Interpelações parlamentares a um homossexual na Constituinte de 1987-88: reações à fala de João Antônio Mascarenhas na Subcomissão de Direitos e Garantias Individuais

AutorRafael Carrano Lelis
CargoDoutorando em Direito Internacional pelo Graduate Institute of International and Development Studies (IHEID). Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Especia- lista em Gênero e Sexualidade pelo IMS/UERJ. E-mail: rafael.carrano.lelis@gmail.com/rafael. carrano@graduateinstitute.ch. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1794...
Páginas239-264
Interpelações parlamentares a um
homossexual na Constituinte de 1987-88:
reações à fala de João Antônio Mascarenhas
na Subcomissão de Direitos e Garantias
Individuais
Parliamentary interpellations to a homosexual in the
Constituent Assembly of 1987-88: reactions to the speech
by João Antônio Mascarenhas in the Subcommission on
Individual Rights and Guarantees
Rafael Carrano Lelis*
Graduate Institute of International and Development Studies,
Genebra, Suíça
1. Introdução
Os anos de 1987 e 1988 marcaram um momento em que a esperança se
espalhava pelo país. Ainda buscando a superação das sequelas jurídicas
e sociais deixadas pelo regime ditatorial civil-militar nos anos anteriores,
centenas de parlamentares se reuniam nos salões do Congresso Nacional
em Brasília para pactuar a refundação da nação, elaborando o texto da
nova Constituição. Foi também nesse momento que grupos organizados
da sociedade civil se esforçaram para traduzir suas demandas em termos
jurídicos que permitissem sua inscrição no texto constitucional. Entre eles,
estava o insurgente Movimento Homossexual Brasileiro (MHB), compo-
* Doutorando em Direito Internacional pelo Graduate Institute of International and Development
Studies (IHEID). Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio. Especia-
lista em Gênero e Sexualidade pelo IMS/UERJ. E-mail: rafael.carrano.lelis@gmail.com/rafael.
carrano@graduateinstitute.ch. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1794-8135.
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sição inicial do atual Movimento LGBTI+, que buscava a inclusão da ex-
pressão “orientação sexual”, visando à proteção contra discriminação desses
indivíduos. Este artigo se insere em uma pesquisa mais ampla, cuja questão
principal indaga como ocorreu a discussão sobre essa temática na Assem-
bleia Nacional Constituinte de 1987-88 (ANC) e por que a “orientação se-
xual” ficou de fora do texto final promulgado em cinco de outubro de 1988.
A discussão nos foros da Constituinte foi estimulada pela presença de
um dos representantes do MHB, João Antônio de Souza Mascarenhas – o
único integrante do movimento que conseguiu participar – em nome da
organização Triângulo Rosa. O ativista teve vinte minutos para expor a
demanda em duas subcomissões temáticas e posteriormente respondeu a
questionamentos levantados pelos parlamentares. Nesse sentido, este tra-
balho explora as interpelações direcionadas a Mascarenhas pelos consti-
tuintes presentes em sua fala em audiência pública perante a Subcomissão
de Direitos e Garantias Individuais (1-C). A extensão do material empírico
não permite que o discurso inicial e as indagações dos parlamentares sejam
abordados em um só trabalho, de modo que os principais elementos da
fala do ativista do Triângulo Rosa são analisados em outro artigo1.
Os anais digitalizados da ANC, disponíveis no site do Senado Federal,
foram a principal fonte de pesquisa. Em relação ao método, adota-se uma
abordagem foucaultiana da análise do discurso, priorizando sua concep-
ção enquanto práxis e consideradas as formações discursivas enquanto
produtoras da realidade e não meros signos representacionais da intenção
do falante2.
Por outro lado, o marco teórico que sustenta as análises conduzidas
é a noção de performatividade de gênero construída por Judith Butler e
os demais desdobramentos críticos relacionados à sua teoria. Embora a
utilização da obra da filósofa estadunidense em análises voltadas à temá-
tica LGBTI+ e queer já esteja bastante disseminada, seu uso neste artigo se
dá devido à especificidade do desenvolvimento de sua teoria. A autora é
frequentemente vinculada ao pós-estruturalismo, mas mantém constante
diálogo com diversas outras perspectivas, sobretudo (e cada vez mais) com
a tradição de teoria crítica da Escola de Frankfurt3. No contexto deste
1 LELIS; OLIVEIRA, 2021.
2 FOUCAULT, 2016.
3 MORAES; FRATESCHI; RODRIGUES, 2019.
Rafael Carrano Lelis

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