O Juiz

AutorFrancesco Carnelutti
Ocupação do AutorAdvogado e jurista italiano
Páginas65-77

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Tanto o processo penal como o processo civil apresentam uma distinção entre quem julga e quem é julgado. Basta entrar em uma sala de um tribunal para perceber que tal distinção se dá entre um que está acima e outro que está abaixo, entre um soberano e um súdito. Cumpre agora meditar sobre essa posição diversa.

De fato, a necessidade do processo decorre da incapacidade de alguém para julgar, por si mesmo, acerca do que se deve ou não fazer. Se quem matou ou roubou tivesse sabido julgar por si, não haveria roubado ou matado. Do mesmo modo, se os litigantes soubessem julgar por si mesmos, não litigariam, porque reconheceriam, por si mesmos, a ra-

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zão e a desrazão. Em suma: o processo serve para fazer com que entrem em juízo aqueles que não têm juízo. Visto que este é próprio do homem, o processo serve para substituir o juízo de um pelo juízo de outro ou outros, de modo que o juízo de um se torne a regra de conduta dos outros. O que faz entrar em juízo, isto é, o que subministra juízo aos que deste necessitam de juízo, é o juiz.

O juiz é, em primeiro lugar, aquele que tem juízo. Se não o tivesse, como poderia dá-lo aos demais? Diz-se que têm juízo os que sabem julgar. Eis a necessidade de compreender como se deve julgar. Eis também a razão pela qual a ciência do direito, em particular a do processo, está situada diante do mais difícil dos problemas, o qual, sem exagero, é o menos solucionável dos problemas. Aqueles que duvidaram e aqueles que ainda duvidam de que exista uma ciência verdadeira e própria do direito, do mesmo ramo que as ciências naturais, têm uma ideia mais ou menos clara desta verdade: a ciência do direito teria

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que ser a ciência do juízo, mas alguém possuiu ou possuirá uma ciência do juízo?

Na raiz dessa ideia está, mesmo para os que não creem, a palavra de Cristo: “Não julgueis”. Se alguém soubesse o que é julgar, aprenderia que é o mesmo que ver o futuro, porém o homem é prisioneiro do tempo, e o juízo é uma evasão impossível. Digo tudo isso para esclarecer uma só coisa, em relação ao processo: o juiz, para sê-lo, deveria ser mais que homem e, portanto, um homem que se aproximasse do que é Deus. Sobre essa ver-dade, a história conservou uma lembrança, que é a primitiva coincidência entre o juiz e o sacerdote, que pede a Deus e obtém dele uma capacidade superior à dos demais homens. Mesmo que, ainda hoje, apesar do desprezo às formas e aos símbolos, que são alguns dos caracteres pejorativos da vida moderna, o juiz se vista com o hábito solene chamado de “toga”, atende à necessidade de tornar visível a majestade, que é um atributo divino.

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Pergunto: onde se poderia encontrar um homem mais do que homem? No que toca a esse aspecto, o problema do processo pare-ce um enigma. No plano lógico, é provável que as soluções sejam duas, dependentes dos conceitos de qualidade e de quantidade. Sob o ponto de vista qualitativo, desponta novamente a coincidência original entre o juiz e o sacerdote. Segundo a ótica quantitativa, trata-se de acrescentar a idoneidade do...

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