualquer interação, portanto, que levará, naturalmen-
te, a um desfecho bem-sucedido, ou seja, a uma interação produ-
tiva entre as partes do conflito. Há necessidade de que se crie,
ainda que de forma empírica e quase involuntária, entre elas, um
determinado ambiente, ou uma atmosfera cooperativa101.
Se a criação de tal ambiente como resultado de um esforço
prático ou da empatia surgida naturalmente não é impossível ou
mesmo totalmente incomum na prática, é evidente que poderá,
101 No dizer de Deepak Malhotra (2017, p. 18), “Achar que o público deles é ‘pro-
blema deles’ ignora um princípio fundamental das negociações mais difíceis:
não existe isso de problema deles; o que parece ser um problema dos outros,
se não for resolvido, acaba virando problema seu”.
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com o emprego consciente de determinadas técnicas ou com
certa boa-vontade, ser obtido com maior frequência, o que torna-
rá as negociações em geral mais profícuas.
Tal atmosfera cooperativa deve ser resultado, é claro, pri-
mordialmente, da comunicação e do diálogo. Mas não é sempre
que uma comunicação deteriorada ou interrompida se recons-
truirá tão facilmente. Para isso, muitas vezes, são necessários
prospecção, esforço, uma visão mais ampla e abrangente sobre
o conflito e suas causas, generosidade e paciência.
Há, como dito, métodos e técnicas para que tal resultado
possa ser alcançado de forma mais consciente e planejada.
O já tradicional Projeto de Negociação de Harvard, concebi-
do e sistematizado por Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton,
procura justamente levar em conta tais fatores, para transformar
as negociações em processos de geração de valores (negociação
integrativa), e não de mera repartição (negociação distributiva).
Tais autores (FISHER; URY; PATTON, 2018) discorrem so-
bre os processos de negociação, as visões e os encaminhamen-
tos possíveis para eles e a busca de soluções sob um prisma de
prospecção dos meandros, dos detalhes, das posturas de cada
interessado, de forma a se propiciar o surgimento de soluções
inteligentes e enriquecedoras.
Cuida-se, em suma, da negociação baseada em princípios.
Tais princípios podem ser resumidos em quatro tópicos
principais (FISHER; URY; PATTON, 2018, p. 31): separar as pes-
soas dos problemas, concentrar-se nos interesses e não nas
posições, criar opções, privilegiar critérios objetivos102.
Separar as pessoas do problema significa que o que deve
ser enfocado e “atacado” é o problema, e não um ou outro dos
envolvidos na questão. Pessoas se envolvem, muitas vezes até
em nível emocional, com os conflitos de que fazem parte. Há
questões de personalidade, de pontos de vista diversos e de
ego, entre outras, que acabam turvando as interpretações que
102 Sobre as etapas ou fases da negociação, tratamos brevemente no Capítulo II,
item 2., supra.
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elas têm sobre a controvérsia, sobre as falas e as posições dos
outros, e sobre as possíveis soluções que possam ser dadas à
disputa:
(...) as pessoas se sentem irritadas, deprimidas, temero-
sas, hostis, frustradas e ofendidas. Têm um ego facilmen-
te ameaçável. Veem o mundo a partir do próprio ponto
de vista e frequentemente confundem suas percepções
com a realidade. Muitas vezes não interpretam o que você
disse da maneira como você pretendia que entendessem
e também não quiseram dizer aquilo que você interpre-
tou da fala deles. O mal-entendido pode reforçar os pre-
conceitos e levar a ações que produzem reações, num
círculo vicioso; a exploração racional de possíveis solu-
ções torna-se impossível e a negociação acaba falhando.
O objetivo do jogo passa a ser marcar pontos, confirmar
impressões negativas e fazer acusações, e os interesses
essenciais de ambas as partes ficam de lado. (FISHER;
URY; PATTON, 2018, p. 41)
É preciso enfatizar que a negociação não é um ato, mas um
processo103, no curso do qual as partes interessadas, gradativa-
mente, passam a conhecer e a se aprofundar nas questões con-
trovertidas que as levaram até ali, assim como a conhecer umas
às outras. Esse aprofundamento se dá por meio do diálogo e da
comunicação. É evidente, portanto, que uma maior objetividade
sobre o que se pretende – e sobre as próprias posições, visões e
eventuais preconceitos – e um enfoque o mais objetivo e sereno
sobre as pretensões e comportamentos alheios permitem que tal
processo ocorra de forma mais fluida.
103 “Na verdade, até o final do processo de negociação, as partes provavelmente
refinarão e ajustarão suas preferências. À medida que avançam em tal processo
e adquirem e absorvem novas informações, elas passam a aprender mais sobre
a posição substantiva uma da outra, como veem a situação de negociação
e também sobre as questões em disputa” (ROBERTS; PALMER, 2020, pos.
4064, tradução nossa).
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